Este é mais um dos casos, de que é fértil a filatelia ultramarina, da má preparação dos agentes postais tendo em vista o cabal funcionamento do serviço prestado pelos correios coloniais.
Em traços gerais, a estação postal
de Quelimane na década de 80 do século XIX, processava o envio das malas
postais com destino ao Cabo da Boa Esperança via Lisboa, quando era mais
racional e rápido o seu envio via Lourenço Marques e Port Elizabeth. Este
encaminhamento, que permitiria transportar uma carta em apenas 15 dias no
máximo, era preterido por um outro (via Lisboa) em que as cartas demoravam
cerca de 60 dias a chegarem aos destinatários.
Os súbditos ingleses, residentes no
Cabo da Boa Esperança, que normalmente recebiam correspondência remetida de
Quelimane, não se conformavam com este tipo de encaminhamento. Reclamando da
situação para o seu Director dos Correios, este oficiou, em 30.04.1887, a
Repartição Central dos Correios em Lisboa expondo as suas razões nos seguintes
termos:
Sir
Complaint
has been made to his Department by the Rev.º Father Wel, St. Aidan’s College,
Grahamstown, Cape Colony that letters addressed to him from Quelimane suffer
Great delay through being sent for Lisbon instead of in direct mail for this
Colony which is opened at Port Elizabeth.
I
have the honour to enclose the envelope of a letter which has been forwarded in
the manner stated and to request that you will be good enough to instruct the
officer in charge of the Post Office at Quelimane in regard to the proper
circulation of the letters for this Colony.
Em anexo, ao transcrito ofício, foi remetida a
carta da figura 1 (da qual foram retirados os respectivos selos que a
franquiavam), que é elucidativa do estranho encaminhamento das malas.
Fig. 1 – Carta
remetida de Quelimane (data ilegível) para Grahamstown (17.04.1887) com
trânsito por Lisboa (18.03.1887).
Conforme se pode notar no canto
superior esquerdo do ofício, o Chefe da Repartição dos Correios em Lisboa,
lavrou em 28.05.1887 um despacho no sentido de ser oficiado o Chefe da Estação
de Quelimane, para que passasse a remeter as malas para o Cabo via Lourenço
Marques e Port Elizabeth.
Não se sabe quais as disposições
tomadas para a resolução deste problema, porém parece que elas não resultaram
na prática, porque cerca de ano e meio após este episódio, o Director dos
Correios do Cabo volta à carga sobre o assunto através do seu ofício n.º 41,
datado de 14 de Janeiro de 1889 nos seguintes termos:
A
very great number of complaints have been made to me of the Great delay which
takes place in the transmission of letters to addressed to this Colony from
places on the East Coast of Africa in consequence of the correspondence being
included in the direct mails for Lisbon instead of the mails made up on offices
in the Colony. So much inconvenience has been caused to the addresses through
the irregular forwarding of the letters, that urgent appeals have repeatedly
been made to the Directors of Posts at the various places to exercise more care
in the treatment of correspondence for this Colony, but the irregularities
still continue.
I
have therefore the honour to ask that you will be good enough to represent to
the Directors of Posts at those places that much annoyance is caused by their
action in neglecting to make up direct mails for this Colony, and request them
to send all correspondence addressed to this Colony in a mail to be made up and
addressed to the Post Office Port Elizabeth except such as may be intended for
Cape Town which should be included in a mail for the letter place.
I
enclose two covers of letters posted at Quelimane which were sent to Lisbon and respecting
which the addressee has complained very strongly of the detention to which they
were subjected.
I
have the honour to be,
Em anexo ao
citado ofício foram remetidas duas cartas, demonstrativas das queixas
apresentadas, oriundas da Estação Postal de Quelimane, que teimava em
encaminhar as cartas por Lisboa. Uma dessas cartas é a reproduzida na figura 2.
Fig. 2 – Carta
remetida de Quelimane (20.10.1888) para Graaff (17.12.88) com trânsito por
Lisboa (23.11.88) e Cape Town (14.12.88). Franquiada com 100 reis (1.º porte
para cartas até 15 gramas ).
Como se pode notar, o remetente teve
o cuidado de colocar a informação manuscrita de que a carta deveria ser encaminhada
via “Lourenço
Marques / Delagoa Bay”. Efectivamente a carta foi encaminhada via
Lourenço Marques, porém seguiu na mala com destino a Lisboa, em vez da mala com
destino ao Cabo ou a Port Elizabeth.
Desta vez o Chefe da Repartição dos
Correios, em Lisboa, mandou oficiar em 08.02.1888, e remeter em anexo o ofício,
para conhecimento do Director dos Correios em Moçambique, solicitando a este,
que desse as ordens convenientes às repartições sob sua direcção para que se
solucionasse o assunto exposto.
Em resposta o Director dos Correios
da Província de Moçambique informa pelo seu ofício n.º 24 de 01.04.1888 (a
seguir reproduzido) que deu as instruções necessárias para que cessassem as
irregularidades no encaminhamento das malas.
“Devolvendo o incluso officio da
Direcção Geral dos Correios do Cabo da Boa Esperança, cumpre-me participar a V.
Ex.ª que enviei n’esta data traduções do referido documento ás estações postais
dependentes d’esta direcção e que expedem malas directas para o Cabo da Boa
Esperança, esperando que cessarão as irregularidades de que, com justiça, se
queixa o correio inglez.
Deus Guarde a V. Ex.ª
O que na realidade se passava era
que a Estação Postal de Quelimane por razões inexplicáveis remetia as
correspondências destinadas ao Cabo da Boa Esperança na mala com destino a
Lisboa, não formando mala de correio para aquela colónia inglesa. É provável
que a falta de informação na Estação Postal de Quelimane sobre o encaminhamento
das correspondências determinasse tal modo de operação.
Esta carta terá sido remetida na mala que seguiu
pelo vapor COURLAND que fazia a ligação Moçambique a Port Elizabeth e que fez o
seguinte percurso no mês de Outubro de 1888:
Moçambique – saída 16.10.1888
Quelimane – chegada 18.10.1888
Quelimane – saída 20.10.1888
Chiloane - chegada 22.10.1888
Chiloane – saída 22.10.1888
Inhambane – chegada 23.10.1888
Inhambane – saída 24.10.1888
Lourenço Marques – chegada 25.10.1888
Lourenço Marques – saída para Natal 27.10.1888
Assim a data de saída do vapor
Courland de Quelimane (20.10.1888) coincide exactamente com a data de dia da
estação postal de Quelimane. Como é sabido, era hábito as correspondências
serem todas obliteradas no dia da saída dos paquetes, independentemente da data
em que eram lançadas no correio. Pela análise ao movimento marítimo na barra de
Quelimane (Fig. 3) nota-se ter sido este o único paquete a escalar o porto de
Quelimane no mês de Outubro de 1888 com saída para sul, resumindo-se o restante
movimento a pequenas embarcações que faziam serviço de cabotagem e de outros
dois vapores ingleses em rotas diferentes.
Fig. 2 - Movimento marítimo na Barra de Quelimane em Outubro de 1888 |
Parece terem sortido efeito as
medidas tomadas pela Administração dos Correios de Moçambique, porque não foram
encontradas mais referências sobre este anormal encaminhamento das malas de
correio de Quelimane para o Cabo da Boa Esperança.
Entretanto é de relevante interesse dar a conhecer
aqui, pela panorâmica geral que nos dá sobre o funcionamento dos correios de
Moçambique, e que de certa forma validam as apreciações feitas, excertos do
relatório produzido em 29 de Julho de 1886 por António Augusto da Silveira e
Costa, 1.º aspirante da Direcção Geral dos Correios e Telégrafos e Telefones.
Este funcionário foi nomeado por portaria de 12 de
Dezembro de 1885 para se deslocar às províncias ultramarinas no intuito de aquilatar das condições
existentes, tendo como finalidade a instalação do serviço de vales postais.
No que respeita a Moçambique (capital da colónia)
dizia o seguinte:
“No primeiro andar d’uma casa, pouco
aceiada exteriormente, está instalada a repartição do correio. Na primeira
salla, um balcão, creio que de pinho não pintado, separa o espaço destinado ao
publico. Quasi sem mobília, e a pouca que tem ordinária, não offerecendo a mais
pequena commodidade aos funcionários que alli trabalham, não tem siquer os
moveis indispensáveis para a divisão e guarda da correspondência.
……..
E não é difficil demontrar quanto
alli faltam as instrucções de serviço, e como, mesmo as irregularidades que
ninguém aqui ignora se repetem d’um modo que não deve continuar. – Vou
mostral-o com um exemplo.
Desde Janeiro de 1882 (circular da
direcção geral do correio de 17 de Dezembro de 1881) o porte de cada carta
simples é de 80 reis, quando mesmo se desconhecesse a circular, pelas cartas
expedidas de Lisboa, desde aquella data se veria que é este (80 reis) o porte
de cada carta; pois apezar das constantes queixas do publico, que se julga, com
razão, lesado, as cartas de Moçambique dirigidas para a Europa, via Brindisi,
pagam 100 reis por cada porte simples por isso que desde 1877 em que receberam
n’aquella direcção um officio impresso, datado de Maio do mesmo anno, redigido
em francez, e expedido pela direcção geral do ultramar, em que estabelece
aquella tarifa, até hoje não receberam nenhuma ordem em contrario. – Por aqui
parece-me se verá claro que não abundam as instrucções sobre serviço postal em
Moçambique.
Alem da Direcção em Moçambique
(capital) há direcções de correio em: Quilimane e Lourenço Marques; e estações
em Inhambane, Chiloane e Ibo a cargo da Alfandega; Angoche, Tete, Sena e
Sofalla, a cargo dos encarregados de Fazenda; e Bazaruto a cargo do Comandante
Militar.
Não visitei nenhum destes pontos, mas
vendo o que é a capital da província e pelas informações que colhi posso
garantir que é muito pequeno, e nalguns pontos verdadeiramente insignificante o
movimento postal.”
Esta é uma pequena parte do que
consta do citado relatório, porém dá-nos uma visão geral do que eram os
correios nas nossas colónias, caracterizados principalmente por más
instalações, falta de informação e pouco pessoal, que na sua grande maioria
estava mal pago e preparado para exercer as suas funções. E são estas razões
que levaram a que se tivessem cometido as irregularidades atrás descritas com o
encaminhamento das malas de correio, e muitas outras que se vão conhecendo.
Como agravante destas condições, há ainda a considerar aqueles funcionários
oportunistas, que mercê dessas condicionantes, se aproveitavam para fazer as
suas “trapaças”.
Bibliografia
·
Arquivo Histórico Ultramarino –
Cota 2697 3.ª REP SEMU DGU 1885/1891
·
Boletim Oficial de Moçambique de
1888 e 1889
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