domingo, 10 de junho de 2012

"Levar a carta a Garcia"


               Há dias o meu caro amigo Acácio Luz fez-me o favor de me dar a conhecer um artigo denominado “Uma carta a Garcia” editado no Boletim n.º 93, Ano VIII de Setembro de 1936, da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones. A leitura de tal artigo fez-me recordar que há bastante tempo tive oportunidade de encontrar no Arquivo Histórico Ultramarino um pequeno processo que bem se enquadra no espírito da temática. Na altura guardei as imagens recolhidas e ficaram a aguardar, juntamente com muitas outras, que houvesse oportunidade para as trazer ao conhecimento do mundo filatélico.

            Como será do conhecimento dos leitores, quando se iniciou a guerra hispano-americana em 1898, os americanos procuraram estabelecer contactos com os movimentos insurreccionais, criados pelos naturais cubanos, que combatiam a ocupação espanhola do seu território, com a finalidade de o mais rapidamente possível baterem os espanhóis. Assim, era urgente entrar em contacto com os insurrectos cubanos que eram comandados pelo General Garcia, refugiado nas agrestes montanhas e sendo desconhecido o local exacto onde se encontrava.

            Não havendo meios de comunicação directa e fácil, alguém sugeriu ao Presidente dos EUA, que um indivíduo de nome Rowan seria capaz de levar uma carta ao General Garcia. Feitos os contactos necessários, Rowan disponibilizou-se a fazê-lo. Recebeu a carta, guardou-a numa bolsa impermeável e quatro dias depois desembarcou na costa de Cuba a bordo de um pequeno barco. Embrenhou-se pelo mato dentro e ao fim de 3 semanas saiu no outro lado da Ilha de Cuba, depois de ter atravessado um país em estado de guerra e hostil, cumprindo a sua missão de entregar a carta a Garcia.

Fig. 1
            Seis anos antes deste episódio, de onde é originária a expressão “Levar a carta a Garcia”, conotada como significado de superação de uma tarefa árdua e muito difícil de executar, poderá quase utilizar-se para ilustrar o seguinte episódio. E digo quase, porque no seu epílogo “Garcia” poderá ter dado uma ajuda para a sua superação.

            Em 23 de Dezembro de 1892 a Estação Postal de Bolama emitiu a pedido de Cipriano José Diniz um vale postal, com o n.º 457 (Fig. 1), no montante de 40$000 reis a favor de Maria de Jesus Pereira, moradora numa localidade denominada QUINTELA. Garantidamente para quem vive em Bolama e ou chefia a estação postal respectiva poderá ter-lhes parecido que o endereço era suficiente. Porém a realidade seria outra porque na realidade em Portugal existem várias localidades com o mesmo nome e quando o vale aparece a pagamento coloca-se o problema de saber em qual delas residiria a dita Maria de Jesus Pereira.

            Sem mais indicações que ajudassem a descobrir o paradeiro da beneficiária do vale postal, este vai iniciar um verdadeiro périplo pelo norte e centro do País (Fig.2).

Fig. 2
            Inicialmente o vale é remetido para Braga onde chega a 13.04.1893 no pressuposto de que a Maria de Jesus residisse numa localidade denominada Quintela pertencente ao Concelho de Póvoa de Lanhoso. Não sendo encontrado o destinatário o vale segue para Mangualde onde é recebido em 14.04.1893) supondo-se que Quintela de Azurara, freguesia daquele concelho pudesse ser o seu destino.
    
            Ainda segundo o documento da Fig.2 o referido vale postal poderá ter passado por Sernacelhe no pressuposto de que a beneficiária pudesse residir em Quintela da Lapa na freguesia da Lapa. Presume-se que assim seja porque essa localidade encontra-se manuscrita no documento e só em 19.04.1893 o referido vale ter chegado a Bragança supondo-se que poderia ser pago a alguém que com aquele nome residisse em Quintela de Lampaças, freguesia do concelho. Mais uma vez foi impossível fazer o pagamento do vale postal porque não era o destino certo.

            De Bragança o vale postal é remetido para Oliveira de Frades onde é recebido a 25.04.1893. Seria mais uma tentativa de pagamento do vale no pressuposto de que a beneficiária pudesse residir numa localidade denominada Quintela, a curta distância de Arcozelo das Maias. Mais uma vez não foi encontrada a destinatária.

            De Oliveira de Frades segue para Penacova onde é recepcionado em 28.04.93 e por sua vez reexpedido para S. Pedro de Alva (30.01.1893) procurando-se encontrar a destinatária numa localidade de nome Quintela que pertencia àquela freguesia.

            Esta foi a última localidade com o nome Quintela que o vale postal visitou, tendo, pelo que se apurou, sido devolvido à Direcção dos Serviços Telegrapho-Postaes / Repartição dos Correios. Porém ainda havia outra……………. QUINTELA em Tábua.

            Entretanto, enquanto o vale postal realizava o seu périplo nacional, em 17 de Abril de 1893, o encarregado da estação telegráfica de Tábua informa pelo seu ofício n.º 22, o Chefe da Repartição dos Correios da Direcção dos Serviços Telegrapho-Postaes em Lisboa, que Maria de Jesus Pereira residente em Quintela, localidade daquela freguesia, reclamava o pagamento do vale postal em devido tempo emitido em Bolama. Dizia o encarregado que mais estranho era o assunto pois que tendo sido na mesma data emitido outro vale postal no montante de 50$000 reis tendo como beneficiária a dita Maria de Jesus, este já havia sido pago em 24 de Março de 1893. Solicitava que fosse emitido um vale de substituição, permitindo-se assim solucionar o problema.

            Finalmente em 18 de Maio de 1893 a Repartição dos Correios, pelo seu ofício n.º 965, que se transcreve, mandou pagar o referido vale:

Remette-se á 3.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar o vale de que trata o processo junto, por parecer conveniente, no estado de deterioração em que acha, que seja substituído por uma auctorização de pagamento.
O referido vale foi hoje devolvido a esta repartição porque tendo-lhe a estação emissora designado a localidade da residência da destinatária, cujo nome é muito commum, e não a do pagamento, o que essa repartição também não fez, quando, conhecendo-a já, o remetteu para a estação Central do correio de Lisboa afim de ser expedido conforme declara na sua informação de 4 do corrente mez, teve o referido vale de ser sucessivamente enviado a todas as estações onde as guias indicavam haver localidades com a mesma denominação.
Repartição dos Correios em 18 de Maio de 1893
O Conselheiro Inspector Geral dos Correios”

            Com a pequena ajuda de Garcia…. pode-se dizer que “levou-se a carta a Garcia”.

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