Há dias o meu caro amigo Acácio Luz
fez-me o favor de me dar a conhecer um artigo
denominado “Uma carta a Garcia” editado no Boletim n.º 93, Ano VIII de Setembro
de 1936, da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones. A leitura
de tal artigo fez-me recordar que há bastante tempo tive oportunidade de
encontrar no Arquivo Histórico Ultramarino um pequeno processo que bem se
enquadra no espírito da temática. Na altura guardei as imagens recolhidas e
ficaram a aguardar, juntamente com muitas outras, que houvesse oportunidade
para as trazer ao conhecimento do mundo filatélico.
Como será do conhecimento dos
leitores, quando se iniciou a guerra hispano-americana em 1898, os americanos
procuraram estabelecer contactos com os movimentos insurreccionais, criados
pelos naturais cubanos, que combatiam a ocupação espanhola do seu território,
com a finalidade de o mais rapidamente possível baterem os espanhóis. Assim,
era urgente entrar em contacto com os insurrectos cubanos que eram comandados
pelo General Garcia, refugiado nas agrestes montanhas e sendo desconhecido o
local exacto onde se encontrava.
Não havendo meios de comunicação
directa e fácil, alguém sugeriu ao Presidente dos EUA, que um indivíduo de nome
Rowan seria capaz de levar uma carta ao General Garcia. Feitos os contactos
necessários, Rowan disponibilizou-se a fazê-lo. Recebeu a carta, guardou-a numa
bolsa impermeável e quatro dias depois desembarcou na costa de Cuba a bordo de
um pequeno barco. Embrenhou-se pelo mato dentro e ao fim de 3 semanas saiu no
outro lado da Ilha de Cuba, depois de ter atravessado um país em estado de
guerra e hostil, cumprindo a sua missão de entregar a carta a Garcia.
Fig. 1 |
Seis anos antes deste episódio, de
onde é originária a expressão “Levar a carta a Garcia”, conotada como
significado de superação de uma tarefa árdua e muito difícil de executar,
poderá quase utilizar-se para ilustrar o seguinte episódio. E digo quase,
porque no seu epílogo “Garcia” poderá ter dado uma ajuda para a sua superação.
Em 23 de Dezembro de 1892 a Estação
Postal de Bolama emitiu a pedido de Cipriano José Diniz um vale postal, com o
n.º 457 (Fig. 1), no montante de 40$000 reis a favor de Maria de Jesus Pereira,
moradora numa localidade denominada QUINTELA. Garantidamente para quem vive em
Bolama e ou chefia a estação postal respectiva poderá ter-lhes parecido que o
endereço era suficiente. Porém a realidade seria outra porque na realidade em
Portugal existem várias localidades com o mesmo nome e quando o vale aparece a
pagamento coloca-se o problema de saber em qual delas residiria a dita Maria de
Jesus Pereira.
Sem mais indicações que ajudassem a
descobrir o paradeiro da beneficiária do vale postal, este vai iniciar um
verdadeiro périplo pelo norte e centro do País (Fig.2).
Fig. 2 |
Inicialmente o vale é remetido para
Braga onde chega a 13.04.1893 no pressuposto de que a Maria de Jesus residisse
numa localidade denominada Quintela pertencente ao Concelho de Póvoa de
Lanhoso. Não sendo encontrado o destinatário o vale segue para Mangualde onde é
recebido em 14.04.1893) supondo-se que Quintela de Azurara, freguesia daquele
concelho pudesse ser o seu destino.
Ainda segundo o documento da Fig.2 o
referido vale postal poderá ter passado por Sernacelhe no pressuposto de que a
beneficiária pudesse residir em Quintela da Lapa na freguesia da Lapa.
Presume-se que assim seja porque essa localidade encontra-se manuscrita no
documento e só em 19.04.1893 o referido vale ter chegado a Bragança supondo-se
que poderia ser pago a alguém que com aquele nome residisse em Quintela de
Lampaças, freguesia do concelho. Mais uma vez foi impossível fazer o pagamento
do vale postal porque não era o destino certo.
De Bragança o vale postal é remetido
para Oliveira de Frades onde é recebido a 25.04.1893. Seria mais uma tentativa
de pagamento do vale no pressuposto de que a beneficiária pudesse residir numa
localidade denominada Quintela, a curta distância de Arcozelo das Maias. Mais
uma vez não foi encontrada a destinatária.
De Oliveira de Frades segue para
Penacova onde é recepcionado em 28.04.93 e por sua vez reexpedido para S. Pedro
de Alva (30.01.1893) procurando-se encontrar a destinatária numa localidade de
nome Quintela que pertencia àquela freguesia.
Esta foi a última localidade com o
nome Quintela que o vale postal visitou, tendo, pelo que se apurou, sido
devolvido à Direcção dos Serviços Telegrapho-Postaes / Repartição dos Correios.
Porém ainda havia outra……………. QUINTELA em Tábua.
Entretanto, enquanto o vale postal
realizava o seu périplo nacional, em 17 de Abril de 1893, o encarregado da
estação telegráfica de Tábua informa pelo seu ofício n.º 22, o Chefe da
Repartição dos Correios da Direcção dos Serviços Telegrapho-Postaes em Lisboa,
que Maria de Jesus Pereira residente em Quintela, localidade daquela freguesia,
reclamava o pagamento do vale postal em devido tempo emitido em Bolama. Dizia o
encarregado que mais estranho era o assunto pois que tendo sido na mesma data
emitido outro vale postal no montante de 50$000 reis tendo como beneficiária a
dita Maria de Jesus, este já havia sido pago em 24 de Março de 1893. Solicitava
que fosse emitido um vale de substituição, permitindo-se assim solucionar o
problema.
Finalmente em 18 de Maio de 1893 a
Repartição dos Correios, pelo seu ofício n.º 965, que se transcreve, mandou
pagar o referido vale:
“Remette-se á 3.ª Repartição da Direcção
Geral do Ultramar o vale de que trata o processo junto, por parecer
conveniente, no estado de deterioração em que acha, que seja substituído por
uma auctorização de pagamento.
O referido vale foi hoje devolvido a
esta repartição porque tendo-lhe a estação emissora designado a localidade da
residência da destinatária, cujo nome é muito commum, e não a do pagamento, o
que essa repartição também não fez, quando, conhecendo-a já, o remetteu para a
estação Central do correio de Lisboa afim de ser expedido conforme declara na
sua informação de 4 do corrente mez, teve o referido vale de ser sucessivamente
enviado a todas as estações onde as guias indicavam haver localidades com a
mesma denominação.
Repartição dos Correios em 18 de Maio
de 1893
O Conselheiro Inspector Geral dos
Correios”
Com a pequena ajuda de Garcia….
pode-se dizer que “levou-se a carta a Garcia”.
Elder:
ResponderEliminarBoa malha!
Um abraço:
Hernâni