Ponte da Ilha de Luanda em 1924 |
Este
é mais um artigo sobre um dos carimbos numéricos volantes que em meados de 1913
foram utilizados para suprir a falta de marcas de dia nas estações postais de
Angola. Trata-se do carimbo n.º 5, que foi atribuído inicialmente à estação
postal da Ilha de Luanda, pela Ordem de Serviço n.º 285 de 5 de Agosto de 1913
da Repartição Superior dos Correios de Angola.
Ordem de
Serviço n.º 285 de 05.08.1913
A
estação postal da Ilha foi criada pela Portaria n.º 313 de 27 de Março de 1913
com a categoria de 3.ª classe, executando os serviços de recepção e expedição
de correspondências ordinárias e registadas, distribuição de avisos de
encomendas e de cartas e caixas com valores declarados, e venda de selos
postais e outras fórmulas de franquia.
Portaria n.º
313 de 27.03.1913
Em
1913 não seria significativo o movimento postal na Ilha de Luanda justificado
pela fraca densidade populacional. Provavelmente por essa razão nunca tive a
oportunidade de observar carta ou selo postal obliterados com o carimbo
numérico a ela atribuído.
A
imagem reproduzida acima dá uma ideia do que era a entrada da Ilha de Luanda em
1924, cerca de dez anos após a instalação da estação postal. Não passava de um
conjunto de casebres de madeira ocupados por pescadores. Durante a época
balnear era servida por um trâmuei que transportava os banhistas de Luanda.
Tal motivo poderá, também, ter
estado numa das razões que levaram ao seu encerramento pouco mais de dois anos
após a sua abertura ao público. Pela Portaria 898 de 16 de Setembro de 1915,
abaixo reproduzida, foi mandada encerrar. Encontrar um espécime filatélico
obliterado com o carimbo n.º 5 entre Agosto de 1913 e 16 de Setembro de 1915
será um verdadeiro achado.
Portaria n.º
898 de 16.09.1915
Com o encerramento da estação postal
da Ilha de Luanda o carimbo e sinete de lacre com o n.º 5 foram recolhidos à
Repartição dos Correios e novamente distribuído à estação postal de Calunga
pela Ordem de Serviço n.º 338 de 25 de Novembro de 1916, da citada repartição.
Ordem de Serviço
n.º 338 de 25.11.1916
A
estação postal de Calunga foi criada pela Portaria n.º 672 de 27 de Dezembro de
1907 com a categoria de 3.ª classe, executando os serviços de recepção e
expedição de correspondências ordinárias e registadas e ainda de venda de selos
e outras fórmulas de franquia.
Portaria n.º
672 de 27.12.1907
A abertura da estação postal em
Calunga é uma das consequências que resulta de uma política de ocupação
efectiva do território dos Dembos após as operações militares levadas a cabo
por João de Almeida entre Setembro e finais de Novembro de 1907, que levaram à
capitulação do dembo Cazuangongo e à tomada da sua Banza por parte dos
efectivos militares. A região dos Dembos foi sempre uma “espinha” encravada na
“garganta” dos portugueses.
Mapa parcial da região dos Dembos
Considerando-se
os mais antigos registos conhecidos, Calunga foi um antigo posto militar na
denominada região dos Dembos. Inicialmente era conhecida pelo nome de
Calunga-cá-Ngombe ou Calunga Cangombe e foi um cabado do Golungo Alto. O
curioso é que sendo um cabado, que deveria ser chefiado por um militar com a
patente de Cabo, para este posto militar foi nomeado em 6 de Dezembro de 1845 o
Alferes do Batalhão de Voluntários de Luanda, Albino de Sousa Pereira.
Posto Militar de Calunga
Em
1868 Calunga Cangombe era a 2.ª Divisão do Concelho do Golungo Alto, estando a
1.ª Divisão sediada em Trombeta a poucos quilómetros a Este. Em 1872 perante um
certo laxismo e abandono da região com a retirada de uma parte significativa
dos efectivos militares, o dembo Caculo Cahenda revoltou-se e assumiu o
controlo da maioria da região dos Dembos.
Em
resposta a esta rebelião foi enviada uma coluna militar comandada pelo Tenente
Coronel Gomes de Almeida, que aparentemente conseguiu pacificar a região. Porém
mais que a força militar, a acalmia registada deve-se essencialmente à abolição
por parte das autoridades portuguesas, da cobrança dos dízimos dos concelhos,
das passagens dos rios e sobre o pescado.
Carta de António da Costa Landeira para D. Francisco
João Sebastião Cheque, Dembo Caculo Cahenda, 11de Julho de 1868. AHU, Arquivos
dos Dembos.
Os
dembos nunca encararam pacificamente a presença portuguesa na sua região de
influência. No período que medeia os anos de 1890 a 1907 eles entraram por três
vezes em conflito com as tropas portuguesas. A coluna militar de João de
Almeida em 1907, que bateu e levou à ocupação da Banza de Cazuangongo,
conseguiu temporariamente impor o domínio português na região, porém mantiveram-se
sempre latentes pequenos focos de rebelião. Posteriormente entre 1908 e 1919, e
porque esse estado de rebelião se mantinha, foram organizadas sucessivas
expedições militares em Julho de 1908, Março de 1909, Julho de 1913, Novembro
de 1918 e durante quase todo o ano de 1919. Pode-se afirmar que durante cerca
de 47 anos (1872-1919) a região dos Dembos conseguiu manter-se uma região
independente e só com a campanha militar de 1919 liderada pelo sertanejo
Capitão Ribeiro de Almeida se conseguiu definitivamente subjugar a rebelião.
Dembo de Quitexe e sua comitiva
Ribeiro
de Almeida era um verdadeiro bandoleiro do sertão, tendo em conta a sua forma
de liderança muito “sui generis”. Ele comandava uma força constituída apenas
por africanos que somente estavam autorizados a transportar o material mínimo
indispensável e que tinham ordens rigorosas para o uso do sabre em detrimento
da arma de fogo da época – a espingarda Mauser -. Só assim conseguiu colocar
termo a 47 anos de rebelião.
Embaixada dos Dembos em Luanda
Provavelmente
porque os dembos nunca tiveram o apoio dos seus “irmãos” do Golungo Alto ou do
Ambaca, acabaram por capitular. Outra das razões dessa capitulação foi a
impossibilidade de arranjar pólvora, pois quando Paiva Couceiro assumiu o cargo
de Governador-Geral de Angola em 1907 determinou a proibição do seu comércio.
Com
o estado de guerrilha latente o antigo Posto Militar de Calunga Cangombe era
aberto ou encerrado consoante a área estava intermitentemente ocupada pelos
militares portugueses ou pelas forças dos dembos, sendo porém reaberto
oficialmente em 3 de Julho de 1913 pela Portaria n.º 747 já com a grafia
simplificada de Calunga. Em 16 de Novembro de 1914 passou a Posto Civil e
posteriormente foi extinto pela Portaria n.º 143 de 2 de Maio de 1919 e
incorporado no Posto Civil de Cambondo.
Capitão do Estado-Maior, João de Almeida, comandante da
coluna militar que em 1907 bateu o dembo Cazuangongo
A
título de curiosidade a palavra Dembos deriva da palavra originária do
quimbundo “ndembu” e designa a região
limitada pelos cursos dos rios Dande e Zenza. Por sua vez a palavra minúscula
“dembo” designa o chefe de vários sobados.
Quando
da criação da estação postal de Calunga, ela foi dotada com marca de dia
própria. O carimbo inicial é do tipo A6 (Magalhães, 1986), composto por um círculo e dois segmentos
circulares, cujas cordas formam a ponte para a data. Neste tipo existem duas
variantes, sendo este carimbo da “variante Aa” com datador de representação
tradicional portuguesa, com o mês em abreviatura literal, mas com o ano
contendo os quatro algarismos (25 DEZ 1910). Guedes Magalhães não referência
este carimbo na sua obra “Marcas Postais de Angola”, aparecendo batido a preto e vermelho.
Marca de dia de Calunga batida a
vermelho, e respectivo desenho
Porém
atendendo à situação periclitante em que vivia a localidade de Calunga é
provável que num dado momento, em virtude da situação de rebelião latente com
avanços e recuos das forças militares portuguesas, o carimbo inicialmente
atribuído à estação postal tenha desaparecido, razão para a atribuição do
carimbo numérico volante n.º 5 à estação postal.
Selo obliterado com carimbo n.º 5 já atribuído à estação
de Calunga, e respectivo desenho
São
poucos os exemplares filatélicos conhecidos obliterados com qualquer das marcas
atribuídas à estação postal de Calunga. A seguir reproduz-se uma das raras
cartas conhecidas circuladas de Calunga, obliterada com o carimbo numérico
volante n.º 5.
Carta remetida de Calunga (03.06.1918) para Barcelos
(26.08.18) com trânsito pela Ambulância Ferroviária II do Caminho de Ferro de
Luanda (06.06.18) e Luanda (07.06.18). Franquiada com 2 ½ c, correspondente ao
primeiro porte para cartas com peso até 20g, expedidas para Portugal. Censurada
no Porto. Carta remetida pelo Alferes de Infantaria António Joaquim Gonçalves,
destacado em Calunga.
A
terminar não quero deixar de realçar o facto e dar a conhecer, porque poderá
ser do desconhecimento de muitos, que os Arquivos dos Dembos fazem parte do
espólio do Arquivo Histórico Ultramarino. Ele é constituído por 1160
manuscritos em papel e outros suportes, e contempla correspondência datada de
finais do séc. XVII até meados do séc. XX entre as autoridades africanas da
região dos Dembos e as autoridades portuguesas em Angola. Recentemente a UNESCO
decidiu aceitar os Arquivos dos Dembos no registo da Memória do Mundo.
Bibliografia
·
Índice Histórico-Corográfico de Angola, 1972, Mário
Milheiros, IICA
·
Meio Século de Lutas no Ultramar, Bello de Almeida,
Tenente-Coronel, 1937
·
Dicionário Corográfico – Comercial, Antonito, 4.ª edição,
1959
·
Boletim Oficial de Angola
·
Arquivos dos Dembos, AHU
E Calunga nos Quilengues? Será que também teve correio? Abração, P. Barata
ResponderEliminarGrato pelo comentário. Para além de Calunga (Cangombe) citada no artigo existem ainda mais duas localidades com o nome Calunga: a de Quilengues e a da Cameia. Calunga Cameia foi um antigo posto militar do Moxico criado em 1897 e todos os postos militares tinham uma estação postal de 3.ª classe, no caso terá tido essa estação postal, mas não é conhecida nenhuma marca aí usada. Calunga nos Quilengues até 1959 nunca teve estação postal. Em 1959 era uma povoação de 4.ª categoria servida pela estação postal de Quilengues (Dicionário Corográfico-Comercial Antonito, 1959, 4.ª edição). Segundo Mário Milheiros em Índice Histórico-Corográfico de Angola, editado em 1972, Calunga de Quilengues como povoação foi criada apenas em 24.02.1954 pela Portaria n.º 8501.
EliminarAbraço
Elder
A foto da ponte para a ilha, será do século 19, pela ausência de vegetação. Há imagens panorâmicas de Luanda com vista para a ilha, com datas impressas de 1906, 1907, etc, com árvores visivelmente grandes.
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