domingo, 18 de setembro de 2011

Macau - Um raríssimo selo de 10 avos

            A filatelia das colónias portuguesas é fértil pela sua diversidade de selos com sobretaxas e sobrecargas de recurso. Como temos vindo a referirmo-nos, em quase todos os artigos que escrevemos, uma falta evidente de uma programação atempada das requisições de selos à Casa da Moeda, originava frequentemente ruptura nos stocks de selos e correspondentes pedidos urgentes de sobrecargas e sobretaxas.
            Neste caso que vamos abordar, nem é esse o caso, antes pelo contrário, é um caso que surge por ordens emanadas do Ministério do Ultramar no advento da implantação de República, que determina que nas colónias de pudessem sobrecarregar os selos da monarquia com a legenda “REPUBLICA”. Foi elaborado um Decreto em e uma circular simples e de fácil interpretação, porém como era tradição, surge sempre uma interpretação própria e abusiva das leis.
            Como referimos pelo Decreto de 4 de Julho de 1913 mandou-se sobrecarregar nas colónias alguns dos selos em circulação do anterior regime político com a sobrecarga referida devendo para isso ter-se em atenção os seguintes parâmetros:
            1 – Só seriam sobrecarregados os selos emitidos em 1902 (D. Luís I e D. Carlos tipo Diogo Neto com sobretaxa) além dos selos de D. Carlos I tipo Mouchon com a sobrecarga “PROVISORIO”;
            2 – Apenas seriam objecto das sobrecargas os selos que por cada uma das taxas ou tipos existissem mais de 1.000 unidades;
            3 – Só eram passíveis de serem sobrecarregados os selos até aos valores de 400 reis, excluindo assim os selos desta taxa.
Figura 1
            Acontece que, perante duas circulares que regulavam a sobrecarga dos selos postais e fiscais, uma, com o n.º 23, para os valores selados (sem restrições) e outra, com o n.º 27 de 7 de Agosto (Fig.1), para os valores postais (com as restrições atrás apontadas), entenderam as Repartições de Fazenda, com ou sem contornos especulativos e fraudulentos, interpretar que deveriam aplicar a primeira pois era tradição nas colónias o uso da terminologia valores selados para identificar quer fossem estampilhas fiscais quer fossem as fórmulas de franquia. Como resultado dessa abusiva interpretação é publicada em Macau a Portaria n.º 234 (Fig. 2), e sem o conhecimento e consentimento do Ministério do Ultramar são sobrecarregados os selos da emissão de D. Carlos I tipo Mouchon de 1898-1903 (Fig. 3).
Figura 2 - Portaria n.º 234 pela qual se mandam sobrecarregar os selos
tendo em consideração a circular n.º 23 em vez da circular n.º 27 como seria expectável.
Podemos, pela redacção desta Portaria, apreciar a forma peculiar como eram interpretadas, nas
nossas colónias, as leis e regulamentos emanados de Lisboa.
Figura 3
            Estava assim instalado o caos na sobrecarga dos selos postais. A situação era tão escandalosa que depressa começaram a surgir críticas à forma como foram feitas as sobrecargas, de tal modo que o Ministério do Ultramar determinou que, em cada colónia se procedesse a uma sindicância a todas as sobrecargas e sobretaxas desde 1911, para se apurarem responsabilidades e porventura a instauração de processo disciplinares, ou quiçá responsabilizar criminalmente os responsáveis de actos que se afiguravam constituir crime. Tal como nas outras colónias também em Macau se instaurou um processo de sindicância às sobrecargas e sobretaxas, tendo para o efeito sido encarregue de tal serviço o Tenente-Coronel Joaquim Augusto dos Santos (Fig. 4).
Figura 4
            Não vou por agora esmiuçar o que se apurou nesta sindicância, mas tão só trazer à colação o caso intrigante e surrealista do selo de 10 avos azul esverdeado, tipo D. Carlos I Mouchon com a sobrecarga “REPUBLICA” impressa vermelho e tipografada localmente (Fig. 5). Em primeiro lugar volto a alertar que todos os selos da emissão de D. Carlos I, tipo Mouchon, não deveriam ter sido sobrecarregados pois o Decreto de 4 de Julho não o contemplava. Só a aludida interpretação abusiva da lei permitiu tal situação.
Figura 5
            Este selo tem sido alvo de muita polémica, porém nada justifica que os responsáveis pela edição dos catálogos da especialidade, tivessem agido como a avestruz metendo a “cabeça na areia”. Pura e simplesmente nunca se referiram a este selo. Porém, poucos anos atrás, na excelente obra de investigação filatélica “História e Desenvolvimento dos Correios e das Comunicações de Macau * Vol. II – História Postal de Macau (1884-1999)” do Dr. Luís Frazão este assunto é tratado com alguma profundidade. Quero porém fazer uma ressalva ao que na altura publicou o Dr. Luís Frazão no que respeita à tiragem destes selos. Não foram emitidos 16 selos como ele afirma mas apenas 10 selos conforme podemos constatar pelo excerto do relatório de sindicância que reproduzimos na figura 6.            
Figura 6
            Este erro involuntário foi cometido porque quando da pesquisa o autor da obra utilizou como fonte primária um microfilme do Arquivo Histórico Ultramarino que não estando muito perceptível o terá induzido nesse erro. Tive acesso aos relatórios em papel, ao dactilografado e ao minutado (Fig.7) que deu origem ao primeiro e confirma-se a tiragem de apenas 10 selos. Parece impossível mas é verdade, foram emitidos apenas 10 selos, isso mesmo que escrevemos: DEZ SELOS.
Figura 7
            Será porventura a tiragem mais reduzida da história postal de Portugal e ex-Colónias, porém nada justifica que tivesse sido ignorada pelos catálogos portugueses. Desconhecemos a razão deste “apagão”, porém conta-se por piada ou não que no passado havia editores de catálogos que só inseriam um novo selo, uma variedade ou erro quando como contrapartida lhes oferecessem 5 exemplares. Pois….. neste caso lá se ia metade da tiragem. Ou então como diz o meu amigo Altino Pinto, em mais um caso, não foi feita a investigação que deveria ter sido feita.
Porém há um mas…… e de difícil compreensão (?). Carlos George no artigo intitulado “Os selos Mouchon, de Macau” publicado na revista Portugal Filatélico n.º 36 (3.ª Série) de Abril de 1933, acerca destes selos escreve:
“Durante os meses de Setembro e Outubro de 1913 foi sobrecarregado e posto á venda o resto dos selos que havia em Macau sem sobrecarga, com a sobrecarga “Republica”, local. As sobrecargas em Lisboa eram apostas por meio de galvanos, por isso são todas iguais; as locais por meio de tipo, o que dá lugar a aparecerem caracteres deslocados e deteriorados. Os “Mouchon” sobrecarregados foram os seguintes, todos de 1903, menos os de 13 avos, de que há também, o de 1898 (S.F. 86), e o de 16 avos, que é de 1898 (S.F. 87) e o de 20 avos, que é de 1900 (S. F. 98).
                          4 avos                       11.503                        18 avos             7.000
                          5 avos                         5.626                        20 avos           14.263
                          6 avos                         7.036                        31 avos             7.981
                          8 avos                         1.630                        47 avos           12.560
                        13 avos                         4.682                       10/12 avos       5.600
                        16 avos                       17.164”
            Se compararmos estes valores com os apresentados no relatório da sindicância e cuja lista também foi enviada à Direcção Geral da Fazenda das Colónias em 11 de Fevereiro de 1914, verifica-se uma concordância perfeita para com os números apresentados por C. George, com excepção dos selos de 10 avos que são escamoteados não sabemos por que motivo. O que terá levado C. George a não divulgar na integra a informação relevante a que teve acesso? Pois é meu caro Altino….. é provável que alguma investigação tivesse sido feita, não foi é divulgada por razões que a própria razão desconhece……..(?). É que uma descoberta destas não podia ter sido “esquecida”. Ou podia?...........
No que respeita aos catálogos e pelos muitos anos que já levo de filatelia, há uma obra que não dispenso na minha secretária quando está em causa as emissões coloniais: o velhinho catálogo de Eládio dos Santos. Tenho vindo a confirmar, pelos conhecimentos que vou adquirindo, que é aquele que mais se aproxima da realidade da filatelia das nossas ex-colónias.

Bibliografia
·          Cota 694 1D UM DGC Cx 1911-1914 – Inquérito às sobretaxas de selos postais, AHU
·          Portugal Filatélico n.º 36 (3.ª Série) de Abril de 1933
·          História e Desenvolvimento dos Correios e das Comunicações de Macau * Vol. II – História Postal de Macau (1884-1999)
·          Catálogo de Selos Postais * Colónias Portuguesas 2011, Afinsa Portugal
·          Catálogo de Selos de Portugal e Colónias de Eládio dos Santos
·          Catálogo de Selos Postais de Portugal e Colónias Simões Ferreira

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