terça-feira, 16 de agosto de 2011

Angola - Moçambique * Um encaminhamento inédito


            Em tempos longínquos (sete a oito anos) escrevi um artigo intitulado “História Postal de Angola (10) * O serviço postal para o exterior de Angola durante a 2.ª Guerra”, publicado na Filatelia Lusitana, onde entre várias abordagens, dei a conhecer a forma por que se processava a censura postal. O hediondo conflito que ceifou milhões de vidas, provocou para além dessa catástrofe, inconvenientes de vária ordem no quotidiano de todos os povos. Um deles foi o de a correspondência de cada um ficar exposta à leitura dos censores, com especial relevância para os ingleses que montaram um poderoso serviço espalhado por quase todo o Mundo.
Figura 1
            Nesse artigo dei a conhecer como e onde era sujeita à censura, principalmente por parte dos ingleses, as correspondências que de Angola saíam na sua generalidade por via marítima para os diferentes destinos. De forma simples e resumida havia as seguintes alternativas:
  1. No sentido ascendente Luanda – Lisboa a correspondência era expedida de Angola por via marítima pelos paquetes portugueses, que eram interceptados pela Marinha de Guerra Inglesa junto a Freetown na Serra Leoa. Elementos das forças militares inglesas subiam a bordo dos paquetes e recolhiam as malas postais, bem como procediam a uma rigorosa vistoria a todos os passageiros e tripulação, não sendo raro deterem passageiros e apreenderem correspondência transportada em mão. As malas retidas para censura, somente no paquete seguinte eram expedidas para Lisboa. Nestas condições particulares uma carta normalmente demorava 40 a 50 dias para chegar ao seu destino.
Figura 2
2.      Entretanto com o alastrar do conflito pelo continente africano e motivado pelos sucessivos avanços das tropas alemãs em África, os ingleses mudaram em meados de 1941 os serviços de censura à correspondência angolana de Freetown para a Cidade do Cabo. Tal mudança acarretou maiores problemas e atrasos. Assim as correspondências tinham que ser enviadas pelos paquetes portugueses para sul a caminho de Moçambique e entregues à censura na Cidade do Cabo, e recolher a mesma correspondência no regresso caso já se encontrasse censurada o que raramente acontecia. O normal era só no paquete seguinte as mesmas seguirem para Lisboa. Uma demora imensa.
Figura 3
3.      Perante este último cenário, as entidades portuguesas abandonam a via marítima morosa e incerta para fazer chegar as malas postais à Cidade do Cabo e encontraram um processo que permitia reduzir significativamente o atraso na circulação das correspondências. Todas as correspondências passaram a utilizar uma via alternativa que não a marítima para chegar à África do Sul. O centro das operações passou a ser a cidade de Nova Lisboa que recolhia todas as correspondências vindas dos diferentes pontos do país. Por via terrestre chegavam as correspondências oriundas de Sá da Bandeira e Moçamedes. Por via ferroviária as de Benguela e Lobito. Por via ferroviária até Cassoalala e depois por via terrestre as correspondências de Luanda e norte de Angola. Reunidas em Nova Lisboa eram enviadas por via ferroviária por Elizabethville para a Cidade do Cabo. Este sistema permitia avançar alguns dias a chegada das correspondências à Cidade do Cabo, fugindo à irregularidade dos transportes marítimos e ficando aí a aguardar pelo primeiro paquete português que passasse a caminho de Lisboa.
Figura 4
4.      A muito pouca correspondência remetida por via aérea que circulava através de Elizabethville e Leopoldville era censurada pelos belgas, o que não evitava nossa censura dos ingleses quando ela passava sobre a esfera de acção dos seus censores.
            Porém e depois de ter redigido o citado artigo, nós e o nosso amigo Manuel Costa (filatelista dedicado a Angola) fomos surpreendidos com aparecimento de alguma correspondência circulada para os EUA por via de Lourenço Marques (figura 1 e 2). Era um contra-senso que cartas destinadas ao ocidente, circulassem para o oriente para voltarem a ocidente. Durante anos tentamos matar a charada sem sucesso.
            Nestas “coisas e loisas” da filatelia acontece com alguma frequência, que o aparecimento de um exemplar exótico, desencadeia uma sucessão de factos que nos leva à solução do problema. Neste caso aconteceu-nos com o aparecimento em simultâneo das duas cartas representadas nas figuras 3 a 6. Passemos à descrição das 3 cartas apresentadas.
Figura 5
            No caso das figuras 1 e 2, trata-se de uma carta circulada de Luanda (19.10.40) para os EUA com trânsito por Lourenço Marques (31.10.40) franquiada com 2$75 em selos, correspondente a: 1$75 ao primeiro porte e 1$00 ao segundo porte (peso entre 21 e 40g). Não apresenta sinais de ter sido censurada.
            No segundo caso (figuras 3 e 4) temos uma carta circulada de Silva Porto (05.07.40) com trânsito pelo Lobito (07.07.40) e Beira / Moçambique (01.10.40) com destino ao Japão onde foi censurada. Porém a carta foi anteriormente censurada com uma cinta branca tipo III (classificação de John Little) aplicada em Lusaka na Rodésia do Norte.
Figura 6
            O terceiro exemplo (figuras 4 e 5) é uma carta circulada de Luanda (23.12.42) para os EUA com trânsito pelo Lobito (02.01.43), Beira (13.01.43) e Lourenço Marques (30.01.43) com o porte 1$75 (1.º porte do correio ordinário para países estrangeiros * peso até 20g) e censurada com cinta branca tipo VI-A amarrada à carta com carimbo de censura batido a preto tipo IIA, aplicados em Lusaka na Rodésia do Norte.
            Foi quando, através da consulta da obra de John Little intitulada “British Empire Civil Censorship Devices World War II / Colonies and Occupied Territories in África”, procurávamos descortinar onde tinham sido aplicadas as cintas, neste caso na Rodésia do Norte, que encontramos no preâmbulo, uma referência à censura das correspondências oriundas do Lobito para Lourenço Marques e Beira.
            Assim hoje podemos constatar que a partir de finais de 1940, e a partir do Lobito eram fechadas duas malas: uma para a Beira e outra para Lourenço Marques transportadas até Lusaka através das linhas ferroviárias do Caminho-de-Ferro de Benguela com ligação à linha Cape Town ao Cairo. Em Lusaka as cartas eram sujeitas à censura e prosseguiam a sua viagem pela mesma via até Bulawayo. Nesta localidade a mala com destino à Beira era expedida por via ferroviária por Salisbúria e Umtali até à Beira. A mala com destino a Lourenço Marques continuava o seu caminho até Johannesburg de onde seguia pela ambulância ferroviária de Ressano Garcia para o seu destino.
Mapa com as ligações ferroviárias
            A partir da Beira e de Lourenço Marques as malas seguiam por via marítima para os diferentes destinos.
            Segundo John Little a correspondência era 100% censurada em Lusaka, o que parece não acontecido à carta da figura 1.

Bibliografia
·          British Empire Civil Censorship Devices World War II / Colonies and Occupied Territories in Africa”, John Little, 2000
·          Caminho de Ferro de Benguela – A mais curta estrada para a África Central




1 comentário:

  1. Caro Elder,
    Antes de mais os meus parabéns pelo blog! Em particular, quero manifestar publicamente a minha satisfação pela qualidade das "mensagens". Designação, aliás, manifestamente insuficiente, daí as aspas. Assim, e para lhes fazer justiça, proponho que sejam imediatamente promovidas à patente de ARTIGOS.
    Quanto ao assunto em epígrafe,penso que terá sido dado um passo significativo em frente para explicar estes encaminhamentos algo estranhos. Haverá, porém, correspondências que escapam a esta explicação, uma vez que, tendo a marca de trânsito de LOURENÇO MARQUES, foram censuradas na Cidade do Cabo (o que pode ser comprovado pela cinta de censura e pela letra "A" manuscrita, correspondente ao código atribuído à censura levada a cabo nesta cidade) e não na Rodésia do Norte.
    Envio por mail as imagens de uma carta que corresponde a esta descrição.

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