Já são por demais conhecidas, principalmente dos filatelistas, as “negociatas” em que se meteu o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe, Joaquim Augusto da Silva, durante o período em que esteve a super-intender aos correios santomenses. Na verdade as suas “trapalhadas” tiveram início no ano de 1889 com as célebres sobretaxas de 5 reis sobre selos de 10, 20 e 40 reis de D. Luís tipo fita direita (catálogo Afinsa n.ºs 24 a 26) e as não menos célebres sobretaxas de 2 ½ reis sobre selos de 5, 10, 20 e 25 reis também da emissão de D. Luís.
Porém o primeiro episódio rocambolesco dá-se em 1888, tendo como sua génese a falta, muito oportuna, de selos de determinadas taxas na Ilha do Príncipe. O Director dos Correios da Ilha, António da Silva Bizarro, solicita telegraficamente ao Administrados dos Correios que se digne tomar as providências necessárias, pois os selos que possuía de algumas taxas, não eram suficientes para franquiar as correspondências a serem enviadas pelo Paquete Portugal da Empresa Nacional de Navegação, que dali saía a 24 de Agosto rumo a Lisboa.
Perante tal situação, a decisão tomada pelo Administrador dos Correios foi no sentido de se utilizarem selos de valor mais elevado, cortá-los ao meio pela diagonal, e assim completar a franquia das correspondências a expedir. Para evitar que essas correspondências fossem porteadas em Lisboa o Director dos Correios da Ilha do Príncipe, a pedido do Administrador, remeteu juntamente com a respectiva mala o ofício n.º 105 de 24 de Agosto de 1888 dirigido ao Director Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes do Reino, que a seguir se transcreve:
“Conforme o que me foi ordenado em telegrama de hoje da administração dos correios d’esta província, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que n’esta malla que segue hoje para Lisboa pelo vapor”Portugal” da empreza Nacional, são remettidas oitenta quatro cartas e um maço de impressos, correspondência ordinária, que por absoluta falta de estampilhas vão as mesmas cartas franqueadas com metade de estampilha, representando dezassete no valor de 100 reis cada uma e sessenta sete o valor de cincoenta reis também cada uma, assim como também o maço de impressos que apresenta a importância de cem reis.
Deos Guarde a V. Ex.ª
Direcção do Correio da Ilha do Príncipe 24 de Agosto de 1888
Pelo que se depreende do texto deste ofício podemos concluir que:
1 – Só em última hora foi constatada a falta eminente de selos para franquiar as correspondências. Porém parece ter havido desleixo evidente do Director dos Correios da Ilha do Príncipe. Com antecedência poderia ter requisitado para S. Tomé os selos necessários, podendo estes selos ter sido enviados, pelo mesmo Paquete Portugal que passou pela Ilha de S. Tomé a 23 de Agosto, portanto véspera da sua chegada ao Príncipe. Assim se evitaria esta franquia de recurso.
2 – Pelo texto do ofício é-se permitido deduzir que foram franquiadas 17 cartas com selos de 200 reis bipartidos, perfazendo o porte de 100 reis (1.º porte para cartas com o peso até 15 gramas para países estrangeiros pertencentes à UPU) e 67 cartas com selos de 100 reis bipartidos, perfazendo o porte de 50 reis (1.º porte para cartas com o peso até 15 gramas com destino a Portugal, Ilhas Adjacentes e Províncias Ultramarinas).
O Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe como já não tinha hipótese de remeter um ofício para o Reino, justificando as razões da posição tomada em bipartir os selos, pois o Paquete Portugal já havia zarpado de S. Tomé, resolveu fazê-lo no correio imediato. Remeteu o seu ofício (também) n.º 105 de 7 de Setembro de 1888 ao Conselheiro Director Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes com o seguinte teor:
“Tenso a direcção do Correios de ilha do Príncipe pedido telegraphicamente a esta administração, providencias, porque os sellos postaes que tinha não eram sufficientes para a franquia da correspondência a expedir pelo vapor do Sul ali fundeado, e não tendo havido tempo para a Fazenda satisfazer uma requisição d’ali enviada, e que chegou pouco antes do vapor sahir para aquella ilha, esta administração ordenou, que se cortassem ao meio os sellos postaes necessários para franquia das correspondências, sem prejuiso para a fazenda, dando conta a esta administração da quantidade dos sellos de que se servisse para este fim, sendo a correspondência franquiada com metade de um sello, acompanhada de guia para a administração dos correios de Lisboa e que participasse esse facto a V. Ex.ª.«
Esta administração fez sentir ao respectivo Director, que deverá ter sempre como deposito, sellos postaes para as vendas prováveis de dois mezes, e que esperava se não repetissem taes faltas, que esta administração se veria obrigada a reprimir em harmonia com a sua gravidade.
Creia V. Ex.ª que este facto é uma das consequências das vendas de sellos de imposto, letras selladas, papel sellado, etc., nas repartições postaes da província, que são obrigados a cuidar mais nestes artigos do que n’aquelles a que as obriga.
Esta administração espera que lhe seja relevado por V. Ex.ª se por ventura andou mal nas providencias que deu, ou se não foram acertadas, mas como é o primeiro caso que aqui se dá desta naturesa, não soube proceder mais em harmonia com o serviço publico e com os interesses da fazenda.
Deus Guarde V. Ex.ª
Administração dos correios de S. Thomé e Príncipe, 7 de Setembro de 1888.
Deste ofício, para além das razões que levaram o Correio do Príncipe a utilizar os selos bipartidos, realço o facto de aquela estação postal também estar encarregue da venda de valores de natureza fiscal.
Entretanto o Paquete Portugal chegou a Lisboa a 12 de Setembro trazendo a bordo as 84 cartas e um maço de impressos com selos bipartidos, acompanhados com o ofício do Director dos Correios do Príncipe. Perante este ofício a Direcção Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes solicitou nesse mesmo dia, o parecer da Administração dos Correios e Telegraphos e Pharoes de Lisboa sobre o assunto. Esta produziu o seguinte parecer constante do ofício n.º 4050 de 13 de Setembro que transcrevo:
“Acerca do assumpto do officio, que devolvo, da Direcção do Correio da ilha do Príncipe, que V. Ex.ª me enviou, com um despacho de hontem, tenho a honra de informar, que hontem mesmo, e antes de ter chegado às minhas mãos o mesmo officio, foram recebidas as correspondências a que elle se refere, as quaes vinham franqueadas como no mesmo officio se acha indicado.
Sobre o modo de proceder acerca destas correspondências não hesitei em determinar que fossem entregues isenta de qualquer porte, servindo-me para isso de base o processo que acabava de receber da 1.ª Repartição d’essa Direcção Geral referente a uns jornaes recebidos da estação postal de Lagôa (Ilha de S. Miguel), franqueados cada um d’elles com metade de um sello de 5 reis, os quês, em virtude do despacho lançado no alludido processo foram entregues franco de porte aos respectivos destinatários.
Deus Guarde a V. Ex.ª
Fig. 1 - Cortesia M. Janz |
Deste parecer foi dado conhecimento ao Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe por ofício datado de 02.10.1888, bem como ao Director dos Correios da Ilha do Príncipe, também por ofício, este datado de 22.09.1888.
Fig. 2 |
Ficou assim aberto um precedente para a utilização, noutras ocasiões, deste processo de franquiar as correspondências com selos bipartidos. Isso mesmo se pode confirmar pelo fragmento que apresentamos na figura 1, onde podemos ver um selo de 20 reis bipartido. Esse fragmento está obliterado com marca de dia da Ilha do Príncipe de 24.03.1889. Esta datada é coincidente com a passagem do Paquete Angola por esta ilha.
Fig. 3 |
A razão de ser desta afirmação baseia-se no facto de, embora muitas colónias tenham utilizado os selos tipo Coroa para franquiar correspondências até 15 de Março de 1889, utilização essa que cessou com uma P. Circular daquela data (Fig.2), os Correios de S. Tomé já no primeiro trimestre de 1888 havia retirado de circulação esses selos.
As últimas taxas foram retiradas por aviso de 7 de Janeiro de 1888 da Administração dos Correios de S. Tomé e Príncipe.
Esta forma peculiar de franquia das correspondências foi o primeiro caso, de uma série de trapalhadas e negociatas que o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe realizou durante os 6 anos em que esteve a chefiar aquele serviço.
Bibliografia
· Arquivo Histórico Ultramarino, cota 664 UM SEMU DGU
· Repertório Alphabetico e Chronologico ou Índice Remissivo da Legislação Ultramarina de J.J. da Silva – Typographia de J. F. Pinheiro, Lisboa 1904
· Boletim Oficial de S. Tomé e Príncipe
O Elder é uma referência assaz positiva na filatelia nacional.
ResponderEliminarComo ateu penso isso, exactamente com a mesma pia crença que o Almada proclamou que “O Dantas cheira mal da boca!”. O presente texto, fruto de pesquisa pertinente e continuada, disso é reflexo.
Para ele, aqui vai um abraço companheiro, de quem sem perda de empenho de intervenção e de, eventualmente de qualidade da dita (A vós cabe a última palavra!), aprecia e está solidário com o seu desempenho.
Para ele, um abraço camarada (Que me perdoe o Zé Correia, que está à direita da direita).
Força: amigo, colega, parceiro e confrade!
Para ti, um abraço do tamanho do mundo.
Hernâni
O tal
DO TEMPO DA OUTRA SENHORA
http://dotempodaoutrasenhora.blogspot.com