Porto de Luanda |
O substantivo “guerra” advêm da
palavra gótica “wirro” equivalente ao termo “confusão” no nosso idioma.
Efectivamente com o deflagrar de uma guerra é intrínseco o estado de confusão
que se instala no quotidiano dos povos.
Este estado de confusão determina
grandes restrições nos serviços de transportes, por qualquer das vias
utilizadas, quer sejam aéreas, terrestres ou marítimas. Reduzem-se as ligações
porque o estado de guerra o não permite, ou porque esses meios estão ao serviço
dos serviços militares.
Com a escassez dos meios de
transporte, o serviço postal é grandemente afectado, determinando uma redução
significativa do volume de correspondências circuladas. Como agravante, a este
estado de confusão nas comunicações e transportes, há que ter em conta a
censura às correspondências que provocavam atrasos muito significativos na sua
circulação, e de certa forma inibem os utentes, com receio de que a sua vida
privada seja devassada pelos censores menos escrupulosos dos seus deveres.
Figura 1 - frente |
Porém as populações necessitavam de continuar a desenvolver as suas actividades quer comerciais ou profissionais, assim como tinham a necessidade imperiosa de contactar com os seus familiares. Por isso continuavam a escrever mesmo que em menor frequência. A avidez e necessidade de obter as notícias por que ansiavam obrigavam-nos a encontrar formas mais rápidas de fazer circular as suas correspondências.
A partir do ano de 1940 as
correspondências de ou para Angola eram obrigatoriamente censuradas pelos
ingleses através dos seus serviços instalados na África do Sul. As
correspondências para Norte tinham que ir obrigatoriamente seguir para Sul para
voltarem ao seu destino a Norte.
Figura 1 - verso |
Como exemplo, apresenta-se na Fig. 1, uma carta remetida da Catumbela (17.09.41) para Lisboa (14.12.41) com trânsito pelo Lobito (17.09.41) e Cape Town (22.09.41). Pagou de porte 3$40 correspondente a: $80 pelo 1.º porte de correio ordinário para Portugal + $40 pelo prémio de registo (Decreto 20.317 de 14.09.1931, publicado no BO de Angola n.º 42 de 17.10.1931) + 2$20 pelo 2.º porte da sobretaxa de correio aéreo do Lobito para Cape Town (10 gramas de peso). Cinta de censura do Cabo tipo 1B1 (raridade 10 John Little), amarrada com carimbo de censura de Cape Town batido a preto tipo 7A. Como se pode verificar esta carta demorou cerca de 60 fias para ir da Catumbela a Lisboa, utilizando o meio aéreo de Angola para a África do Sul.
Figura 2 - frente |
Para obviar a esta demora, as populações procuraram encontrar formas de transportar a correspondência de modo mais célere, algumas vezes contornando os regulamentos postais, outras vezes encontrando nos meandros desses regulamentos formas de fazerem legalmente.
É o caso da carta da figura 2. Redigida de Maquela do Zombo em 28 de Outubro de 1941 foi recepcionada em S João da Madeira em 30 de Novembro, com trânsito por Lisboa a 29 de Novembro. Trinta e um dias foi o tempo necessário para a fazer chegar ao destino, o que em tempo de guerra é uma preciosidade. A carta ostenta um selo de $80 correspondente ao 1.º porte do correio ordinário (peso até 15 gramas) de Angola para Portugal (Decreto n.º 20.317 de 14.09.1931). O selo encontra-se obliterado com o carimbo de denominação de origem “LISBOA 2.ª SECÇÃO / PAQUETE” (Hosking 537).
Figura 2 - verso |
O valor e interesse desta carta não se resume apenas aos seus pormenores exteriores, porque é no seu interior que encontramos um texto esplendoroso, porque nos dá a conhecer uma das expeditas formas de contornar a censura inglesa e permitir que a correspondência circulasse mais rapidamente. O texto que a seguir reproduzimos é autenticamente delicioso:
“Quando escrever para cá faça o
seguinte: - meta o que escreveu dentro de um envelope e feche; o endereço para
mim ou Helena. Depois ponha esse envelope dentro de um outro que envia para
Lisboa, derigido aos Srs Diogo & C.ª Ltd, R. Áurea, 66, 1.º. O n/ amigo Snr
António Diamantino, entrega a correspondência a bordo de todos os barcos que
vem para África. A sua casa de Luanda, faz depois destribuição. Deste modo
evitam-se censuras e ainda que as cartas vão a África do Sul para depois virem
para cá. É a solução que há muito tempo adotamos nas cartas para a família e
estas tem adotado o mesmo sistema, donde resulta que temos a correspondência
quasi como em tempo normal.
Perante este texto pouco temos a
acrescentar, pois ele é elucidativo, sobre a forma como circulou a carta que
reproduzimos, exactamente no sentido inverso daquilo que era sugerido. Apenas
acrescentamos que as cartas iam franquiadas com os selos correspondentes os quais
eram obliterados, pelos serviços postais, à chegada dos navios, entregues pelos
respectivos comandantes dos navios.
Para complementar esta “estória”
sobre circulação de correspondências em tempo de guerra, mostra-se na figura 3
uma belíssima carta timbrada, também dita publicitária, (ora digam lá que as
cartas publicitárias não servem a filatelia nas suas diferentes vertentes) da empresa
que servia de ponte e prestava um serviço inestimável aos seus clientes.
Fig. 3 -
Sobrescrito entregue a bordo do paquete alemão Usaramo (20.11.1921) da Deutsche
Seepost / Linnie Hanburgo-WestAfrika com 3 selos de 200 reis D. Carlos I
Mouchon com sobrecarga "REPUBLICA" local, perfazendo o porte
equivalente a 60 ctvs (1.º porte para cartas até um peso de 20 gramas para países
estrangeiros). Á chegada foi obliterado com carimbo de denominação de origem
"PAQUEBOT" de Port Elizabeth (tipo 1278 Roger Hosking).
Uma recomendação aos finalistas iniciantes.
Numa carta, ou qualquer outro objecto postal, não nos podemos limitar à análise
dos seus aspectos iminentemente filatélicos, pois os conteúdos são por vezes
muito importantes para a sua interpretação. No exemplo apresentado, o acto de
ignorar o seu interior ou desfazer-se dele para facilitar a sua arrumação,
traduzir-se-ia na perda duma importante fonte de informação. Na ausência dessa
informação teríamos hoje uma plêiade de teóricos a congeminar sobre a
autenticidade ou não do exemplar filatélico.
A todos os leitores, que fazem o
favor de ler os meus escritos, um bom dia de S. João, porque a sardinha está
óptima e aconselha-se………………
Bibliografia
·
British Empire Civil Censorship Devices World
War II / Colonies and Occupied Territories in África, John Little, 2000
·
Paquebot
Cancellations of The World (Second Edition) by Roger Hosking, 1987
·
Boletim
Oficial de Angola
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