quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Qual a data efectiva de entrada em circulação dos selos nas colónias portuguesas?

            Este apontamento aplica-se a todas as colónias portuguesas. Serviu de exemplo o processo de Macau, por ser aquele que no universo das colónias se encontrava completo. Muitas vezes, coleccionadores das colónias portuguesas, foram surpreendidos ao adquirirem cartas ou inteiros postais circulados, e após minuciosa análise, verificarem terem circulado antes das datas de início de circulação que os diferentes avisos e portarias coloniais indicavam. Tal situação causava apreensão sobre a real circulação das cartas, sendo consideradas muitas vezes “cartas filatélicas” que não passavam de meros “souvenirs”.
            Porém nem tudo o que parece ser, será na realidade colonial. E isso mesmo atesta este episódio que vamos relatar e outros semelhantes que é possível ler entre os milhares de ofícios que se encontram no Arquivo Histórico Ultramarino.
Cartão Postal de resposta paga, de 2 avos da emissão D. Carlos I com 
sobrecarga "REPUBLICA"  da Casa da Moeda, circulado registado de
Macau (17.06.12) para a Alemanha (07.07.12) com selo adicional de
18 avos . Nesta data, estes inteiros ainda não se encontravam à venda
em Macau. Terá sido adquirido na Casa da Moeda em Lisboa.
 Cortesia dos leilões CFP
            A 20 de Março de 1912 o Director dos Correios de Macau remete o ofício n.º 135/12 para a 3.ª Repartição da Direcção Geral das Colónias enviando 4 sobrescritos franquiados com selos de Macau som a sobrecarga “Republica” da Casa da Moeda criada por Decreto de 20 de Abril de 1911. Pelo referido ofício, esclarece o Director, que na vizinha colónia inglesa de Hong Kong estavam a ser comercializados a preços bastante elevados aquele tipo de selos não sabendo ele onde foram adquiridos, visto que ainda não tinham sido postos em circulação em Macau e nem tão pouco chegado, aquele tipo de selos, à Repartição de Fazenda de Macau. Mais informa que da Rússia, Hungria e outros países, têm-lhe sido enviadas cartas pré-franquiadas com esses selos, com a solicitação que fossem carimbadas e feitas circular de Macau para esses destinos. Que pelo facto de não se acharem ainda em circulação na colónia, não satisfez os pedidos presumindo que esses selos fossem falsificações.
            A 23 de Março de 1912 por ofício n.º 143/12 dirigida à mesma 3.ª Repartição, que a seguir transcrevemos, volta o mesmo Director com reclamações sobre a situação destas fórmulas de franquia.
Exm.º Snr.
Engenheiro Chefe da 3.ª Repartição da Direcção Geral das Colonas
Em aditamento ao meu offício n.º 135/12 de 20 do corrente cumpre-me enviar a V. Ex.ª um novo pedido feito por carta dirigida pelo Sr. A. Berdoz residente em Modu-Suissa, afim de serem aqui consideradas e devolvidas as formulas de franquia que remette.
Devo dizer a V. Ex.ª que, á excepção do selo de 2 avos affixado n’um dos bilhetes postaes, todas as outras formulas de franquia estão sendo consideradas por esta Direcção como sendo falsificadas visto que aqui ainda não foram postas à venda ao publico, nem existem na caixa do thesouro d’esta provincio.
Os objectos contendo estes sellos e os cartões postais e bilhetes com a sobrecarga “Republica” recebidos ou encontrados nos receptáculos postaes d’esta província estão sendo expedidos multados em virtude de ainda não terem sido postas á venda estas formulas de franquia e se suppor que as estejam falsificando, sendo consideradas como já innutilizadas.
            Antes de continuar a abordar este assunto, a leitura atenta do anterior ofício dá-nos resposta a muitas perguntas que têm feito os filatelistas sobre a forma como circulavam os inteiros postais e cartas, que muitas vezes aparecem endereçados a grandes comerciantes como A. Berdoz, Karl Rix, Kiderlen e outros mais. Diversas vezes vi os “fundamentalistas” da filatelia colocar em causa a circulação desses exemplares. Aqui está um exemplo ilustrativo do sistema utilizado, sem o qual, hoje não poderíamos apresentar nas nossas colecções determinados espécimes filatélicos.
            Voltando ao assunto, a 3.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar responde pelo ofício n.º 300/5857912 de 22 de Abril de 1912, informando que a Direcção dos Correios de Macau não pode deixar de aceitar esses selos, e muito menos multar as cartas e inteiros postais, pois eles foram emitidos segundo um decreto governamental e que ele Director não pode desconhecer a lei.
            O Director aceita a sugestão mas não deixa de contestar a forma como se processa a venda dos selos na Casa da Moeda em Lisboa, e disso dá conhecimento pelo Ofício n.º 237/12 de 16 de Maio que se transcreve:
“Sobre o assunto do officio n.º 300/585/912 datado da 2.ª Secção de 22 d’Abril findo, permitta-me V. Ex.ª que exponha o seguinte:
Devo primeiro logar dizer a V. Ex.ª que a partir desta data determinei que fossem cumpridas as ordens a que allude o referido offício, não sendo de futuro multadas as correspondências que trouxerem sellos com a sobrecarga “Republica” ou ainda outras fórmulas de franquia com a mesma sobrecarga, muito embora nunca tivessem existido à venda nos correios de Macau para onde exclusivamente ellas se destinam.
Passando a expor o assumpto, devo dizer a V. Ex.ª que se torna maxima conveniência que sejam adoptadas providencias afim de todas as formulas de franquia que puzerem à venda na Casa da Moeda em Lisboa, e que sejam para circulação n’esta província, não sejam alli vendidas antes de serem mandadas para esta província.
Porvindo o valor e existência das formulas de franquia da sua applicação na transmissão da correspondência nas Administrações Postaes a que dizem respeito, ellas nenhum valor teem, pelo menos, se não chegarem a circular nas referidas Administrações postaes, o que se pode dar se se esgotarem as suas emissões e se tenham de fazer outras de emissões diversas, caso que parece susceptível de se dar no actual momento pela circulação de novos sellos do regime republicano.
Alguns colleccionadores teem-se admirado de na Casa da Moeda venderem sellos e mais fórmulas de franquia, adeantando-se alguns a dizerem que os compradores teem sido enganados pelo Governo Portuguez, porque as formulas de franquia que lhes venderam são falsas visto que não existem nas respectivas Administrações postaes.
É grave e urge providencias immediatas, quando demais se me affigura não haver necessidade de estas formulas de franquia deixarem de ser enviadas para esta província.
Devo ainda dizer que não ignorava que na Casa da Moeda em Lisboa se vendessem formulas de franquia privativas das Colónias, mas o que nunca suppuz foi que ellas fossem vendidas ali antes de serem enviadas para as respectivas Colónias, motivo porque determinei que fossem multadas as correspondências nestas condições.
            A este ofício responde a Direcção Geral das Colónias com o ofício n.º 445/585/912 de 8 de Junho de 1912 informando que os elementos essenciais para que as repartições de correio coloniais passassem a conhecer a validade ou não das formulas de franquia, independentemente de as já terem ou não à venda nas estações postais, eram os diplomas que autorizam as emissões ou sobrecargas, assim como os espécimes que a Direcção Geral das Colónias distribuía juntamente com as circulares da Secretaria Internacional de Berna.
     Cartão Postal de 25 reis da emissão D. Carlos I tipo Mouchon, com sobrecarga      
REPUBLICA da Casa da Moeda, circulado de Benguela (11.06.1912) para
Praga (11.07.1912) com trânsito por Lisboa (07.07.1912). Franquiado com
selos adicionais de 75 reis, correspondente a 50 reis pelo porte de cartões
postais para o estrangeiro e 50 reis pelo registo.
            Diz ainda a Direcção que perante estes documentos estavam as Repartições dos Correios habilitadas a esclarecer o público sobre a validade das fórmulas de franquia que aparecessem afixadas nas correspondências, ainda que tais fórmulas não tivessem sido postas à venda nas colónias, embora já se tivesse iniciado a sua venda na Casa da Moeda.
            Estranha-se esta posição da Direcção Geral das Colónias pois um dos pressupostos, obrigatórios, para se iniciar a venda de formulas de franquia, era a publicação nos Boletins Oficiais das Colónias de uma portaria ou aviso indicando a data em que começavam a circular as emissões e definia também as condições da retirada de circulação da emissão antecedente, e do período em que se aceitava a troca das fórmulas de franquia da anterior pelas da nova emissão. No caso de Macau só em finais de Setembro de 1912 é que chegaram os selos sobrecarregados com “REPUBLICA” pela Casa da Moeda.
            Pelo exposto nesta troca de ofícios, parece que poderemos tirar as seguintes ilações:
            1 – Que era prática corrente as fórmulas de franquia estarem à venda na Casa da Moeda antes de serem fornecidos às Administrações Postais das Colónias.
            2 – A data de entrada em circulação de uma emissão dependia do local onde era colocada à venda em primeiro lugar (Colónia ou Casa da Moeda). Digamos que é uma decisão muito estranha por parte da DGC, pois o início da venda dos selos na Casa da Moeda nunca era anunciada.
            3 – Os comerciantes e filatelistas da época eram muito activos e conseguiam fazer chegar às colónias essas fórmulas de franquia, fazendo-as circular muitas vezes, antes das Administrações Postais as terem disponíveis para venda.
            4 – Pelo relato do Director de Macau era prática corrente, comerciantes e filatelistas, enviarem cartas e inteiros postais para as Direcções de Correio, para que estas os fizessem circular para os seus países.
            5 – Existem algures, cartas e inteiros postais, que apresentando selos genuínos e portes apropriados, foram porteados porque as administrações postais coloniais consideraram os mesmos como sendo falsos.
            O que acabamos de relatar sobre Macau aconteceu também nas outras colónias, pois encontrou-se troca de ofícios com semelhante teor e forma de actuação em Moçambique e S. Tomé e Príncipe.

Bibliografia
·          Cota 664 ID SEMU DGU mç 1901-1920 – Inquéritos sobre sobrecargas de selos

1 comentário:

  1. Parabéns pelo blog, não só pela qualidade dos conteúdos, da forma e do estilo, mas também pela “agitação” que devem causar no meio filatélico, visto que destroem, irremediavelmente, alguns “ mitos “, como fica demonstrado neste ultimo apontamento, acerca do desprezo, a meu ver injustificado, que alguns “ iluminados “ nutrem por certas peças, por eles desclassificadas como “filatélicas” e o seu modo de circulação.

    Relendo no blog outros apontamentos (e esperando mais revelações …), sem dúvida que alguns são “pedradas no charco”, e um aviso à navegação para que, em relação à Filatelia das Ex-Colónias Portuguesas, se seja cauteloso. Os rótulos e as verdades de ontem, podem hoje ser desmentidas pelas provas resultantes dum trabalho de investigação, que…afinal não tinha sido feito anteriormente.

    Altino

    ResponderEliminar