domingo, 12 de agosto de 2012

Angola * 1919/1928 - Inflação, Filatelia e Notafilia

Alto-Comissário Norton de Matos
            Em 12 de Outubro de 1920, o então Major Norton de Matos, toma posse em Lisboa no cargo de Alto-Comissário de Angola, numa segunda comissão de serviço, após a sua estadia em 1912 como Governador-Geral.
            Esta data marca uma nova era em Angola, pois Norton de Matos vai implementar uma tal dinâmica sobre todas as vertentes, transformando Angola numa real colónia portuguesa, porque até aí este território pouco mais era do que uma feitoria.
            A onda de entusiasmo que se instala em Angola faz disparar a emigração. Um dos factores desta transfiguração tem como génese a diminuição da influência militar instalada, pois uma das primeiras medidas de Norton de Matos foi privilegiar a criação de um Quadro Administrativo Civil que irá perdurar até à independência de Angola. O poder do “Capitão-Mor” normalmente revestido de conceitos ditatoriais e violentos é substituído pelo poder administrativo civil mais moderado e pacificador.
            O Alto-Comissário vai ainda implementar um orçamento geral equilibrado, com pagamento atempado dos compromissos assumidos pelo Governo e em que a população pagava impostos justos e em devido tempo.
Fig. 1 - “Specimen” da nota de 100$00 emitida pelo Banco Nacional Ultramarino em 1 de Janeiro de 1921, durante o consulado de Norton de Matos. Uma nova Angola desabrochava.

Os “ventos” do desenvolvimento económico vão determinar um alargamento da circulação fiduciária, influenciado principalmente pela alta generalizada do preço dos produtos e o desaparecimento da simples permuta com os nativos, substituída pelas vendas a dinheiro. De cerca de 3.670 contos de notas em circulação em 1918 passa-se para quase 58.000 contos em finais de 1923, depois de sucessivas novas estampagens de notas por parte do Banco Emissor -Banco Nacional Ultramarino – (Fig. 1) e da emissão de cédulas do Governo-Geral no valor de $50, as muito conhecidas “Ritas” assim baptizadas em homenagem à mãe do Alto-Comissário (Fig. 2).
Fig. 2 - Cédula de $50 emitida pelo Alto-Comissariado de Angola em 1923. Conhecida popularmente por “Rita”.

Segundo Vicente Ferreira “Angola atabafava sob tanto papel”. À inflação da circulação fiduciária veio juntar-se à inflação dos créditos. Gastava-se à grande, com a convicção de que o crédito poderia cobrir todos os desmandos. Fazendo um aparte e transportando-nos para os tempos actuais pergunto: “onde já vi isto?”.
Vicente Ferreira
            O aumento galopante e sucessivo da circulação fiduciária vai determinar uma inflação elevadíssima que se alastra a todos os vectores da vida económica angolana.
            O serviço postal não vai ser excepção. Desde 1919 até 1924 os portes das correspondências, assim como dos outros serviços postais vão sofrer aumentos significativos.
            Tomando como exemplo o primeiro porte (peso até 20gr) para correspondências expedidas para Portugal, Ilhas e outras Colónias (a seguir designados por Império por comodidade de escrita), assim como as expedidas para o estrangeiro, descreve-se de seguida a sucessão impressionante de diplomas que os vão alterando.
            Depois de dezenas de anos em que se mantiveram inalterados os portes a Portaria n.º 54-C do Governo-Geral de Angola datada de 01.03.1919, publicada no Boletim oficial n.º 10 de 12.03.1919 altera os portes para o Império para 3 ½c por cada fracção de 20gr. Esta portaria entra em execução em Luanda no dia 15 de Março, e nos restantes pontos da província no dia 1 de Maio de 1919.
Fig. 3 - Sobrescrito remetido de Caconda (03.01.1920) para Lisboa (08.02.1920) com trânsito pela ambulância descendente do Caminho de Ferro de Benguela (04.01.1920) e Benguela (06.01.1920). Pagou de porte 4c correspondente ao primeiro porte para cartas remetidas para Portugal (peso até 20g).

            Ainda os funcionários postais não se tinham habituado aos novos portes e eis que no dia 31.05.1919 é publicado o Decreto n.º 5839 do Ministério das Colónias e reeditado no Boletim Oficial de Angola n.º 31 de 02.08.1919, alterando o porte das cartas remetidas para o Império para 4c por cada fracção de 20gr (Fig. 3). A diferença de porte entre o do anterior diploma e o actual no valor de ½c poderia ser coberta por selos da taxa de guerra, que sendo entretanto emitidos chegaram a Angola já depois de ter cessado a obrigatoriedade da sua utilização como imposto postal (Fig. 4). Este diploma trás porém uma novidade. As cartas remetidas para o Império através da África do Sul e Londres ficavam sujeitas a um porte de 5c.
Fig. 4 - Postal ilustrado circulado de Luanda (29.08.1920) para os EUA, com selo de 1 e 2 ctvs Ceres, e selo de Taxa de Guerra de África de 0$01, usado como selo de recurso do correio ordinário.

            Não terminaria o ano de 1919 sem que novo diploma viesse alterar novamente os portes. O Decreto n.º 6254 de 27.11.1919 do Ministério das Colónias aumenta o porte para 6c nas cartas remetidas para o Império (Fig. 5 e 6). Este diploma vai ter eficácia apenas a partir de 01.01.1920.
Fig. 5 - Sobrescrito remetido pela Ambulância Ferroviária do CFB (19.12.1919) para a Figueira Foz (20.01.20) com trânsito por Benguela (19.12.19). Pagou de porte 6 ½ c correspondente a: 6c pelo primeiro porte para Portugal + ½ c excesso de porte. Embora o Decreto apenas vigorasse a partir de 01.01.20 a tarifa foi aplicada em antecipação.

            Cerca de seis meses depois os portes para o Império são aumentados para o dobro, isto é, 12c por cada 20gr, pelo Decreto n.º 7431 do Ministério das Colónias publicado no Boletim Oficial de Angola de 08.07.1921.
Fig. 6 - Sobrescrito remetido de Luanda (31.03.1920) para Lisboa. Selo de 100 reis utilizado em segundo período de circulação com o valor equivalente a 10c. Porte total de 12c correspondente ao segundo porte (peso entre 20 e 39g) para cartas remetidas para Portugal.

            Entretanto o Decreto n.º 7486 de 04.05.1921 do Ministério das Colónias aumenta os portes para as cartas remetidas para o estrangeiro para o extraordinário valor de 60c (Fig. 7). Esta tabela passou a vigorar em Angola a partir de 1 de Junho de 1921.
Fig. 7 - Sobrescrito remetido de Moçamedes (17.11.1921) para Breslau. Selo de 500 reis utilizado em segundo período de circulação com valor equivalente a 50c. Porte total de 60c correspondente ao 1.º porte (peso até 20g) para cartas remetidas para o estrangeiro.

            Imediatamente a seguir e quase ainda não se tinha iniciada a aplicação da tabela aprovada pelo Decreto n.º 7431 eis que surge o Decreto n.º 27 de 11.07.1921 do Alto-Comissário para Angola, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 28 de 21.07.1921 a aumentar novamente os portes para cartas remetidas para o Império. O primeiro porte (peso até 20gr) passava a custar a módica importância de $30. Porém havia um bónus – os portes seguintes (cada 20gr) apenas pagavam 15c.
            Provavelmente, porque a anterior subida fosse muito abrupta, o Decreto n.º 92 de 24.12.1921 do Alto-Comissário de Angola, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 52 de 31.12.1921 vem reduzir a tabela anterior. Assim o primeiro porte para cartas remetidas para o Império baixa para 20c, sendo o custo para os portes imediatos de apenas $10. Este mesmo diploma vem também fixar em baixa os portes para cartas remetidas para o estrangeiro. Assim pelo primeiro porte pagar-se-á $40 e pelos portes seguintes $20 por cada um (Fig. 8).
Fig. 8 - Sobrescrito remetido pela ambulância ferroviária do CFB (11.07.1922) para os EUA com trânsito por Benguela (11.02.22). Selo de 400 reis utilizado em segundo período de circulação equivalente ao valor de 40c, correspondente ao 1.º porte para cartas remetidas para o estrangeiro.

            Depois de uma sucessão vertiginosa de alterações às tabelas de portes, houve uma acalmia de cerca de 15 meses em que estes se mantiveram estáveis. Porém o Decreto n.º 8697 de 09.03.1923 do Ministério das Colónias, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 18 de 12.04.1923 volta a alterar novamente as franquias para valores elevadíssimos. Assim as cartas remetidas para o Império pagariam pelo primeiro porte 50c e 25c pelos portes seguintes (Fig. 9). As cartas para o estrangeiro estavam sujeitas ao pagamento de 1$00 pelo primeiro porte e 50c por cada um dos seguintes portes.
Fig. 9 - Sobrescrito circulado pela ambulância ferroviária descendente do CFB (28.04.1924) para Lisboa com o porte de $50 correspondente ao primeiro porte para cartas remetidas para Portugal.

            Depois desta abrupta subida do valor dos portes, seriam novamente alterados cerca de um ano depois, com nova subida significativa. O Decreto n.º 9613 de 23.04.1924 do Ministério das Colónias, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 20 de 05.07.1924 determina que os portes das cartas remetidas para o Império sejam de 80c para o primeiro e de 40c para cada um dos seguintes (Fig. 10). No que respeita às cartas para o estrangeiro o primeiro porte é aumentado para 1$60 e 80c para cada um dos portes imediatos.
Fig. 10 - Sobrescrito lançado a bordo de paquete (marca de denominação de origem PAQUETE / PAQUEBOT de Lisboa * Hosking 536) com destino a Lisboa (11.04.1928). Selo de 700 reis utilizado em segundo período de circulação com o valor equivalente a 70c. Porte total de 80c correspondente ao 1.º porte (peso até 20g) para cartas remetidas para Portugal.

            Como acabamos de constatar, no curto espaço de 5 anos, os serviços postais da Colónia viram-se confrontados com uma sucessão impressionante de alterações às tabelas de portes, provocando muitos erros de tarifação, mas também em consequência de uma legislação confusa no tocante à aplicação das leis. A título de exemplo. e de acordo com o Decreto n.º 338 do Alto-Comissário de Angola de 03.09.1923, publicado no Boletim Oficial n.º 38 de 08.09.1923, verificamos que as datas a vigorar para os diferentes diplomas legais que iam sendo publicados, não eram as mesmas para toda as localidades da colónia. O seu Art.º 1 determinava o seguinte:
“As leis, decretos, regulamentos e mais diplomas que hajam de ter execução na Província de Angola serão publicados no Boletim Oficial e entrarão em vigor nos prazos seguintes, a contar da data da publicação do Boletim Oficial:
Distrito de Luanda – 3 dias
Distritos do Cuanza Norte e Malanje – 20 dias
Distritos do Congo, Zaire, Cuanza Sul, Benguela, Bié, Moçamedes e Huíla – 40 dias
Distritos da Lunda, Moxico, Luchazes e Cubango – 60 dias”
Por comodidade e para melhor apreciação das variações nas tabelas de porte da Colónia apresentamos uma resenha no que concerne aos valores a pagar pelo 1.º porte (peso até 20g) para as cartas remetidas para o Império e para o estrangeiro.


Data da tabela
Império
Estrangeiro
17.03.1903
25 reis = $02,5
50 reis = $05
12.03.1919
$03,5
-
02.08.1919
$04
-
27.11.1919
$06
-
08.07.1921
$12
-
04.05.1921
-
$60
11.07.1921
$30
-
01.01.1922
$20
$40
12.04.1923
$50
1$00
05.07.1924
$80
1$60


            Como se pode verificar a partir de meados de 1921 até 1924 o porte de uma simples carta remetida de Angola para Portugal passou de $06 para $80, isto é aumentou cerca de 1.300%. Em 1922 ainda houve uma diminuição dos valores dos portes, para no ano seguinte dispararem significativamente.
            Porém nem só os portes das correspondências sofreram estes agravamentos. Todos os outros serviços postais estiveram a eles sujeitos. Senão vejamos o que então se passou no que respeita aos custo dos impressos. O Decreto n.º 5.839 de 31 de Maio de 1919 pelo seu artigo n.º 12, determinava que o custo do impresso para a expedição de um telegrama seria de $01, valor a pagar através da afixação de uma estampilha postal no impresso.
            De acordo com a Portaria Provincial n.º 181 de 26 de Outubro de 1922 é determinado o aumento do custo do mesmo impresso para $20 (Fig. 11). Alega-se que atendendo ao aumento dos custos de impressão o Governo não deveria ser prejudicado. Ou seja, em dois anos o custo do impresso para o envio de um simples telegrama é aumentado em 2.000%
Fig. 11 - Telegrama remetido de Luanda (15.03.1930) para Benguela. Pagou pelo custo do impresso o valor de $20 em estampilha postal afixada de acordo com a Portaria n.º 181 de 26.10.1922.

Em meados de 1926 a colónia atinge o ponto culminante das suas dificuldades financeiras e de uma crise económica instalada. Nesta data assume a governação de Angola o Coronel António Vicente Ferreira que dá início a uma reforma monetária, com a substituição da moeda corrente, instituindo-se uma nova moeda – o angolar.
O angolar tinha como submúltiplo o centavo. Contudo restabeleceu-se a macuta - tradicional moeda de troca entre os nativos – que tinha um valor equivalente a $05. A nova unidade monetária era representada por moedas, cédulas e notas. Com vista a uma melhor regulação e controlo fiduciário foram criados dois importantes organismos: a Junta da Moeda de Angola que superintendia em todos os assuntos relacionados com a circulação monetária, promovendo a emissão, recolha e substituição de moedas e cédulas do Estado, e o Banco de Angola que tinha a seu cargo a emissão das notas de tipo superior. Ao Banco de Angola foi concedido o privilégio de emitir notas durante 25 anos a troco do pagamento de um a renda anual de 100 contos.
Fig. 12 - Prova de nota de 50 angolares emitida pelo Banco de Angola em 01.06.1927, no consulado de Vicente Ferreira.

Em 1 de Julho de 1928 são emitidas pelo Banco de Angola as novas notas com o valor em angolares, iniciando-se a troca de notas numa razão de 100$00 por 80 angolares. A moeda sofreria assim uma desvalorização de 20%.
A introdução da nova moeda determinou no imediato o aumento intrínseco das tabelas de portes. Isto é, tendo em conta a introdução de uma moeda mais forte com a consequente desvalorização da anterior moeda em 20% e não tendo sido ajustadas em baixa as tabelas passaram-se a pagar os mesmos portes com moeda forte (angolar). De certo modo esta injustiça poderá ter sido ligeiramente corrigida quando, pelo Decreto n.º 18.467 de 16.06.1930 do Ministério das Colónias, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 26 de 12.07.1930, os portes das cartas para o Império foram reduzidos para $70 (1.º porte) e $45 (cada porte imediato). Para as cartas remetidas para o estrangeiro os portes passaram respectivamente para 1$40 e 85c.
Fig. 13 - Sobrescrito circulado do Dundo (07.02.1931) para Leopoldville (16.02.31) com trânsito por Tshikapa (13.02.31). Porte misto composto por: porte de 1$40 correspondente ao 1.º porte para cartas remetidas para países estrangeiros + 1F50 pelo primeiro porte sobretaxa de correio aéreo paga no Congo Belga. Carta remetida ao cuidado do remetente.

Até 1932 os selos postais usados na correspondência continuaram a exprimirem o seu valor na antiga moeda – o escudo. Só a partir de 1932 com a introdução dos selos do novo tipo Ceres é que o seu valor passou a ser expresso na nova moeda – o angolar.
A inflação galopante trouxe por inerência um grave problema aos serviços de correio – a falta de selos de taxas elevadas que acompanhassem o surto inflacionista, principalmente nos anos que mediaram entre 1919 e 1922 -. Perante a penúria económica que grassava, não havendo meios financeiros para a emissão de selos de valor mais elevado, a solução foi o recurso aos selos de taxas mais elevadas de emissões entretanto já retiradas de circulação. Assim é possível verificar pelas figuras n.ºs 6, 7, 8 e 10, que selos das emissões de D. Carlos I e D. Manuel II voltaram a servir de franquia, num segundo período de circulação.


Bibliografia
·         Paquebot Cancellations of the World (second idition), Roger Hosking, 1987
·         O Papel-Moeda em Angola, Luís Manuel Rebelo de Sousa, 1967
·         Boletim Oficial de Angola


1 comentário:

  1. Muito informação bem arrumada e ordenada permitindo uma fácil leitura e exploração dessa informação. Bibliografia complementar que permite alguma pesquisa e desenvolvimento adicional se assim eu precisar. Agradeço a disponibilidade em partilhar estas suas pesquisas com as fotos que acompanham o artigo. saudações filatélicas.
    António Abreu

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