Pelo artigo 1.º do Decreto de 26 de Setembro de 1891 o Governo Português concedeu a uma companhia portuguesa a ser constituída pela firma B.do Dupias & Cia, a administração e exploração nas condições exaradas por aquele diploma, dos territórios da Província de Moçambique limitados ao norte, leste e oeste pelos tratados de 1886 e de 28 de Maio de 1891 e a sul pelo Rio Lurio, desde a sua origem até à sua foz, compreendendo as ilhas adjacentes da respectiva zona marinha, ou seja na sua maioria coincidente com os Distrito de Cabo Delgado e Niassa.
Este diploma legal não permitia explicitamente à Companhia a emissão de selos postais e outras fórmulas de franquia, circulando entretanto no seu território os selos de Moçambique.
Segundo elementos colhidos no Arquivo Histórico Ultramarino as requisições de selos à Casa da Moeda, para circularem na área de influência da Companhia eram feitas em separado, pela Repartição Superior de Fazenda de Moçambique, sendo remetidos a seu cargo.
Só em 9 de Março de 1893, a sociedade a constituir pelos concessionários passou ao papel e começou a ter a designação de “Companhia do Niassa”.
A Companhia do Niassa desde a sua fundação ansiava poder emitir selos postais e fórmulas de franquia próprias, tendo solicitado insistentemente através do Comissário Régio para que o Governo Português lhes concedesse tal privilégio. Argumentavam que a não emissão dos valores postais representava uma perda significativa de receitas.
Finalmente foram ouvidas as suas insistentes reclamações e por Decreto de 21 de Novembro de 1894 foi dada autorização para a emissão de selos.
O entendimento que o gerente da Companhia do Niassa, o inglês George Wilson, fez daquele diploma foi diverso do aquilo que está nele implícito, e sem demoras mandou imprimir em Londres selos postais para fazer circular na Companhia do Niassa.
Em Dezembro de 1894 a Companhia do Niassa remeteu vários exemplares desses selos, fabricados em Londres, para o Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar solicitando ao abrigo daquele diploma, a respectiva autorização para os colocar em uso nos correios da área de influência da Companhia.
Recebidos os selos pelo Ministério, foi solicitado à 3.ª Repartição que se pronunciasse sobre a sua emissão, tendo emitido o seguinte parecer:
N.º 22
3.ª Repartição
16.01.95
Á Companhia do Niassa foi dada autorização por Decreto de 21 de Novembro de 1894 a emittir sellos e outras formulas de franquia com carimbo especial.
A meu ver porém esta autotisacção é feita nos limites das leis geraes do paiz e não pode a Companhia de que se trata isentar-se das normas que presidem ao serviço em todos os ramos da administração publica às quaes tem de moldar-se visto que é uma engrenagem d’esse complexo machinismo em que ela usa e usufrue as vantagens excepcionaes que lhe foram concedidas.
Por isto e limitando-me ao assumpto a que sou chamado a emittir a minha opinião parece-me que os sellos postaes cujos specimens estão juntos, não satisfazem os bons princípios dos quaes não é licito affastarmo-nos.
Uma das características a que julgo deve obedecer o sello de franquia – que na sua larga missão tem de ser o vehiculo da propagação das ideas e da approximação dos interresses – é o cunho da nacionalidade, é o prestígio, e a affirmação do paiz que o emitte pois que o sello, mais que nenhuma outra maniffestação social, leva a toda a parte, como a moeda, como em sentido mais elevado as cores da bandeira a certeza da existência de uma nação, e da sua independência.
Se isto são verdades incontestáveis dignas de ser devidamente consideradas e encarecidas em todos os tempos, muito mais o devem ser hoje, principalmente nos territórios ultramarinos onde há correntes de todos os lados para apagar os vestígios do nome portuguez.
Os sellos ultramarinos ou sejam emittidos por conta do governo central ou por conta de qualquer companhia que d’elles tenha uma parcella de auctoridade e de influencia devem primeiro que tudo ser portugueses, genuinamente portugueses, isto é devem ter o nome de Portugal e effigie do soberano ou pelo menos a coroa que é o symbolo d’esses soberanos.
A legenda da Companhia do Niassa é um pormenor secundário e, que serve é certo para individualizar a proveniência do sello, mas que nunca pode preterir as características do sello português que devem ter todos os sellos do nosso paiz.
Feitas estas alterações essenciais nos sellos e outras formulas de franquia da Companhia do Niassa e equiparados quanto possível nas taxas e cores aos das colónias portuguesas visto que como elles hão-de circular por toda a parte e satisfazer as iguaes necessidades do serviço postal nada mais se me offerece dizer sobre o assumpto.
Pelas razões apontadas, e só por estas razões, não foram autorizados a circular os referidos selos. Porém o que é notório no parecer emitido é que não é negado o direito de emitir selos à Companhia do Niassa e muito menos coloca em causa o local onde eles podem ser impressos contrariamente àquilo que preconiza o diploma. Nos selos sujeitos à aprovação o que estava em causa era principalmente a ausência dos símbolos da soberania portuguesa.
Várias teses têm sido formuladas para classificar estes selos, porém parece que há alguma dificuldade em fazer o seu enquadramento, pela sua complexidade. As tendências vão desde “não emitidos” a “falsos”, passando por outras designações como “clandestinos”, “vinhetas”, etc. A definição não é fácil até porque cada um tem um conceito muito próprio para cada uma das expressões, porém será que a “estória” destes selos já está toda contada e são conhecidos os seus contornos? O tempo se encarregará de clarificar estas interrogações. Entretanto este parecer aqui apresentado, e desconhecido da maioria dos interessados, será mais um subsídio para a história dos “misteriosos selos” de Cabo Delgado.
Bibliografia
· Cota 479 1N SEMU DGU Minutas 1895, Arquivo Histórico Ultramarino
· Legislação Portuguesa
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