domingo, 5 de agosto de 2012

Companhia de Moçambique - Refugo manuscrito em 1892

A Companhia de Moçambique foi fundada em 1891 pelos Decretos de 11 de Fevereiro e 31 de Julho com direitos de soberania delegados pelo Governo Português, e tinha como finalidade a exploração de territórios que lhes foram concessionados em Moçambique, coincidentes com os territórios de Manica e Sofala.
A constituição da Companhia de Moçambique tinha em mente por parte do Governo Português a neutralização da influência da British Central Africa, para além de promover o desenvolvimento da região concessionada.
A Companhia, para além dos vastos poderes que detinha para explorar o território, também estava investida de poderes para emitir moeda, assim como valores postais e fiscais. A administração do serviço postal também passou a ser assegurada pela Companhia de Moçambique. SARL, tendo-se-lhes sido concedida autorização para a emissão de selos postais por decreto de 8 de Agosto de 1892, publicado no Diário de Governo n.º 177 de 9 de Agosto, sendo obrigatória que a sua produção fosse assegurada pela Casa da Moeda e Valores Selados em Lisboa, e que esses selos contivessem a legenda “Companhia de Moçambique”.
A instalação dos serviços de correio, pela nova entidade administrante, não foi instantânea pelo que muito dos serviços e dos processos administrativos numa primeira fase terão sido executados de modo artesanal e provisório.
Isto mesmo está evidenciado na carta que apresentamos na Figura 1 onde podemos observar dois ou três aspectos característicos do serviço de correios ultramarinos e da peculiaridade da vivência ultramarina no século XIX.
O primeiro aspecto tem a ver com a ideia transmitida de que todo o indivíduo era conhecido em África. Um endereço contendo o nome do destinatário e um endereço vago de “British Central Africa” deveria ser suficiente para ser entregue a correspondência.
British Central África era um protectorado inglês instalado nos Distritos da Niassalândia. Inicialmente, em 1889, os territórios da região conhecida por Shire Highlands a sul do Lago Niassa tornaram-se num protectorado inglês, em resposta à crise anglo-portuguesa sobre o controlo dos territórios junto ao Lago Niassa. Em 1891 os ingleses estenderam a sua zona de controlo dos territórios por todos os Distritos da Niassalândia e transformaram em 1892 o antigo Protectorado do Shire Highlands em Protectorado da British Central África.
Mapa parcial da BCA e Moçambique
Blyntire transformou-se no centro económico e cultural do protectorado enquanto o centro administrativo ficava em Zomba, onde residia o Governador. Em 1907 o Protectorado passou a denominar-se da Niassalândia.
Feitoria da Beira, na margem do Rio Xiveve
Nos termos da Convenção de 11 de Junho de 1891 o Governo português concedeu aos ingleses um terreno no Chinde para aí serem construídas instalações da British Central África que facilitassem a armazenagem e transbordo de mercadorias a si destinadas, ou por ela enviadas dos seus territórios. Estrategicamente, o Chinde, era vital pelas facilidades que proporcionava ao trânsito de mercadorias e pessoas. Ainda nesse terreno os ingleses acabaram por instalar uma estação postal sob sua égide, prestando todos os serviços postais, em concorrência com a estação postal portuguesa também criada no Chinde.
Depois desta resenha histórica e voltando ao tema central, a carta referida foi simplesmente endereçada a um indivíduo na British Central África, sem mais qualquer elemento que ajudasse ao seu encaminhamento. Foi remetida de Grantshouse em 14.10.1892 e recepcionada na Beira em 23.11.1892, onde caiu em refugo por não ter sido reclamada e por ser provavelmente desconhecido o destinatário. Cabe agora colocar a questão de se procurar saber do motivo porque a carta não foi enviada para o Chinde, onde mais facilmente poderia ter sido encontrado o destinatário. Como à data não existia marca específica de refugo, a indicação de aí ter caído foi manuscrita. Parece-nos também que nesta data a estação postal da Beira ainda não possuía marcas indicadoras dos motivos da devolução das correspondências, tais como: DESCONHECIDO /INCONNU, DEVOLVIDO AO REMETENTE, etc. Como também podemos verificar estamos no momento em que a recém-criada Companhia de Moçambique dava os seus “primeiros passos”. Provavelmente esta será a mais antiga carta conhecida, quer seja destinada, ou remetida dos territórios da Companhia de Moçambique.
Como se pode constatar pelo carimbo inglês batido no verso, a carta acabou por ser devolvida aos correios ingleses sem a indicação do motivo por que não foi entregue. Na ausência das marcas normalmente usadas, essa indicação deveria ter sido manuscrita.
Na figura 2 podemos apreciar uma outra carta (por cortesia do meu amigo Altino Pinto), datada do ano de 1900, em que a estação postal da Beira já era detentora de marca específica para carimbar as cartas caídas em refugo, assim como das marcas identificadoras dos motivos porque não foi entregue a correspondência.
Carta remetida para Durban e reexpedida para a Beira (28.03.1900). Não tendo sido reclamada e por ser desconhecido o destinatário caiu em REFUGO (??.04.1900). Circulada durante o período da guerra Anglo-Boer foi censurada com cinta de fecho laranja. A guerra Anglo-Boer começou em 12 de Outubro de 1899. Marcas administrativas batidas a preto “INCONNU / DESCONHECIDO” e “NON-RECLAMÉ / NÃO RECLAMADO”, todas aplicadas na estação postal da Beira.

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