domingo, 29 de julho de 2012

Companhia de Moçambique - "Assistência Pública" sobretaxada

            Por legislação publicada no Boletim Oficial de Moçambique é criada em 11 de Julho de 1908, em Lourenço Marques, a Comissão de Beneficência Pública. Iniciou-se nesta data a prestação de serviços de assistência pública organizada e controlada pelo governo, através da referida Comissão cuja composição era a seguinte: Prelado de Moçambique que a presidia, um administrador do Concelho, o pároco de Lourenço Marques e dois representantes das duas associações de beneficência – Sociedade Portuguesa de Beneficência e Sociedade de Instrução e Beneficência 1.º de Janeiro.
            A Comissão tinha como principal incumbência a administração dos fundos da beneficência pública e aplicá-los de forma racional e útil em benefício dos pobres, inválidos, doentes e das crianças pobres e abandonadas.
Beira - Hospital Indígena
            A partir de 1912 a assistência pública fica a ser exercida pelas duas associações atrás referidas. Em 19 de Janeiro de 1918 através do Boletim Oficial é noticiada nova reorganização da Comissão que passa a ser constituída por sete elementos, dos quais seis eram propostos pela Sociedade Portuguesa de Beneficência e pela Sociedade de Instrução e Beneficência 1.º de Janeiro. Ainda em Maio desse mesmo ano, considerando-se que, embora as duas associações de beneficência tenham vindo a prestar um serviço meritório, não deveriam representar por si só todas as outras agremiações que prestavam também o mesmo tipo de assistência, pelo que foi resolvido criar a denominada Comissão Central de Assistência Social da Província de Moçambique, que para além das duas associações iniciantes, passou a contar com delegados de todas as associações legalmente constituídas e que pretendessem participar no projecto.
            A esta nova Comissão mais abrangente, pois passou a prestar auxílio em toda a Colónia de Moçambique, também foi incumbida de prestar assistência escolar aos cidadãos mais desfavorecidos.
Chimoio - Escola Caldas Xavier
            Em 11 de Outubro de 1927 é feita uma nova reorganização dos serviços de assistência pública, cuja principal nuance será a criação do cargo de Provedor, cuja nomeação estava a cargo do Governo-Geral.
            As receitas da Assistência Pública eram constituídas por subsídios; pelas rendas, percentagens e mais receitas provenientes da exploração de lotarias; por taxas e emolumentos cobrados a estrangeiros pelos bilhetes de residência; pelo rendimento do selo de Assistência Pública; pelo rendimento dos estabelecimentos a seu cargo e ainda por doações ou legados.
Neves Ferreira - Hospital Indígena
            A Companhia de Moçambique também colaborou e prestou assistência aos desfavorecidos criando para tal a Comissão de Beneficência e Assistência Pública da Companhia de Moçambique que se regia pelo Diploma Legislativo da Colónia, n.º 29 de 11 de Outubro de 1927 e que foi mandado adoptar pela Companhia de Moçambique pela sua Ordem n.º 6273 de 6 de Abril de 1931.
            A emissão dos respectivos selos de Assistência Pública foi autorizada pela Ordem n.º 6380 de 15 de Dezembro de 1931, sob proposta da Comissão de Beneficência Pública do Território da Companhia de Moçambique, e tendo como base a adopção da Portaria n.º 890 de 18 de Maio de 1929 do Governo-Geral da Colónia, convertendo a taxa nela fixada no seu equivalente em moeda do Território da Companhia.
            É o seguinte o articulado da Ordem n.º 6380:
            Como podemos verificar os primeiros selos da Assistência Pública resultaram da sobretaxa do selo de correio ordinário de 3c ocre e negro da emissão base (Motivos locais) emitidos em 1921/23 – Afinsa 142.
            Estes selos foram retirados de circulação pela Ordem n.º 6763 de 27 de Abril de 1934, e mandados substituir pelos selos definitivos deste imposto postal.
            A impressão das sobrecargas foi feita localmente em folhas de 100 selos, existindo variados erros e deficiências na composição das sobrecargas, originadas provavelmente pela falta de quantidades suficientes de tipos iguais para compor uma chapa para 100 selos:
            Os principais erros encontrados são os seguintes:
Sobrecarga invertida
              Sem acentos             "ê" em vez de "e"      "ê" e "ú" em vez de "e" e "u"

Sobrecarga dupla
Sobrecarga tripla (?)
            As principais variedades são as seguintes:
“Assistência” e “Pública” sem acentos
“Assistência” com “ê” em vez de “e”
“Pública” com “ú” em vez de “u”
Posições 61, 62, 71 e 72 da folha. Dois primeiros selos com todos os acentos e dois últimos com "ú" em vez de "u"
“Assistência Pública” com “ê” e “ú” em vez de “e” e “u”
Estudo da folha de 100 selos com a distribuição das variedades
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  Sem acentos

  “ê” em vez de “e”

  “ê” e “ú” em vez de “e” e “u”

  “ú” em vez de “u”

            Como podemos verificar a variedade “ú” em vez de “u” é a mais escassa, existindo apenas dois selos em cada folha de 100 e ocupando as posições de 71 e 72 da folha. Porém o catálogo da especialidade não reflecte no seu precário a raridade da variedade, valorizando-a ao mesmo nível das restantes.
            Assim, e em resumo, são as seguintes as quantidades de cada uma das variedades, existentes em cada folha de 100 selos.
                                   36 selos “sem acentos”
                                   25 selos com “ê” em vez de “e”
                                   37 selos com “ê” e “ú” em vez de “e” e “u”
                                     2 selos com “ú” em vez de “u”
            Atendendo-se à distribuição quantitativa das variedades em cada folha, não entendemos também a sua valorização no catálogo que actualmente é editado pela Afinsa. Existem 36 selos em cada folha com a variedade “sem acentos” e 37 selos com a variedade “ê” e “ú” em vez de “e” e “u”. Os primeiros são valorizados a 4,00 euros cada e os segundos a 15,00 euros casa. Dá para entender? Não. Entendo que estas valorizações deverão ser corrigidas.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Carimbos numéricos volantes (39) * Benguela-Velha / Porto Amboim

Vista geral de Porto Amboim
Neste ligeiro artigo vou referir-me a mais um dos carimbos numéricos volantes, este com o número “39”, que serviram como marcas de recurso em estações postais recém-criadas ou em estações que por qualquer razão não pudessem utilizar as suas marcas de dia. Conforme artigo intitulado “Carimbos numéricos volantes (00) * Introdução” editado neste blog, este carimbo pertence ao tipo 3, cuja tipologia é comum aos carimbos numéricos números 31 ao 40.
Mais uma vez recordo que estes carimbos de acordo com o fim específico para o qual foram criados, deveriam ter uma permanência curta nas estações a que fossem atribuídos, porém este carimbo que agora apresento é um dos muitos que permaneceram por longos períodos nas estações postais.
O carimbo foi atribuído à estação postal de Benguela-Velha pela Ordem de Serviço n.º 97 de 23 de Março de 1917 da Repartição Superior dos Correios de Angola, que abaixo reproduzimos.
            A estação postal de Benguela-Velha foi criada pela Portaria Provincial n.º 782 de 3 de Setembro de 1910, assinada pelo então Governador-Geral José Augusto Alves Roçadas. A estação postal tinha a categoria de 3.ª classe e ficou a cargo do regedor da povoação.
            Por Portaria n.º 148 de 18 de Maio de 1920, e porque tendo sido entretanto criado o concelho de Benguela-Velha, a respectiva estação postal foi elevada à categoria de 2.ª classe, e como principiou também a prestar serviço telegráfico passou a denominar-se Estação Telégrafo-Postal de Benguela-Velha
            Pelo Decreto n.º 352 de 10 de Setembro de 1923, publicado no Boletim Oficial n.º 38 a povoação de Benguela-Velha foi elevada à categoria de Vila e alterou o seu nome para Porto Amboim, assim como o concelho de Benguela-Velha também foi rebaptizado em Concelho de Porto Amboim.
Conforme referimos Benguela-Velha foi o nome primitivo de uma localidade a que foi atribuído o nome de Porto Amboim. Nesse local existia uma aldeia chamada Kissonde, integrando uma região que os portugueses tentaram colonizar por volta do ano de 1587 fundando aí uma povoação a que foi dado o nome de Benguela. Esta povoação foi mais tarde abandonada e reconstruída mais a sul onde hoje está localizada a actual cidade de Benguela. Cerca do ano de 1771 os portugueses voltaram ao local primitivo e reergueram a antiga povoação atribuindo-se-lhe o nome de Benguela-Velha e conforme afirmamos passou a denominar-se Porto Amboim em 1923 com a categoria de vila. Em 15 de Janeiro de 1974 foi elevada à categoria de cidade.
Porto Amboim era uma importante localidade, testa do Caminho de Ferro do Amboim que a ligava à Gabela e por onde eram escoados os produtos região, especialmente o café, produzido por três grandes empresas (CADA, Marques Seixas e Mário Cunha), uma das mais importantes fontes de riqueza na região.
A passagem para o planalto a caminho da Gabela era feita muito lentamente através de “lacetes” (oitos quase fechados). Para viagens mais rápidas entre Porto Amboim e a Gabela os passageiros alugavam automóveis de linha a que chamavam “Grazine”. A linha telegráfica entre Porto Amboim e a Gabela era também assegurada pela Companhia do Amboim. A linha ferroviária também facilitava a troca de correspondências de estação a estação pelos dos condutores dos comboios, conforme podemos apreciar pela imagem que reproduzimos abaixo.





Carimbo ferroviário PORTO AMBOIM
Bilhete do CFA com carimbo ferroviário QUIRIMBO

Tinha também um porto marítimo que ajudava a drenar a rica produção da região.
Voltando ao serviço de correio da estação postal de Benguela-Velha / Porto Amboim, direi que não são conhecidas marcas obliteradoras desde a sua criação em 1910 até à distribuição do carimbo numérico volante. Provavelmente as obliterações das correspondências seriam manuscritas, como acontecia em algumas estações postais, privadas de marcas de dia próprias. Durante cerca de 22 anos a estação vai utilizar esta marca para obliterar a correspondência (Figuras 1 e 2).
Figura 1 - Carta circulada registada de Benguela-Velha / Porto Amboim (07.07.28)  para Mulda / Alemanha (13.08.28) com trânsito por Lisboa (08.08.28) e Freiberg (12.08.28) com a franquia de 2$40 correspondente a: 1$60 pelo primeiro porte (cartas com peso até 20gr) para o estrangeiro + $80 prémio de registo. Registo manuscrito. Selos obliterados com carimbo numérico volante n.º 39.
Figura 2 – Carta circulada de Moçamedes para Novo Redondo (22.12.1929) com trânsito por Benguela Velha / Porto Amboim (20.12.1929) com a franquia de $50 correspondente ao primeiro porte para cartas até 20gr circuladas na Província (Portaria Provincial nº 70 de 12.07.1926, publicada no Boletim Oficial de Angola nº 26 de 17.07.1926)

            Finalmente a partir de meados de 1938 ou 1939 foi distribuído um carimbo com topónimo específico da estação postal, do tipo que podemos apreciar na figura abaixo.
Figura 3 – Carta circulada de Porto Amboim (09.01.1948) para Goteborg / Suécia com trânsito por Lisboa (16.01.1948). Pagou de franquia 1$75 pelo primeiro porte para cartas destinadas ao estrangeiro (peso até 20gr) + sobretaxa de correio aéreo de 5$00 pelo primeiro porte (peso até 5gr) para países da Europa (selo fixo de recurso).

            Não garanto que durante o período que medeia o ano da criação da estação postal até à utilização da marca reproduzida na figura 3 não possa ter existido outro tipo de marca obliteradora, porém eu nunca tive conhecimento da existência de tal marca.


Bibliografia
·         Milheiros, 1972 - Índice Histórico-Corográfico de Angola, IICA
·         Anuário de Angola, 1923
·         Dicionário Corográfico Comercial de Angola, Antonito, 2.ª edição 1948


sábado, 21 de julho de 2012

“Nativos” da Índia * A imperiosa desmistificação


Vista de Goa
Um dos grandes atractivos e de certa forma magia da investigação filatélica, e não só, centra-se na imprevisibilidade da informação que nos vai surgindo, alguma de forma assaz surpreendente. Vem isto a propósito de uma “descoberta” verdadeiramente assombrosa que me deixou estupefacto face ao seu ineditismo.
Em determinado momento do meu trabalho de investigação e pesquisa que vou levando a efeito no Arquivo Histórico Ultramarino, quando a minha disponibilidade de tempo o permite, encontrei a minuta de um ofício datado de 21 de Maio de 1887 do Ministério do Ultramar para os Governadores-Gerais das Colónias acerca das reimpressões ditas de 1885, tema que mais tarde será objecto de um artigo muito interessante. Pelo relativo interesse da matéria tracei uma linha orientadora tendo em vista apurar factos sobre o assunto. Embalado nesse propósito eis que “dou de caras” com um pequeno processo que tratava de assuntos relacionados com os selos “NATIVOS” da Índia. Numa primeira leitura apercebo-me do real e colossal interesse que ele terá no estudo daquelas emissões e que levará garantidamente a que todos os estudiosos da matéria tenham que reequacionar todos os conceitos enraizados durante mais de um século.
José Frederico d'Assa Castel-Branco
Durante décadas, e para muitas gerações de filatelistas, o processo de impressão dos selos “Nativos” foi alvo de alguma polémica e muitas “certezas” e incertezas, chegando a ser chamado à liça um grande mestre da impressão para perante umas folhas completas de selos produzir a sua abalizada opinião. O caricato é que, muitos anos depois, um simples ofício deita por terra todas as “certezas” esgrimidas, com laivos de verdades supremas.
            Vejamos o que escreveram sobre o tema alguns desses estudiosos.
            Segundo Carlos George, no seu artigo “Os selos nativos da Índia Portuguesa”, o desenho foi fornecido pelo Eng.º José Frederico d’Assa Castel-Branco, desenho esse que não seria tão primitivo como a gravura produzida pelo indígena Goindazó, ferreiro da extinta guarda municipal de Goa. O cunho foi gravado em aço e serviu para a confecção de 100 clichés que foram pregados a uma tábua e com esta feita a impressão, e como esta colocação na tábua não podia ser matematicamente exacta, alguns dos estéreos estão um pouco fora do alinhamento. Afirma ainda que os clichés apresentam pequenas divergências, causadas, sem dúvida, pelo uso e mau tratamento. Escreve ainda Carlos George que os algarismos eram impressos numa segunda tiragem. Para isso servia uma outra tábua do mesmo tamanho com cem furos em que colocaram os algarismos necessários em tipo comum. Dizia o autor que as afirmações produzidas, acerca do processo de impressão, se basearam num relatório que lhe foi apresentado, a seu pedido, por um proprietário duma importante oficina tipográfica, que era ao mesmo tempo um filatelista abalizado, suportado na análise de umas quantas folhas inteiras de selos nativos e por consultas a colegas e técnicos.
1871- Quadra 10 reis tipo I
            Joaquim Leote na sua obra “Os selos nativos da Índia Portuguesa * Breves considerações” escreve, que segundo “voz corrente”, as gravuras para a impressão teriam sido feitas em chumbo ou estanho, por meio do punção de Jenardana Goindozó, e depois fixadas por meio de pregos, numa prancha de madeira, com a qual se fazia a impressão. Havia 100 gravuras por folha. Porém não lhe parecia credível tal teoria porquanto a prancha de madeira, com estas dimensões sofreria empenos pelo embate contínuo ao imprimir, e talvez fracturas, e ainda porque se lhe deparavam várias anomalias, de difícil explicação, para o caso da impressão da folha ter sido feita de uma só vez. Leote não aceita linearmente a versão corrente, e no livro “Os Selos Nativos da Índia Portuguesa – Breves considerações na comemoração de um centenário 1871-1971” faz as seguintes interrogações: Não terá a impressão sido feita, selo a selo tal como nessa data se fazia em Lisboa? Não era assim, já bastantes alinhados e uniformemente distanciados entre si, que em Portugal eram impressos os selos de D. Luís I do tipo conhecido por fita direita? Porém a sua actuação quedou-se por esta mera dúvida.
Carta de Margão para Macau (27.11.1872) com selo de 200 reis (Tipo I)
J. N. Marsden num artigo publicado no Stanley Gibson Monthly Journal escreve que a execução do cunho foi entregue a um ferreiro que o produziu em ferro macio ou aço, tendo-se também produzido um conjunto de números que formavam o valor do selo. Um conjunto de tiras de marfim, entrecruzadas entre si, formavam uma espécie de armação com 100 quadrículas que serviam de guia para a impressão dos selos. Diz ainda que os selos eram impressos manualmente um a um e que os números eram impressos numa segunda fase também manualmente. Ainda segundo Marsden para a execução do denteado eram utilizadas tiras de marfim, em que numa das margens eram colocados dentes em forma de serra. Estas tiras eram depois batidas com um maço, produzindo assim o denteado.
1871-72 - Bloco de seis selos de 20 reis tipo II
Numa outra versão, Oswald Andrade escreve no “Postal History Journal” de Junho de 1995 que a imprensa filatélica britânica estava completamente errada no que diz respeito à manufactura destes selos. Em primeiro lugar esclarece que o gravador foi Jonardana, filho de Govid, uma tradicional família de negociantes e manipuladores de metais. Estabelece uma ligação com a actividade de ourives em Goa. Segundo Oswald em Goa utilizavam-se para a manufactura de jóias, blocos de aço de 1 x 1 ½ polegadas onde o gravador esculpia em relevo o desenho na dimensão de 1x1 polegada. Transferiam este relevo por percussão para um bloco de aço macio onde ficava em cavado, sendo de seguida este aço macio endurecido, ficando pronto para o fabrico da jóia onde era depois vasado o material pretendido. Portanto para ele o mais natural foi que o Jonardana optasse por este sistema. Os cunhos seriam estampados nos blocos do metal-tipo, de onde eram produzidos os “clichés” para a impressão. Portanto para se imprimir uma folha de 100 selos, seriam necessários repetir a anterior operação de vazamento 100 vezes, o que segundo ele certamente provocou as irregularidades e deficiências visíveis nos selos. Como a Imprensa Nacional de Goa não tinha pranchas suficientemente grandes para imprimir folhas de 100 selos, ter-se-ão aumentado as chapas existentes colocando-se bordos de madeira.
1873 - Bloco de 900 reis tipo II
J. A. Marinho na obra “Apontamentos sobre selos da Índia Portuguesa” com a sua forma peculiar de apreciação das emissões de nativos dizia que o desenho foi efectuado pelo Eng.º José d’Assa Castel-Branco e os cunhos gravados pelo nativo Goindazó e que a impressão dos selos foi efectuada por Silvestre de Sousa, compositor da Imprensa Nacional em Goa. Estranha-se que um compositor fosse o impressor e desconhece-se onde Marinho colheu a informação. Dizia ainda que os selos foram impressos em folhas de 100 selos (10x10) e nalguns casos de 70 selos (10x7). Esta dimensão da folha é mais uma das novidades que Marinho não faz prova. Num leilão realizado em Lisboa de 4 a 12 de Junho de 1888 foram leiloadas mais de 400 folhas de selos nativos compostas por 100 selos e não consta uma só folha de 70 selos. Segundo o autor os denteados variavam de 12 a 18 e eram apostos por barras de aço em forma de dentes, batidas por maços de madeira. As taxas eram apostas numa segunda impressão. No que respeita aos cunhos a sua opinião é no mínimo surpreendente: “tendo-se esgotado os valores mais baixos da emissão de 1871 (Tipo I) e já deformados ou extraviados os cunhos iniciais, em face da carência evidente destas taxas, em vez de serem reformados ou substituídos os cunhos antigos, foi preferível executarem-se novos cunhos, um pouco diferentes e mais cuidados dos que os da primeira emissão e daqui resultou que, em 1872, foi emitida nova série de selos nativos.”
O que acabamos de ler é nada. Quantos cunhos foram feitos? Segundo ele, vários, não quantificando. Como foi feita a impressão? Um a um ou 70 ou 100 de cada vez como diz serem compostas as folhas? Na verdade é um vazio de informação.
Carta registada de Mormugão (19.07.1885) para Bombaim com seis selos de 6 reis (dois com valor omitido), Tipo III
Do acabamos de ler a maioria dos estudiosos são unânimes em concluir que os selos eram impressos em folhas de 100 exemplares, tendo-se para isso utilizado chapas de madeira onde eram cravados estes estereótipos. Porém destes autores Marsden é o único que envereda pelo fabrico manual de cada selo, utilizando-se para isso um único cunho.
Vejamos agora o que na realidade aparece, sobre o assunto, em documentos oficiais do Arquivo Histórico Ultramarino. Em 27 de Julho de 1888 pelo ofício n.º 220 a Direcção Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes solicita-se à Junta de Fazenda Pública do Estado da Índia o envio para Portugal de todos os cunhos aí existentes que tenham sido utilizados na impressão local de selos e sobrecargas. Este pedido tem a ver com o uso e costume de perante a falta cíclica de selos tipo Coroa produzidos na Cada da Moeda, se preceder à impressão de selos do tipo “nativo” já anteriormente retirados de circulação.
Na presença deste ofício a Junta de Fazenda do Estado da Índia remete àquela repartição o ofício n.º 89 de 25 de Setembro de 1888, que pela sua importância transcrevemos:

Assunto: Informando-se sobre os cunhos existentes que hajam servido para emissão de sellos ou outras fórmulas de franquia retiradas de circulação

Existem recolhidos no thezoureiro publico de Goa, dois cunhos de qualidade igual, porque se facturaram as estampilhas postais desde 1871.
Foram aquelles cunhos posteriormente alterados, sobrepondo-se-lhes uma estrelinha e uma linha e tem sido aproveitados, ainda depois de retirados da circulação os sellos de franquia porque se fizeram, nas ocasiões da falta de estampilhas fornecidas pela casa da moeda de Lisboa.
Não há valor determinado nos ditos cunhos, é este estampado conforme ocorrências, servindo-se dos algarismos de typo da imprensa nacional.
Como se vê estes cunhos tem sido necessários para o serviço e talvez que ainda o serão para o futuro, pede por isso a Junta da Fazenda se digne V. Ex.ª de conserval-os aqui para ocorrer a quaisquer urgências.
É o que cumpre á junta significar a V. Ex.ª, satisfazendo ao officio da direcção geral dos correios, telégrafos e pharoes, n.º 220 de 27 de julho próximo passado.
Deus Guarde a V. Ex.ª
Nova Goa 25 de Setembro de 1888
Ilmo. Exmo. Sr. Ministro e Secretário d’estado dos negócios da marinha e ultramar

            Este ofício é muito elucidativo sobre vários aspectos da impressão dos selos “nativos” da Índia Portuguesa e não só. Assim temos:
1.      Só existiram dois cunhos (Tipo I e II) para a impressão dos selos mandados executar em 1871 e com os quais se imprimiram os primeiros selos nativos.
2.      Estes cunhos foram posteriormente alterados tendo-se-lhe sobreposto uma estrela e um traço a interromper as linhas abaixo da palavra “reis”. (Tipo III)
3.      Só esses cunhos serviram para a impressão. Não serviram para a partir deles se produzir “clichés” como até agora eram quase unânimes as opiniões dos estudiosos.
4.      Os selos eram feitos um a um manualmente.
5.      Poder-se-á garantidamente ter-se utilizado uma grelha orientadora para o batimento do cunho de tal forma que os selos ficassem alinhados para facilitar o processo de dentear.
6.      Os cunhos eram utilizados para imprimir todos os valores das emissões, diferenciados apenas pelas respectivas cores.
7.      Numa segunda impressão eram impressos os respectivos valores (um a um) com tipos da Imprensa Nacional de Goa.
8.      Na falta ou atraso dos fornecimentos de selos então em vigor produzidos na Casa da Moeda era hábito proceder-se ao fabrico de mais selos “nativos”.
9.      Só assim se justifica as divergências, imperfeições e defeitos, tão habituais neste tipo selos.
10.  A descoberta deste documento obrigará à reformulação de conceitos e de teorias que durante cerca de cem anos foram sendo produzidos. Não sou especialista na matéria, pelo que não me vou debruçar sobre isso, apenas me limito a dar a conhecer esta informação.
11.  Estes cunhos sujeitos a grande desgaste terão sido muitas vezes retocados, justificando-se assim uma grande diversidade de tipos, alguns deles injustamente apelidados de “falsos”, porque à luz das teorias enraizadas dificilmente se justificavam o seu aparecimento.
Entretanto o Ministério do Ultramar e a Direcção Geral dos Correios não foram sensíveis ao pedido da Junta de Fazenda da Índia para que os cunhos se mantivessem em Goa, prevendo a sua utilização em caso de falta de selos. Pelo Ofício n.º 331 desta repartição foi imposta a obrigatoriedade de os cunhos virem para Lisboa.
Em 27 de Novembro de 1888 a Junta de Fazenda pelo seu ofício n.º 30, que abaixo se reproduz, informa que remeteu numa “caixinha” os dois cunhos. Neste ofício estão manuscritas a lápis as seguintes duas notas:
“Vai a caixinha na pasta fechada como veio L 18/12/88”
“A caixa a que se refere o presente officio está em meu poder para ter o destino que for determinado”.
            Por estas duas notas pode-se deduzir que a caixa com os dois cunhos chegou a Lisboa numa data próxima de 18.12.1888. Não se consegue descortinar quem ficou responsável pela guarda dos cunhos, nem que destino lhes foi dado. Espero que não tenham sido destruídos e que um dia possam ser encontrados perdidos algures. Será “ouro sobre azul” para os amantes da Filatelia e particularmente para os que dedicam ao estudo dos “nativos” da Índia.
Como atrás afirmamos esta documentação vem definitivamente repor a verdade dos factos, terminando com uma teoria ancestral. Malgrado alguns defeitos que se tenta colar a Marsden, o certo é que foi o único estudioso, que no seu tempo, previu (com conhecimento de causa ou não) que a impressão dos selos era feita manualmente um a um.
A terminar dedico este meu artigo a todos aqueles “filatelistas iluminados” que com régua e esquadro milimétricos se entretêm a medir sobrecargas locais, ou que munidos de microscópios se entretêm a ver se “a orelha de um elefante tem um “pelo” a mais ou a menos”, para de seguida com grande exultação virem proclamar ao “Mundo” que descobriram mais “um falso”. E ainda àqueles que com teorias absurdas e sem conhecimento exacto dos factos, editam livros que se propõem identificar uns quantos falsos que de falsos nada têm.
      Amantes dos selos “nativos” é chegada a hora de voltar a reescrever a sua história. Divirtam-se………


Bibliografia
·         C. George, 1944 – Reimpressões de vários artigos sobre selos de Portugal e Colónias
·         Leote, 1997 - Os selos nativos da Índia Portuguesa * Breves considerações
·         Arquivo Histórico Ultramarino – Cota 2686, 2688, 2689, 2690 SEMU DGU CX 1887-1909 Leilão e venda de selos
·         Dores, 1997 Boletim CFP 375
·         Marinho, Apontamentos selos da Índia Portuguesa, Luanda 1964
·         Leote, Os Selos Nativos da Índia Portuguesa – Breves considerações na comemoração de um centenário 1871-1971
Imagens dos selos reproduzidas do livro “Os selos nativos da Índia Portuguesa de Joaquim Leote