Alto-Comissário Norton de Matos |
Em 12 de Outubro de 1920, o então
Major Norton de Matos, toma posse em Lisboa no cargo de Alto-Comissário de
Angola, numa segunda comissão de serviço, após a sua estadia em 1912 como
Governador-Geral.
Esta data marca uma nova era em
Angola, pois Norton de Matos vai implementar uma tal dinâmica sobre todas as
vertentes, transformando Angola numa real colónia portuguesa, porque até aí
este território pouco mais era do que uma feitoria.
A onda de entusiasmo que se instala
em Angola faz disparar a emigração. Um dos factores desta transfiguração tem
como génese a diminuição da influência militar instalada, pois uma das
primeiras medidas de Norton de Matos foi privilegiar a criação de um Quadro
Administrativo Civil que irá perdurar até à independência de Angola. O poder do
“Capitão-Mor” normalmente revestido de conceitos ditatoriais e violentos é
substituído pelo poder administrativo civil mais moderado e pacificador.
O Alto-Comissário vai ainda
implementar um orçamento geral equilibrado, com pagamento atempado dos
compromissos assumidos pelo Governo e em que a população pagava impostos justos
e em devido tempo.
Fig. 1 - “Specimen” da nota de 100$00 emitida pelo
Banco Nacional Ultramarino em 1 de Janeiro de 1921, durante o consulado de
Norton de Matos. Uma nova Angola desabrochava.
Os
“ventos” do desenvolvimento económico vão determinar um alargamento da
circulação fiduciária, influenciado principalmente pela alta generalizada do
preço dos produtos e o desaparecimento da simples permuta com os nativos,
substituída pelas vendas a dinheiro. De cerca de 3.670 contos de notas em
circulação em 1918 passa-se para quase 58.000 contos em finais de 1923, depois
de sucessivas novas estampagens de notas por parte do Banco Emissor -Banco
Nacional Ultramarino – (Fig. 1) e da emissão de cédulas do Governo-Geral no
valor de $50, as muito conhecidas “Ritas” assim baptizadas em homenagem à mãe
do Alto-Comissário (Fig. 2).
Fig. 2 - Cédula de $50 emitida pelo Alto-Comissariado
de Angola em 1923. Conhecida popularmente por “Rita”.
Segundo
Vicente Ferreira “Angola atabafava sob
tanto papel”. À inflação da circulação fiduciária veio juntar-se à inflação
dos créditos. Gastava-se à grande, com a convicção de que o crédito poderia
cobrir todos os desmandos. Fazendo um aparte e transportando-nos para os tempos
actuais pergunto: “onde já vi isto?”.
Vicente Ferreira |
O aumento galopante e sucessivo da
circulação fiduciária vai determinar uma inflação elevadíssima que se alastra a
todos os vectores da vida económica angolana.
O serviço postal não vai ser
excepção. Desde 1919 até 1924 os portes das correspondências, assim como dos
outros serviços postais vão sofrer aumentos significativos.
Tomando como exemplo o primeiro
porte (peso até 20gr) para correspondências expedidas para Portugal, Ilhas e
outras Colónias (a seguir designados por Império por comodidade de escrita),
assim como as expedidas para o estrangeiro, descreve-se de seguida a sucessão
impressionante de diplomas que os vão alterando.
Depois de dezenas de anos em que se
mantiveram inalterados os portes a Portaria n.º 54-C do Governo-Geral de Angola
datada de 01.03.1919, publicada no Boletim oficial n.º 10 de 12.03.1919 altera
os portes para o Império para 3 ½c por cada fracção de 20gr. Esta portaria entra
em execução em Luanda no dia 15 de Março, e nos restantes pontos da província
no dia 1 de Maio de 1919.
Fig. 3 - Sobrescrito remetido de Caconda (03.01.1920)
para Lisboa (08.02.1920) com trânsito pela ambulância descendente do Caminho de
Ferro de Benguela (04.01.1920) e Benguela (06.01.1920). Pagou de porte 4c correspondente
ao primeiro porte para cartas remetidas para Portugal (peso até 20g).
Ainda os funcionários postais não se
tinham habituado aos novos portes e eis que no dia 31.05.1919 é publicado o
Decreto n.º 5839 do Ministério das Colónias e reeditado no Boletim Oficial de
Angola n.º 31 de 02.08.1919, alterando o porte das cartas remetidas para o
Império para 4c por cada fracção de 20gr (Fig. 3). A diferença de porte entre o
do anterior diploma e o actual no valor de ½c poderia ser coberta por selos da
taxa de guerra, que sendo entretanto emitidos chegaram a Angola já depois de
ter cessado a obrigatoriedade da sua utilização como imposto postal (Fig. 4).
Este diploma trás porém uma novidade. As cartas remetidas para o Império
através da África do Sul e Londres ficavam sujeitas a um porte de 5c.
Fig. 4 - Postal ilustrado
circulado de Luanda (29.08.1920) para os EUA, com selo de 1 e 2 ctvs Ceres, e
selo de Taxa de Guerra de África de 0$01, usado como selo de recurso do correio
ordinário.
Não terminaria o ano de 1919 sem que
novo diploma viesse alterar novamente os portes. O Decreto n.º 6254 de
27.11.1919 do Ministério das Colónias aumenta o porte para 6c nas cartas
remetidas para o Império (Fig. 5 e 6). Este diploma vai ter eficácia apenas a
partir de 01.01.1920.
Fig. 5 - Sobrescrito remetido pela Ambulância
Ferroviária do CFB (19.12.1919) para a Figueira Foz (20.01.20) com trânsito por
Benguela (19.12.19). Pagou de porte 6 ½ c correspondente a: 6c pelo primeiro
porte para Portugal + ½ c excesso de porte. Embora o Decreto apenas vigorasse a
partir de 01.01.20 a tarifa foi aplicada em antecipação.
Cerca de seis meses depois os portes
para o Império são aumentados para o dobro, isto é, 12c por cada 20gr, pelo
Decreto n.º 7431 do Ministério das Colónias publicado no Boletim Oficial de
Angola de 08.07.1921.
Fig. 6 - Sobrescrito remetido de Luanda (31.03.1920)
para Lisboa. Selo de 100 reis utilizado em segundo período de circulação com o
valor equivalente a 10c. Porte total de 12c correspondente ao segundo porte
(peso entre 20 e 39g) para cartas remetidas para Portugal.
Entretanto o Decreto n.º 7486 de
04.05.1921 do Ministério das Colónias aumenta os portes para as cartas
remetidas para o estrangeiro para o extraordinário valor de 60c (Fig. 7). Esta
tabela passou a vigorar em Angola a partir de 1 de Junho de 1921.
Fig. 7 - Sobrescrito remetido de Moçamedes (17.11.1921)
para Breslau. Selo de 500 reis utilizado em segundo período de circulação com
valor equivalente a 50c. Porte total de 60c correspondente ao 1.º porte (peso
até 20g) para cartas remetidas para o estrangeiro.
Imediatamente a seguir e quase ainda
não se tinha iniciada a aplicação da tabela aprovada pelo Decreto n.º 7431 eis
que surge o Decreto n.º 27 de 11.07.1921 do Alto-Comissário para Angola,
publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 28 de 21.07.1921 a aumentar
novamente os portes para cartas remetidas para o Império. O primeiro porte
(peso até 20gr) passava a custar a módica importância de $30. Porém havia um
bónus – os portes seguintes (cada 20gr) apenas pagavam 15c.
Provavelmente, porque a anterior
subida fosse muito abrupta, o Decreto n.º 92 de 24.12.1921 do Alto-Comissário
de Angola, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 52 de 31.12.1921 vem
reduzir a tabela anterior. Assim o primeiro porte para cartas remetidas para o
Império baixa para 20c, sendo o custo para os portes imediatos de apenas $10.
Este mesmo diploma vem também fixar em baixa os portes para cartas remetidas
para o estrangeiro. Assim pelo primeiro porte pagar-se-á $40 e pelos portes
seguintes $20 por cada um (Fig. 8).
Fig. 8 - Sobrescrito remetido pela ambulância
ferroviária do CFB (11.07.1922) para os EUA com trânsito por Benguela
(11.02.22). Selo de 400 reis utilizado em segundo período de circulação
equivalente ao valor de 40c, correspondente ao 1.º porte para cartas remetidas
para o estrangeiro.
Depois de uma sucessão vertiginosa
de alterações às tabelas de portes, houve uma acalmia de cerca de 15 meses em
que estes se mantiveram estáveis. Porém o Decreto n.º 8697 de 09.03.1923 do
Ministério das Colónias, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 18 de
12.04.1923 volta a alterar novamente as franquias para valores elevadíssimos.
Assim as cartas remetidas para o Império pagariam pelo primeiro porte 50c e 25c
pelos portes seguintes (Fig. 9). As cartas para o estrangeiro estavam sujeitas
ao pagamento de 1$00 pelo primeiro porte e 50c por cada um dos seguintes
portes.
Fig. 9 - Sobrescrito circulado pela ambulância
ferroviária descendente do CFB (28.04.1924) para Lisboa com o porte de $50
correspondente ao primeiro porte para cartas remetidas para Portugal.
Depois desta abrupta subida do valor
dos portes, seriam novamente alterados cerca de um ano depois, com nova subida
significativa. O Decreto n.º 9613 de 23.04.1924 do Ministério das Colónias,
publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 20 de 05.07.1924 determina que os
portes das cartas remetidas para o Império sejam de 80c para o primeiro e de
40c para cada um dos seguintes (Fig. 10). No que respeita às cartas para o
estrangeiro o primeiro porte é aumentado para 1$60 e 80c para cada um dos
portes imediatos.
Fig. 10 - Sobrescrito lançado a bordo de paquete (marca
de denominação de origem PAQUETE / PAQUEBOT de Lisboa * Hosking 536) com
destino a Lisboa (11.04.1928). Selo de 700 reis utilizado em segundo período de
circulação com o valor equivalente a 70c. Porte total de 80c correspondente ao
1.º porte (peso até 20g) para cartas remetidas para Portugal.
Como acabamos de constatar, no curto
espaço de 5 anos, os serviços postais da Colónia viram-se confrontados com uma
sucessão impressionante de alterações às tabelas de portes, provocando muitos
erros de tarifação, mas também em consequência de uma legislação confusa no
tocante à aplicação das leis. A título de exemplo. e de acordo com o Decreto
n.º 338 do Alto-Comissário de Angola de 03.09.1923, publicado no Boletim
Oficial n.º 38 de 08.09.1923, verificamos que as datas a vigorar para os diferentes
diplomas legais que iam sendo publicados, não eram as mesmas para toda as
localidades da colónia. O seu Art.º 1 determinava o seguinte:
“As leis, decretos, regulamentos e mais diplomas que
hajam de ter execução na Província de Angola serão publicados no Boletim
Oficial e entrarão em vigor nos prazos seguintes, a contar da data da
publicação do Boletim Oficial:
Distrito de Luanda – 3 dias
Distritos do Cuanza Norte e Malanje – 20 dias
Distritos do Congo, Zaire, Cuanza Sul, Benguela, Bié,
Moçamedes e Huíla – 40 dias
Distritos da Lunda, Moxico, Luchazes e Cubango – 60
dias”
Por
comodidade e para melhor apreciação das variações nas tabelas de porte da
Colónia apresentamos uma resenha no que concerne aos valores a pagar pelo 1.º
porte (peso até 20g) para as cartas remetidas para o Império e para o
estrangeiro.
Data da tabela
|
Império
|
Estrangeiro
|
17.03.1903
|
25
reis = $02,5
|
50
reis = $05
|
12.03.1919
|
$03,5
|
-
|
02.08.1919
|
$04
|
-
|
27.11.1919
|
$06
|
-
|
08.07.1921
|
$12
|
-
|
04.05.1921
|
-
|
$60
|
11.07.1921
|
$30
|
-
|
01.01.1922
|
$20
|
$40
|
12.04.1923
|
$50
|
1$00
|
05.07.1924
|
$80
|
1$60
|
Como se pode verificar a partir de
meados de 1921 até 1924 o porte de uma simples carta remetida de Angola para
Portugal passou de $06 para $80, isto é aumentou cerca de 1.300%. Em 1922 ainda
houve uma diminuição dos valores dos portes, para no ano seguinte dispararem
significativamente.
Porém nem só os portes das
correspondências sofreram estes agravamentos. Todos os outros serviços postais
estiveram a eles sujeitos. Senão vejamos o que então se passou no que respeita aos
custo dos impressos. O Decreto n.º 5.839 de 31 de Maio de 1919 pelo seu artigo
n.º 12, determinava que o custo do impresso para a expedição de um telegrama
seria de $01, valor a pagar através da afixação de uma estampilha postal no
impresso.
De acordo com a Portaria Provincial
n.º 181 de 26 de Outubro de 1922 é determinado o aumento do custo do mesmo
impresso para $20 (Fig. 11). Alega-se que atendendo ao aumento dos custos de
impressão o Governo não deveria ser prejudicado. Ou seja, em dois anos o custo
do impresso para o envio de um simples telegrama é aumentado em 2.000%
Fig. 11 - Telegrama remetido de Luanda (15.03.1930)
para Benguela. Pagou pelo custo do impresso o valor de $20 em estampilha postal
afixada de acordo com a Portaria n.º 181 de 26.10.1922.
Em
meados de 1926 a colónia atinge o ponto culminante das suas dificuldades
financeiras e de uma crise económica instalada. Nesta data assume a governação
de Angola o Coronel António Vicente Ferreira que dá início a uma reforma
monetária, com a substituição da moeda corrente, instituindo-se uma nova moeda
– o angolar.
O
angolar tinha como submúltiplo o centavo. Contudo restabeleceu-se a macuta -
tradicional moeda de troca entre os nativos – que tinha um valor equivalente a
$05. A nova unidade monetária era representada por moedas, cédulas e notas. Com
vista a uma melhor regulação e controlo fiduciário foram criados dois
importantes organismos: a Junta da Moeda de Angola que superintendia em todos
os assuntos relacionados com a circulação monetária, promovendo a emissão,
recolha e substituição de moedas e cédulas do Estado, e o Banco de Angola que
tinha a seu cargo a emissão das notas de tipo superior. Ao Banco de Angola foi
concedido o privilégio de emitir notas durante 25 anos a troco do pagamento de
um a renda anual de 100 contos.
Fig. 12 - Prova de nota de 50 angolares emitida pelo
Banco de Angola em 01.06.1927, no consulado de Vicente Ferreira.
Em
1 de Julho de 1928 são emitidas pelo Banco de Angola as novas notas com o valor
em angolares, iniciando-se a troca de notas numa razão de 100$00 por 80 angolares.
A moeda sofreria assim uma desvalorização de 20%.
A
introdução da nova moeda determinou no imediato o aumento intrínseco das
tabelas de portes. Isto é, tendo em conta a introdução de uma moeda mais forte
com a consequente desvalorização da anterior moeda em 20% e não tendo sido
ajustadas em baixa as tabelas passaram-se a pagar os mesmos portes com moeda
forte (angolar). De certo modo esta injustiça poderá ter sido ligeiramente
corrigida quando, pelo Decreto n.º 18.467 de 16.06.1930 do Ministério das
Colónias, publicado no Boletim Oficial de Angola n.º 26 de 12.07.1930, os
portes das cartas para o Império foram reduzidos para $70 (1.º porte) e $45
(cada porte imediato). Para as cartas remetidas para o estrangeiro os portes
passaram respectivamente para 1$40 e 85c.
Fig. 13 - Sobrescrito circulado do Dundo (07.02.1931) para Leopoldville (16.02.31) com trânsito por Tshikapa (13.02.31). Porte misto composto por: porte de 1$40 correspondente ao 1.º porte para cartas remetidas para países estrangeiros + 1F50 pelo primeiro porte sobretaxa de correio aéreo paga no Congo Belga. Carta remetida ao cuidado do remetente.
A
inflação galopante trouxe por inerência um grave problema aos serviços de
correio – a falta de selos de taxas elevadas que acompanhassem o surto
inflacionista, principalmente nos anos que mediaram entre 1919 e 1922 -.
Perante a penúria económica que grassava, não havendo meios financeiros para a
emissão de selos de valor mais elevado, a solução foi o recurso aos selos de
taxas mais elevadas de emissões entretanto já retiradas de circulação. Assim é
possível verificar pelas figuras n.ºs 6, 7, 8 e 10, que selos das emissões de
D. Carlos I e D. Manuel II voltaram a servir de franquia, num segundo período
de circulação.
Bibliografia
·
Paquebot
Cancellations of the World (second idition), Roger Hosking, 1987
·
O Papel-Moeda em Angola, Luís Manuel Rebelo de Sousa,
1967
·
Boletim Oficial de Angola
Muito informação bem arrumada e ordenada permitindo uma fácil leitura e exploração dessa informação. Bibliografia complementar que permite alguma pesquisa e desenvolvimento adicional se assim eu precisar. Agradeço a disponibilidade em partilhar estas suas pesquisas com as fotos que acompanham o artigo. saudações filatélicas.
ResponderEliminarAntónio Abreu