Volto ainda às famosas e incríveis
sobretaxas de S. Tomé Príncipe de 1889. No último apontamento sobre o assunto
tive oportunidade de descrever a forma pouco séria como o Administrador dos
Correios sobrecarregou selos de 10 reis, resultando numa reprimenda muito dura
do Ministério de Ultramar àquele funcionário. Ainda estavam em curso as
argumentações e contra-argumentações acerca daquela emissão entre o Ministério
e o Administrador e eis que aparece publicado no Boletim Oficial da Província
de S. Tomé e Príncipe n.º 51 de 23 de Dezembro de 1899, um aviso da
Administração dos Correios, datado de 10 de Dezembro de 1899, no qual aquela
repartição dá conhecimento público de que por ordem superior mandou sobrecarregar
selos de 20 reis com a sobretaxa de 5 reis. Deste anúncio realço os seguintes
pontos:
- A atraso na sua
publicação, pois haveria tempo de ter sido publicado no Boletim Oficial
n.º 50 editado em 16 de Dezembro.
- A mesma
autorização superior invocada noutras situações, ou seja mais uma
autorização “sacada” à pressão do Governador-Geral.
- A não indicação
das quantidades sobretaxadas.
- A não indicação
de quem procedeu à sobretaxa dos selos. Presumo que tal como a anterior
terá sido feita na Imprensa Nacional de S. Tomé
Mais uma vez socorri-me do acervo do Arquivo
Histórico Ultramarino para desvendar um pouco mais dos diversos enigmas que
estão associados a esta emissão. Tal qual como aconteceu com a anterior
emissão, lá encontrei o habitual ofício do Administrador dos Correios para o
Chefe da 2.ª Repartição da Direcção Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes, a
dar conhecimento da ocorrência. Com o n.º 143 e datado de 21 de Dezembro rezava
o seguinte:
Tenho a honra de communicar a V. Ex.ª
que por ordem de Sua Ex.cia o Governador da província foram
sobretaxados dois mil sellos postaes da taxa de 20 reis para a taxa de 5 reis,
visto não haver um só sello desta taxa nas repartições postaes, e o publico
reclamar contra tal falta. É estabelecer sempre um mau precedente quando há
necessidade de recorrer a este meio, mas tão bem, se não pode exigir que o
publico pague um imposto sem lei que o autorize. A repartição postal não pode
obrigar o publico o publico a franquiar qualquer correspondência com 10 reis,
quando a lei determina que essa franquia seja de 5 reis. A repartição tão bem
não pode incumbir-se gratuitamente da permutação de correspondências, porque
esse procedimento seria defraudar a fazenda publica, o que nenhum funccionario
pode fazer. A taxa de 5 reis, por ser a mínima não tem fracções, e por isso, só
desta forma se pode remediar a sua falta, sobretaxar outros sellos. No mez
corrente em quasi todos os indivíduos mandam bilhetes de boas festas às pessoas
das suas relações, era impossível deixar de tomar qualquer providencia sobre
este assunto, que já ia provocando justas reclamações. Pelas cópias inclusas V.
Ex.cia se dignará ver que ainda se esperou bastante tempo pela
chegada dos vapores Ambaca e Ibo, porque talvez trouxessem os sellos de 5 reis
já pedidos, mas os paquetes chegaram e os sellos não vieram. Esta repartição
não se queixa nem attribue a culpa desta medida extraordinária, já repetida, a
repartição alguma, attendendo aos milhares de sellos postaes (só da taxa de 5
reis) que têm sido pedidos do estrangeiro n’estes últimos tempos, mas bom seria
que de qualquer forma de evitasse terceira vez o terem de lançar mão desta
medida, que não tem muito de regular, mas que não pode deixar de se adoptar,
attentas as circunstancias especiaes que imperam para tal fim, a da distancia
que nos separa da Europa.
Sua Ex.cia o Governador,
visto haver só 2000 sellos postaes de 10 reis, em deposito, mandou que fossem
sobretaxados os de 20 reis, por haver grande numero delles e serem poucos
usados na franquia da correspondência.
Incluso encontrará V. Ex.cia
um exemplar.
O Administrador
Joaquim Augusto da Silva
Este ofício apresenta justificações
para a sobretaxa dos selos, que no mínimo são injustificáveis pelas seguintes
razões:
- Repete-se a
desculpa da venda de selos para compradores estrangeiros que requisitavam
só e apenas e em grandes quantidades, selos de 5 reis. Se em Julho um
indivíduo de nome Burt lhe havia comprado 2.500 selos, porque não previu a
repetição de uma compra de igual monta?
- Ninguém o
obrigava a vender essas quantidades elevadas de selos que eram
encomendadas do estrangeiro, pois podia sempre resguardar-se justificando
que as existências eram necessárias para o normal funcionamento do serviço
postal.
- Afirma que optou
pela sobrecarga de selos de 20 reis uma vez que o número de selos de 10
reis era diminuto, pois havia grandes quantidades de selos daquela taxa
que pouco se utilizava. Assim sendo porque sobrecarregou em Agosto selos
de 10 reis em vez dos de 20 reis?
- Ainda no que
respeita à sobrecarga efectuada em Agosto sobre os selos de 10 reis porque
não utilizou o sistema já anteriormente sancionado pelas entidades
superiores, quando no Príncipe numa situação análoga se optou por bipartir
os selos? Assim com 500 selos de 10 reis teria obtido os mesmos 1000 selos
sobretaxados na emissão anterior.
- Ainda assim,
tendo em conta a sua informação de que existiriam 2.000 selos de 10 reis
em stock, bipartindo metade deles obteria os mesmos 2.000 selos mandados
sobretaxar com 5 reis, e ainda ficaria com 1.000 selos de 10 reis para o
consumo normal que não era assim tão elevado nesta taxa.
- É evidente que
ele, Administrador dos Correios não poderia culpar qualquer outra
repartição pela falta dos selos, pois a ele competia prever o consumo de
selos e requisitá-los de acordo com o regulamentado.
Vai-se agora analisar este “modus operandi” segundo outro prisma. Ao Administrador não lhe
interessava outros tipos de soluções porque estava subjacente à sua actuação a
obtenção de proveitos extraordinários. Bipartir os selos não lhe traria
nenhumas vantagens significativas pois estes selos só teriam valor
significativo em objectos postais circulados, o que não era muito apreciado na
época. Assim optou numa primeira fase por fazer a sobretaxa de 5 reis sobre
selos de 10 reis. Não interessava fazer uma tiragem muito extensa, pois
fazendo-o em quantidades diminutas obteria mais-valias significativas, pois
normalmente era ele o comprador dessas tiragens. Pelo que se consta em notícias
da época esses selos eram vendidos por valores que oscilavam entre os 1.000 a 1.500 reis cada
selo, ou seja 200 a
300 vezes o valor facial.
Feita a 1.ª emissão e depois de efectuada a sua
venda a preços elevadíssimos, não havia interesse em criar uma nova emissão
sobre selos de 10 reis, porque isso não convinha ao negócio do Administrador.
Assim para a 2.ª emissão optou-se por outros selos com um valor distinto dos
primeiros.
Para que pudessem existir as condições necessárias
para sobretaxar selos, o Administrador provocava a ruptura de stock de selos de
5 reis e só quando esse esgotamento era eminente é que solicitava por
requisição os selos necessários, requisição essa que seguia pelo correio, que
demorava cerca de 25 dias a chegar, em vez de a fazer pela via telegráfica que
chegaria a Lisboa no mesmo dia.
Na época circulava em surdina a hipótese de os
compradores dos selos de 5 reis serem indivíduos alegadamente estrangeiros a
mando do próprio administrador. Senão vejamos: 5000 selos a 5 reis importavam
em 25$000 reis, valor insignificante para o montante que o administrador
arrecadaria com a venda dos selos sobretaxados. Esse valor era coberto com a
venda de 25 selos sobretaxados ao preço de 1.000 reis por cada um.
Diz o Administrador no seu ofício que esperou pelos
paquetes Ambaca e Ibo na esperança de que eles lhe trouxessem os 5000 selos
requisitados. Vejamos o que na realidade se passou:
- A requisição
datada de 25.10.1889 foi remetida por correio oficial em mala transportada
pelo Paquete Portugal que saiu de S. Tomé em 28.10.1889 e chegou a Lisboa
em 19.11.1889.
- O primeiro
paquete que saiu de Lisboa depois da chegada daquele paquete foi o S.
Thomé que zarpou de Lisboa em 06.12.1889 e chegou a S. Tomé em 30.12.1889.
- Não houve demora
alguma no envio dos selos, pois foi por este paquete que o Ministério do
Ultramar enviou os selos conforme mapa dos selos fornecidos no 4.º
trimestre, abaixo reproduzido.
- Os Paquetes
Ambaca e Ibo nunca poderiam ter transportado os referidos selos porque o
primeiro partiu em 6 de Novembro e o segundo a 21 do mesmo mês. Neste último
caso era manifestamente impossível em menos de dois dias o Ministério do
Ultramar requisitar à Casa da Moeda os selos e esta preparar a remessa,
enviando-a ao Ministério do Ultramar para depois este a remeter para S.
Tomé.
- Mais do que
ninguém o Administrador dos Correios era conhecedor dos horários dos
paquetes, e da impossibilidade de aqueles paquetes poderem transportar os
selos.
Uma vez mais o Ministério do Ultramar não “engoliu”
as justificações e apressou-se a transmitir determinações concisas, para que o
Governador-Geral instasse o Administrador dos Correios, a fim de que este
trouxesse sempre informada a Repartição Superior de Fazenda sobre as
quantidades de selos necessários ao serviço postal, e que o mesmo Governador
tomasse as providências necessárias para que situações iguais se não
repetissem. Eis o teor do ofício n.º 15 da 3.ª Repartição da Direcção Geral do
Ultramar de 20.01.1890 ao Governador-Geral de S. Tomé e Príncipe.
Em offício n.º 317 de 27 de Setembro
ultimo teve esta Direcção Geral a honra de transmittir a V. Ex.ª o Ministro da
Marinha e Ultramar cópia do despacho de igual data, em que se fazia sentir ao
Administrador dos Correios da Província de S. Thomé e Príncipe que por falta de
acertadas representações suas sobre o fornecimento de sellos e outras formulas
de franquia para ???? das Repartições Postaes se tinha chegado ao extremo de se
precisar recorrer ao expediente muito bem auctorizado de sobretaxar alguns
sellos para acudir ás urgências do consumo; e citava-se-lhes a Portaria de 26
de Setembro de 1888 que providenciava sobre o modo de evitar que fosse mister
solicitar do Governador-Geral tal providência.
A resposta dada pelo Administrador
dos Correios foi contestada pelo offício junto por cópia.
Em novo officio porém, n.º 143 de 21
de Dezembro de 1889 participa este funcionário a necessidade que obrigou a
pedir uma providência análoga a que V. Ex.ª em presença das apertadas
circunstâncias que se davam, teve por conveniente annuir.
S. Ex.ª o Ministro, quer que a
Administração dos Correios não mais se colloque em condições de propor um
alvitre a que a Portaria de 26 de Setembro de 1888 teve em evitar que fosse
mister recorrer.
Pelo n.º 2 da citada Portaria
previo-se a existência de um deposito de sellos e outras formulas de franquia
para o consumo provável de seis meses; e pelo n.º 1 estatuio-se que no
principio de cada trimestre se requisitassem os que fossem necessários para o
consumo provável de três meses.
A combinação da doutrina do n.º 1 com
a do n.º 2 que se completavam reciprocamente dava em resultado que nem na
hypottese mais desfavorável e extraordinária deveria haver falta de sellos na
Administração dos Correios.
Sucedeo porem que a Repartição de
Fazenda por se lhe não tornarem conhecidas as verdadeiras necessidades do serviço
postal, pelo respectivo responsável, requisitou menos (apenas 2.800 sellos em
Julho e 5.000 sellos em Outubro de 1889) que o que as mesmas necessidades
exigiam e d’ahi resultou o desiquilibrio, a que foi forçoso acudir com medidas
extraordinárias.
Nesta data se dão ordens terminantes
ao Administrador dos Correios para que traga a Inspecção de Fazenda sempre em
dia com as necessidades do serviço nesta importante parte d’elle, e
encarrega-me S. Ex.ª o Ministro de assim participar a V. Ex.ª para que se digne
de dar as ordens que julgar convenientes para que taes necessidades sejam
devidamente attendidas nos termos exarados na Portaria acima citada.
O mesmo Exm.º Sr. dá por muito
recommendado este assumpto ao esclarecido zelo e alto critério de V. Ex.
“CINOC” |
Sobretaxa invertida |
“ |
Voltando à sobretaxa dos selos,
constata-se que tal como na emissão anterior se produziram mais umas variedades
(erros). Tendo a sobrecarga sido efectuada na Imprensa Nacional, é de crer,
tendo em conta os inúmeros erros produzidos, alguém daquela repartição ser
conivente com os interesses do Administrador dos Correios. Só assim se percebe
que se tenham produzido erros do género “CINOC” em vez de “CINCO”, para não
falar nas sobretaxas invertidas (totais e parciais), e das variedades gráficas
do “e” de “reis” com e sem acento.
“e” sem acento |
Antes de terminar gostaria de me referir à posição
assumida sobre estes erros pela comissão técnica responsável pela edição do
catálogo de referência em
Portugal. Em rodapé apresenta-se a seguinte nota: Clandestinos: Admite-se terem sido
clandestinamente feitos os erros seguintes: sobrecargas invertidas (n.ºs 24, 25
e 26); sobrecargas duplas (n.ºs 24 e 26); “5” invertido e “cinoc” (n.º 25). Entretanto
cataloga-se como oficial a variedade de “e” de “reis” sem acento. Para mim
qualquer destes erros ou variedades (desta, ou de outras emissões semelhantes,
“fabricadas” em S. Tomé
e Príncipe) foram intencionalmente produzidos, tendo em conta apenas fins
mercantilistas. Ou se consideram todos no catálogo ou se banem definitivamente. Tem que existir um critério uniforme na sua catalogação.
O que não podemos é tratar alguns como “filhos” e outros como “enteados” quando
são todos foram "filhos" pela mesma “mãe” e se quizerem do mesmo "pai".
Mais uma vez quero expressar os meus agradecimentos ao meu amigo Manuel Janz pela cedência das imagens dos selos que ilustram este apontamento.
Bibliografia
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Boletim Oficial da Província de S.
Tomé e Príncipe
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AHU – Cota 2639 1D SEMU DGU CX 1889
Processos correios
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AHU – Cota 447 1N SEMU DGU LV 1889
Minutas
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AHU – Cota 448 1N SEMU DGY LV 1889
Minutas
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AHU – Cota 449 1N SEMU DGU LV 1889
Minutas
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AHU – Cota 450 1N SEMU DGU LV 1889
Minutas
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AHU – Cota 451 1N SEMU DGU LV 1890
Minutas
Para alem de, à semelhança de artigos anteriores, considerar este, muito interessante e bem documentado, concordar inteiramente com a critica á falta de critério ( para dizer o minimo...) na inclusão no catalogo de referência das variedades, nomeadamente no Catalogo das Colónias Portuguesas.
ResponderEliminarAltino