Neste
pequeno apontamento vai-se “estoriar” mais um dos quarenta carimbos numéricos volantes
que foram mandados adquirir para suprir a ausência de marcas de dia das
estações que fossem sendo abertas em Angola, ou para substituir as definitivas
que, pertencendo a estações já estabelecidas se encontrassem avariadas ou
tivessem por qualquer razão sido dadas como perdidas. Este carimbo foi usado exactamente
para suprir a falta de marca de dia, por deterioração ou desaparecimento da anteriormente
atribuída à estação postal da Canhoca.
Possuo
na minha colecção de marcofilia de Angola um único exemplar, em selo, da marca
de dia primitivamente atribuída à estação postal. Nunca vi outro exemplar, quer
em colecções de amigos, quer à venda no comércio da especialidade ou em
leilões. É provável que algum coleccionador o possua, mas a sua raridade é
factual. O carimbo é do tipo A6 (Magalhães,
1986), composto por um círculo e dois segmentos circulares, cujas cordas
formam a ponte para a data. Neste tipo existem duas variantes, sendo este
carimbo da “variante A” com datador em que o mês é representado por algarismos
romanos seguido de 3 algarismos para o ano e indicação horária terminando com
letra M (manhã) ou T (tarde). Guedes Magalhães não referencia este carimbo na
sua obra “Marcas Postais de Angola”.
Por
razões que se desconhecem este carimbo deixou de ser utilizado, e em seu lugar
foi atribuído à estação postal da Canhoca o carimbo numérico volante n.º 8 de
acordo com a Ordem de Serviço n.º 329 de 29 de Setembro de 1913 da Repartição
Superior dos Correios de Angola, que a seguir se reproduz.
O
carimbo numérico volante aparece batido a preto e a violeta, conforme podemos
constatar da imagem a seguir apresentada.
Tal
como aconteceu noutros casos, este carimbo deveria ter um período de utilização
curto na estação postal, atendendo ao carácter de marca de dia provisória de
que estavam revestidos, acabou por se tornar a marca de dia definitiva da
estação pois em 1936 ainda estava em uso conforme prova a carta que abaixo se
reproduz.
Sobrescrito remetido da Canhoca (03.05.36) para Boston, com
trânsito por Luanda (05.05.36). Foi franquiada com 35c, correspondente ao
primeiro porte de impressos (peso até 50g) remetidos para o estrangeiro
(Decreto nº 23.455 de 12.01.1934 do Ministério das Colónias)
Não se
conseguiu encontrar o diploma que criou a estação postal da Canhoca, porém
podemos afirmar que o aparecimento desta estação postal está intimamente
relacionada com a chegada da linha ferroviária do então Caminho de Ferro do
Ambaca à região. De tal forma estavam interligados que em 26 de Abril de 1918,
pela Portaria n.º 105 o Governo-Geral entrega a chefia da estação ao chefe da
estação do ramal ferroviário do Golungo Alto.
Canhoca começou por ser
uma estação ferroviária ao Km 287 do então Caminho de Ferro do Ambaca, depois
denominado Caminho de Ferro de Luanda quando da passagem da sua posse para o
Governo, pelo Decreto n.º 4600 de 13.07.1918, promulgado pelo então Presidente
da República Sidónio Pais. Com as alterações que entretanto foram sendo
introduzidas no traçado inicial, a distância de Luanda a Canhoca acabou por
ficar reduzida a 209 kms.
Apenas em 14 de Setembro de 1955
pela Portaria n.º 9061 foi elevada ao estatuto de povoação comercial de 4.ª
categoria, passando a pertencer ao Concelho do Casengo. Em 1959, para além de
um pequeno aglomerado habitacional, existiam somente na sua área uma casa
comercial e uma fazenda agrícola importante.
A sua importância advinha
da posição geo-estratégica que ocupava, pois era o entroncamento da ramal
ferroviário do Golungo Alto com a linha principal do Caminho de Ferro de
Luanda. Era uma das mais importantes estações da linha pela sua situação ao
centro das grandes plantações de café, principalmente as das feitorias de
Cavunge, Palmira, Águas Doces e Gratidão.
O único restaurante
estava situado na estação ferroviária, porém as movimentações de mercadorias
expedidas e recebidas eram importantes, e na sua maioria destinadas ou oriundas
das regiões limítrofes.
Os trabalhos de
construção da linha ferroviária iniciaram-se em 31 de Outubro de 1886, data
escolhida por ser o aniversário natalício de D. Luís I. Foram os primeiros
carris que “morderam” as terras escaldantes de Angola. Exactamente dois anos
depois do lançamento da primeira pedra é inaugurado o primeiro troço que levava
os comboios de Luanda à Funda numa distância de 45 kms. Em 1889, treze anos
depois a extensão da linha ferroviária estendia-se por 364 kms até à ponte do
rio Lucala. Porém só em 7 de Setembro de 1909 é que a linha chega a Malanje.
Estação ferroviária da Canhoca em 1909
Posteriormente o Governo
de Angola decide construir o Ramal do Golungo Alto, pois a riqueza da região,
principalmente a do Cazendo, assim o justificava. Não foi fácil a construção
deste ramal atendendo ao acidentado do percurso. Por essa razão só foi possível
construir o ramal ferroviário com uma bitola de 0,60m. A construção do ramal
foi feita em dois lanços: um partindo da Canhoca até Cambondo na distância de
14 kms e outro de Cambondo ao Golungo Alto na distância de 17 kms, porém o de
mais difícil construção. Os lanços foram inaugurados respectivamente em
28.08.1913 e 28.10.1915.
Estação ferroviária da Canhoca e a povoação ao fundo em 1974
Atendendo à diferença de
bitolas entre o Ramal do Golungo Alto (0,60m) e a do Caminho de Ferro de Luanda
(1,067m) percebe-se a importância do entroncamento da Canhoca. A rica região do
Golungo Alto e Casengo, grandes produtoras de café e outros produtos, faziam
escoar pelo ramal ferroviário grandes tonelagens de produtos que chegados a
Canhoca tinham que ser transferidas para os comboios da linha principal, porque
a diferença de bitolas não permitia que as composições do ramal continuassem por
esta via até Luanda. Este grande movimento de mercadorias e passageiros na
estação da Canhoca conferiam-lhe uma enorme importância.
Retornando aos aspectos
filatélicos relacionados com a povoação da Canhoca, uma nota final para lembrar
que existindo uma estação ferroviária na povoação, a população podia usufruir
dos privilégios consignados na Portaria n.º 484 de 08.05.1913, publicada no
Boletim Oficial n.º 19 de 10.05.1913, que permitia a condução de cartas,
estação a estação ferroviária, através dos condutores dos comboios.
Nota: O carimbo foi “avivado” por se encontrar mal batido.
Pela carta acima
reproduzida, um dos raríssimos espécimes conhecidos, circulados nas condições
da Portaria citada, pode-se verificar que o selo se encontra obliterado pelo
carimbo nominativo em uso na estação ferroviária da Canhoca. A carta está
franquiada com um selo de 70c correspondente ao primeiro porte (peso até 20g)
para cartas circuladas no interior da colónia (Aviso da Administração dos
Correios, Telégrafos e Telefones Publicada no Boletim Oficial de Angola nº 36
de 03.09.1932). Pela inscrição manuscrita no frontispício da carta (Contem senha n.º 1259) permite
deduzir-se que alguém foi à estação despachar uma encomenda e que aproveitou
para fazer seguir pelo mesmo comboio a carta contendo a respectiva senha de
despacho. A carta foi depois entregue na estação de destino em Luanda ao
destinatário, permitindo assim rapidamente proceder ao levantamento da
encomenda.
Bibiolgrafia:
·
Angola, Portos e Transportes, Eduardo
Gomes de Albuquerque e Castro, 1970
·
Dicionário Corográfrico Comercial de
Angola, Edições Antonito, 1959
·
Memória Explicativa e Descriptiva dos
Actos e da Situação da Companhia Real dos Caminhos de Ferro atravez d’Africa,
1909
·
Índice Histórico-Corográfico de Angola,
Mário Milheiros, 1972
·
Atlas de Portugal Ultramarino, Junta
das Missões Geográficas e de
Investigações Coloniais, 1948
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