domingo, 3 de março de 2013

Angola - Subsídios para o estudo do correio aéreo (1)

            No último artigo aqui publicado sob o título “Angola – Sobretaxa aérea interna” dei conta da inauguração oficial da ligação aérea entre Luanda – Ponta Negra realizada pelos aviões do Aero Clube de Angola. Esta ligação essencialmente direccionada para o transporte de correspondências permitia que em conexão com a ligação da Air-Afrique, via Niamey – Marselha, essa correspondência tivesse um percurso totalmente aéreo para a Europa. Ultrapassava-se assim um problema que há anos subsistia em Angola que o era o do transporte para o exterior por via aérea das suas correspondências postais.
            Nesse mesmo artigo focamos a problemática da tarifação das correspondências tendo-se notado a característica “sui generis” do estabelecimento de uma sobretaxa aérea extraordinária com a finalidade de custear o transporte dessas correspondências no percurso entre Luanda e Ponta Negra. A tarifação era mista, com os portes ordinários e os serviços acessórios a serem pagos por meio de selos postais e a sobretaxa aérea a ser liquidada em dinheiro, sendo apensas aos sobrescritos etiquetas Mod 264-A com a inscrição manuscrita do porte em francos-ouro.

            Porém, este tipo de tarifação, depressa foi alterado porque para além de ser mais morosa exigia aos funcionários postais conhecimentos de ordem geral que a maioria não possuía.

            Um dos grandes problemas com que me tenho deparado no estudo que vou fazendo do desenvolvimento do correio aéreo em Angola, é o da inexistência de fontes primárias de onde se possa obter as tabelas de porte das sobretaxas do correio aéreo. Enigmaticamente, nem nos Boletins Oficiais de Angola, nem em quaisquer outras publicações dos CTT de Angola conhecidas, essas tabelas estão publicadas. Apenas nos jornais da época e de forma avulsa vamos encontrando pequenas referências à sobretaxa aérea devida para destinos muito restritos, na maioria dos casos para o correio com destino a Europa. E é fazendo fé nas notícias dos periódicos que vou tentando montar um puzzle muito difícil e que em muitos casos notamos a falta de várias peças.

            E é navegando um pouco “à vista” que agora trago ao conhecimento a notícia inserta do jornal “A Província de Angola” de 18 de Março de 1939 que abaixo reproduzo:

Figura 1
            A notícia em questão permite-nos tirar algumas informações importantes sobre o encaminhamento das correspondências por via aérea e sobre a sua tarifação. Assim segundo a informação prestada pela Repartição Central dos Correios e Telégrafos percebemos que:
  • A partir dessa data passam a existir duas vias de encaminhamento das correspondências: uma via Ponta Negra – Niamey – Marselha e outra via Ponta Negra – Dakar – Casablanca – Tanger, com conexão à ligação Tanger – Lisboa pela Aero Portuguesa (Mapa 1).
Mapa 1
 
  • Na primeira via de encaminhamento as cartas pagariam uma sobretaxa aérea de 4,00 Ags por cada 5 gramas ou fracção, e na segunda via pagariam 5,00 Ags por cada 5 gramas ou fracção.
  • Embora mais onerosa a ligação via Tanger era aquela que melhor servia os interesses da população angolana, porque permitia que as correspondências chegassem ao seu destino (Portugal) de forma mais célere.
  • As tarifas apresentadas apenas dizem respeito às correspondências permutadas entre Angola e a Europa e continuamos no desconhecimento das reais tabelas de portes para outros destinos que não aquele.
  • Pela comunicação da Repartição dos Correios e Telégrafos permite-nos afirmar que a partir dessa data, no mínimo, deixou-se se aplicar a tarifação mista “selos postais / etiquetas Mod. 264-A” sendo os portes ordinários, serviços acessórios e sobretaxa aérea integralmente pagos por selos postais a afixar nos sobrescritos.

Passarei agora a apresentar algumas cartas permutadas durante o período em análise procurando elencar um conjunto de situações em que os regulamentos e as comunicações foram respeitados ou não.

No primeiro caso (Fig. 2) temos uma carta registada circulada do Lucala (17.01.39) para a Bélgica com trânsito por Luanda e por Ponta Negra (19.01.39). Em manuscrito e a tinta preta apresenta a indicação do registo n.º 1 daquela estação. Por conhecimento de outros casos este poderá ter sido o primeiro registo de correio aéreo desta estação postal. Embora sem fonte primária que permita uma afirmação categórica temos verificado que sempre que numa estação é estabelecido o serviço de permutas de cartas por via aérea é estabelecida uma numeração autónoma para os registos remetidos por essa via. A carta pesando 5g (manuscrito a lápis) foi franquiada com 7,40 Ags correspondente a:
            Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
            Prémio de registo                                            2,00 Ags
            1.º porte sobretaxa aérea (até 5g)               3,60 Ags
                                   Total                                                  7,35 Ags
Figura 2

            Se verificarmos o verso do sobrescrito notamos que a lápis se encontra inscrito o porte a pagar de 7,35 Ags. Era do conhecimento dos funcionários postais do montante do porte a pagar de 7,35 Ags e se foram aplicados na carta selos no valor de 7,40 Ags a única razão que explica o diferencial prende-se com o facto de não haver na estação postal selos de 0,05 Ags para perfazer o porte. A etiqueta Mod. 264-A aplicada apenas serve como indicação de que a correspondência seguirá por via aérea não tendo sido manuscrito qualquer porte em francos-ouro.

            Esta carta permite-nos tirar duas ilações principais: Em 17 de Janeiro de 1939 ainda estava em vigor a sobretaxa aérea determinada em Outubro de 1938, porém a franquia de todos os serviços assim como a sobretaxa passou a ser paga em selos postais, abandonando-se o sistema de franquia mista.

            A segunda carta (Fig. 3) é remetida de Luanda (22.03.39) para a Alemanha, com trânsito por Ponta Negra (25.03.39) com a franquia total de 16,75 Ags e peso manuscrito de 13g correspondente a:

                        Porte ordinário (cartas até 20g)                      1,75 Ags
                        3.º porte da sobretaxa aérea via Tânger     15,00 Ags
                                               Total                                                  16,75 Ags
Figura 3

            Inicialmente a carta tinha a inscrição dactilografada “Via Pointe Noire / Marseille” e posteriormente alterada a manuscrito para “Tanger”.
            A terceira carta (Fig. 4) é remetida registada de Luanda (17.05.39) para Lisboa (25.05.39) com trânsito por Ponta Negra (18.05.39) com o peso de 5g, inscrição manuscrita “Via Tanger” e com o porte total de 8,75 Ags correspondente a:
                        Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
                        Prémio de registo                                             2,00 Ags
                        1.º porte sobretaxa aérea via Tânger           5,00 Ags
                                               Total                                                    8,75 Ags
Figura 4

            Da análise destas três cartas permite-nos alguns considerandos pertinentes:
  • A partir de Janeiro ter-se-á iniciado a franquia das cartas apenas com selos postais em detrimento da franquia mista com recurso às etiquetas Mod. 264-A.
  • A sobretaxa aérea a cobrar para os países europeus era igual para qualquer deles. Tanto se pagava 5,00 Ags para a Alemanha (Fig. 3) como para Portugal (Fig.4)
  • Entende-se que as cartas remetidas para Portugal pudessem utilizar a via de Tânger por ser a mais directa, pois usufruíam da ligação da Aero Portuguesa de Tânger para Lisboa, embora mais cara em termos de franquia. Suportava-se um custo mais oneroso com proveito no tempo de trânsito das correspondências. O mesmo já não se percebe que a carta da Fig. 3 tivesse circulado via Tânger quando a via Niamey-Marselha significativamente mais económica também era mais aconselhável quanto à duração da ligação aérea.

A carta da Figura 5 com a inscrição manuscrita “Pelo avião / Via: Ponta Negra – Marseille”, circulou do Lobito (03.04.39) para a Alemanha com trânsito por Ponta Negra (07.04.39), com o peso manuscrito de 8g e com a franquia total de 9,80 Ags correspondente:
            Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
            2.º porte sobretaxa aérea via Marselha
            (peso até 10g)            2x4.00 Ags                   8,00 Ags
                                   Total                                                  9,75 Ags
Figura 5

Verificamos que a carta tem um excesso de franquia de 0,05 Ags que como temos vindo a afirmar é despicienda na análise e que resulta do facto da falta de selos de valores inferiores nas estações postais. Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A (aparada) apenas como etiqueta informativa da via em que seguia a carta.

No seguinte exemplo da figura 6 temos uma carta registada, com o peso de 22g remetida de Nova Lisboa (25.02.39) para a Checoslováquia / Praga (16.03.39) com trânsito pelo Lobito (29.02.39), Ponta Negra (02.03.39). Não aparece inscrita qualquer menção da via a seguir e apresenta uma franquia total em selos postais de 22,75 Ags correspondente a:
            1.º porte ordinário (cartas até 20g)                1,75 Ags
            2.º porte ordinário (de 21 a 40g)                     1,00 Ags
            Prémio de registo                                                2,00 Ags
            5.º porte da sobretaxa aérea 3,60x5             18,00 Ags
                                   Total                                                  22,75 Ags
Figura 6

Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A apenas como informativa da via em que seguia a correspondência. Este exemplar á apresentado como prova de que tendo-se abandonado a franquia mista no correio aéreo em finais de Fevereiro apenas existia uma via de encaminhamento da correspondência (por Marselha) e que a tabela de portes a aplicar na sobretaxa aérea ainda era a aprovada em Outubro de 1938 e que portanto temos que aceitar como fidedigna a notícia do jornal “A Província de Angola” de 18.03.1939 atrás reproduzida como data provável do início do encaminhamento das correspondências pelas duas vias e com a nova tabela de portes para a sobretaxa aérea.

Na figura 7 apresenta-se um dos casos de má aplicação dos regulamentos e da falta de conhecimentos e capacidade profissional dos funcionários postais de algumas das estações postais angolanas. A carta, com o peso de 3g, é remetida de Silva Porto (14.04.39) para Paris (27.04.39) com trânsito pelo Lobito (16.04.39) e por Ponta Negra (20.04.39), estando portanto dentro do período de vigência da tabela de portes apresentada na figura 1. Apresenta no verso a franquia de 4,00 Ags em selos postais e no frontispício uma etiqueta Mod. 264-A com o porte inicialmente manuscrito de 0,49 franco-ouro e depois emendado a vermelho para 0,45 franco-ouro, assim como um selo no valor de 1,75 Ags. No total temos uma franquia mista composta por 5,75 Ags em selos postais e de 0,45 franco-ouro em etiqueta Mod. 264-A que cumulativamente poderiam pagariam os seguintes serviços.
            Franquia em selos
            Porte ordinário (cartas até 20g)                                1,75 Ags
            1.º porte sobretaxa aérea via Marselha                  4,00 Ags
                                   Total                                                              5,75 Ags
            Franquia da etiqueta Mod. 264-A
            1.º porte da sobretaxa aérea P. Negra-Paris            0,32f
            1.º porte da sobretaxa aérea Luanda-P. Negra        0,08f
            Excesso de porte                                                            0,05f
                                   Tota                                                               0,45 f
Figura 7

Este exercício é meramente académico e especulativo porque o que temos na realidade é um caso de mau profissionalismo e desconhecimentos das regras elementares do bom exercício da actividade. Embora a carta não mencione ela foi encaminhada por via aérea para Paris via Ponta Negra – Marselha, o que faz sentido por ser a via mais directa, e como tal pagou de sobretaxa aérea o primeiro porte correspondente ao seu peso de 3g no valor de 4,00 Ags acrescendo o primeiro porte do correio ordinário para cartas remetidas para países estrangeiros (peso até 20g) no valor de 1$75, de acordo com a tabela de portes da figura 1. Atendendo à franquia em selos a carta está correctamente franquiada para o destino e via aconselhável. O que não se compreende á aplicação da etiqueta Mod. 264-A com o porte correspondente à sobretaxa aérea de 0,45f. Este porte era o devido na vigência da anterior tabela de portes e correspondia ao primeiro porte da sobretaxa aérea (peso até 5g) para países da Europa com excepção de França e Córsega e para o percurso de Ponta Negra a Paris no valor de 0,37f ao qual acrescia o primeiro porte (peso até 5g) da sobretaxa aérea pelo percurso de Luanda a Ponta Negra no valor de 0,08f.

Provavelmente nunca saberemos se foi cobrada a sobretaxa aérea em duplicado ou se apenas se tratou de afixação inócua da etiqueta Mod. 264-A. Na verdade é que, num caso ou no outro, tal erro acaba por nos tempos actuais vir a suscitar dúvidas aos acérrimos defensores dos regulamentos postais, que não entendem, nem querem muitas vezes entenderem, que os serviços postais coloniais funcionavam com enormes carências no que respeita a ao seu pessoal, que na maioria eram quase que iletrados, e mal sabiam fazer uma interpretação correcta da mais singular circular.

Porém Silva Porto na época era uma pequena e recém-criada (1935) cidade do interior e como tal mal servida no que respeita a repartições pública, mas o mesmo já não se pode aceitar no caso da carta que se apresenta na figura 8 oriunda de Luanda. A carta circulou registada de Luanda (01.02.1939) para Lisboa (10.02.39) com trânsito por Ponta Negra (02.02.39) e com o peso de 7g manuscrito no frontispício, portanto enquadrada pela tabela aprovada em Outubro de 1938 e teria de ser franquiada do seguinte modo:
                Porte ordinário (peso até 20g)                                    1,75
                        Prémio de registo                                                    2,00
                        Sobretaxa do correio aéreo (dois portes)
                                   Trajecto interno 2x0,08fx8,00Ag                  1,28
                                   Trajecto exterior 2x0,37x8,00Ag                  5,92
                                                           Total                                                  10,95
Figura 8

            Porém a carta apenas foi franquiada com 6,95 Ags estando em falta o valor de 4,00 Ags.

            Pelo que relatei, e em resumo, direi que estudo do correio aéreo de Angola implica doses elevadas de paciência na pesquisa das fontes primárias, porque não são fáceis de se encontrar ou porque simplesmente não existem. É um trabalho moroso. É um edifício para ser construído lentamente, pedra a pedra em local onde apenas existe o quase “nada”. Este é mais um contributo para a sua edificação.

 
Bibliografia
                        Jornal “A Província de Angola”
                        Angola – Sobretaxa aérea interna, in mala-posta1.blogspot.com
                        Intercontinental Airmails * Volume Three * África de Edward B. Proud
                        Notas sobre o Correio Aéreo Português de João Manuel Lopes Soeiro
 

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Angola - Sobretaxa aérea interna


Emblema Aero Clube de Angola
Em 27 de Outubro de 1938 largou de Luanda com destino a Ponta Negra o avião S. Tomé (um Tiger Moth) do Aero Clube de Angola, sendo por ele expedidas as primeiras malas de correio por via aérea oriundas de Angola. Em 24 de Junho de 1936 quando se iniciou indirectamente a remessa de correio por via aérea o percurso desde Luanda até Leopoldville era efectuado por uma carrinha alugada à empresa SAPIC.

            Inaugurou-se assim oficialmente as carreiras aéreas do serviço aero-postal na Colónia, com ligação para o exterior por intermédio de Ponta Negra na África Equatorial Francesa. Todas as correspondências que se destinassem a Ponta Negra, para dali serem reexpedidas em avião, pagavam para além do porte ordinário referente ao país de destino, uma sobretaxa referente ao transporte aéreo.

            Tendo surgido na época dúvidas sobre o valor da sobretaxa aérea a pagar, a Repartição Central dos Correios e Telégrafos de Angola fez publicar no Diário de Luanda de 8 de Novembro de 1938 o seguinte esclarecimento:
            “A fim de elucidar o público sobre a cobrança da sobretaxa Avião das correspondências a expedir pela via aérea por intermédio da África Equatorial Francesa, muito agradecemos a V.Ex.ª a fineza de, por intermédio do seu conceituado jornal, esclarecer que a cobrança daquela sobretaxa é feita de acordo com as tabelas fornecidas pelas respectivas administrações:
            E como há a pagar o transporte extraordinário para a transmissão de tais correspondências á África Equatorial Francesa, houve necessidade de sobrecarregar as taxas dadas com a quantia de francos ouro 0,08 por cada 5 gramas.
            Nestas condições uma carta para a Europa paga aos correios da África Equatorial Francesa por cada 5 gramas ou fracção, a quantia de francos ouro 0,37 que sobrecarregada com os franco ouro 0,08 dá o total de Francos ouro 0,45.
            O valor do franco ouro para os Serviços de Correios, está computado em Angolares 8,00. Assim uma carta do escalão de 5 gramas de peso passa a pagar em moeda local a quantia de Ang. 3,60 da sobretaxa Avião”.

            O que se depreende deste esclarecimento prestado pela Repartição Central é que se deveria considerar dois tipos de sobretaxa de correio aéreo em cartas remetidas da Colónia: uma de 0,37 francos ouro a pagar aos correios da África Equatorial Francesa e outra de 0,08 de francos ouro (ou seja de 64c) correspondente aos custos a suportar pelo contrato assinado entre o Governo da Colónia e o Aero Clube de Angola pelo transporte das correspondências entre Luanda e Ponta Negra.

Em 24 Novembro 1938 em notícia inserta no Diário de Luanda este jornal apresenta exemplos mais concretos de tarifação das correspondências remetidas por via aérea.

Correio Aéreo
Taxas e sobretaxas para a Europa
            Para França e Córsega
                        Franquia postal
                                   Até 20 gramas                                                                       1$75
                                   Cada 20 gramas ou fracção a mais                                      1$00
                        Importância a entregar no “guichet” – sobretaxa avião
                                   Por cada 5 gramas ou fracção                                              2$56
                                   Pelo percurso Luanda – Ponta Negra                                     $64
                        Registo                                                                                             2$00
            Para restantes países da Europa
                        Franquia postal                                                        
                                   Até 20 gramas                                                                       1$75
                                   Cada 20 gramas ou fracção a mais                                      1$00
                        Importância a entregar no “guichet” – sobretaxa avião
                                   Por cada 5 gramas ou fracção                                              2$96
                                   Pelo percurso Luanda – Ponta Negra                                     $64
                        Registo                                                                                             2$00

Aplicando o câmbio de 8$00 por franco ouro teríamos que uma carta para França e Córsega pagaria 0,32 de franco ouro pelo percurso de Ponta Negra até ao destino + 0,08 pelo percurso Luanda – Ponta Negra num total de 0,40 de franco ouro por cada 5g ou fracção. Uma carta para os restantes países europeus, incluindo Portugal, pagaria 0,37 + 0,08 pelos mesmos percursos num total de 0,45 de franco ouro, por cada 5g ou fracção. Para além deste valor que deveria ser pago em dinheiro, (sendo o porte lançado na carta através sa aposição de uma etiqueta Mod. 264-A) as cartas deveriam ser franquiadas com selos correspondente ao porte ordinário no valor de 1$75 para os primeiros 20g de peso e de 1$00 por cada fracção de 20g acima daquele peso. Como as cartas remetidas para Portugal transitavam por um país estrangeiro aplicam-se os mesmos valores para o porte ordinário.

            Vem este tema a propósito por há pouco tempo ter adquirido através dos leilões da Ebay uma carta que numa primeira instância seria interessante porque foi transmitida num dos primeiros voos efectuados pelo Aero Clube. Mais concretamente a carta com o peso de 5g (Fig. 1) foi remetida de Luanda a 16 de Novembro de 1938 (4.º voo do Aero Clube de Angola) para Colmar em França com trânsito por Ponta Negra (17.11.1938). Recebida a carta fez-se o estudo da mesma e verifica-se que ela está perfeitamente enquadrada com as tabelas de porte em vigor. Pagou de porte ordinário em selos o valor de 1$75 (peso até 20g) e 0,40 de franco ouro em etiqueta mod 264-A pela sobretaxa de correio aéreo correspondente a: 0,08f pelo trajecto Luanda-Ponta Negra e 0,32f pelo trajecto de Ponta Negra-França.
Figura 1
            Perguntar-se-á porque razão uma carta que cumpre com o regulamentado pode assumir um carácter extraordinário? A verdade é que a aplicação dos regulamentos não foi fácil pelo que veremos a seguir. São invulgares as cartas correctamente tarifadas. Na generalidade dos casos não foi aplicada a sobretaxa interna do correio aéreo, principalmente na estação postal do Lobito. São invulgares as cartas correctamente tarifadas, no período que medeia emtre 28 de Outubro de 1938 e 28 de Fevereiro de 1939 (quatro meses).

            Vejamos agora alguns exemplos. Na figura 2 temos uma carta remetida do Lobito (08.11.38) para a Alemanha, com trânsito por Luanda (09.11.38) e Ponta Negra (10.11.38) no terceiro voo do Aero Clube de Angola. Com o peso de 4g manuscrito, pagou de porte ordinário 1$75 (peso até 20g) + 0,37f (peso até 5g) manuscrito em etiqueta Mod. 264-A, pagando a sobretaxa aérea correspondente ao percurso de Ponta Negra ao destino, de acordo com a tabela anteriormente apresentada. Ficou portanto por pagar a sobretaxa de 0,08f correspondente ao percurso interno. Poder-se-á alegar que tendo o esclarecimento público da Repartição dos Correios sido divulgado a 8 de Novembro de 1938, não tenha em tempo útil chegado ao conhecimento do Chefe de Estação do Lobito.
Figura 2
            Na figura 3 temos outra carta remetida do Lobito (29.11.38) para a Inglaterra, com trânsito por Luanda e Ponta Negra (08.12.38) no sétimo voo do Aero Clube de Angola. Tal como no anterior exemplo a carta com o peso de 3g manuscrito pagou de porte ordinário 1$75 (peso até 20g) + 0,37f (peso até 5g) manuscrito em etiqueta Mod. 264-A, pagando a sobretaxa aérea correspondente ao percurso de Ponta Negra ao destino. Ficou novamente e inexplicavelmente por pagar a sobretaxa aérea interna no valor de 0,08f.
Figura 3
            Na figura 4 temos um exemplo caricato. A carta com o peso manuscrito de 4g foi remetida do Lobito (08.01.1939) para Lisboa (19.01.39) com trânsito por Luanda e Ponta Negra (12.01.39) no 12.º voo do Aero Clube de Angola. A carta foi franquiada com selos no valor de 5$40 e ainda com a etiqueta Mod 264-A com o valor manuscrito de 0,37f. Ao câmbio da época e em valor local a carta deveria ter pago os seguintes valores:

            Porte ordinário (peso até 20g)                      1$75
            Sobretaxa do correio aéreo
                        Trajecto interno 0,08fx8,00Ag            $64
                        Trajecto exterior 0,37x8,00Ag          2$96
                                   Total                                           5$35

            Tendo em conta os selos aplicados eles pagaram o porte ordinário + sobretaxa aérea interna + sobretaxa aérea externa, existindo um excesso de porte de $05 normal e usual na época e despiciendo na análise. Porém não faz sentido a aplicação da etiqueta Mod. 264-A com o porte manuscrito de 0,37f, uma vez que o porte foi na totalidade pago através de selos postais. Esta apenas deve ser considerada a título meramente estatístico para cálculo dos pagamentos a efectuar à administração postal da África Equatorial Francesa, pelo transporte da correspondência por via aérea.
Figura 4
            Pelo que apresentamos verifica-se que nos tempos actuais temos que ser muito cautelosos na análise das correspondências de determinadas épocas, remetidas das nossas colónias. A aplicação dos regulamentos era avulsa e deficiente. Não havia coordenação dos serviços postais e muitas vezes os funcionários das estações postais não tinham capacidade profissional para analisar e aplicar as determinações emanadas das instâncias superiores.

            Porém deste pequeno apontamento fica a menção da existência de uma sobretaxa aérea interna em Angola para cartas remetidas para o estrangeiro, a acrescer às tabelas aprovadas no âmbito da UPU.

Bibliografia
                        Diário de Luanda

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Angola - Correio acidentado * Sinistro da Sabena (3)


Avião Marchetti S73 sinistrado
            Mais uma vez reforço a ideia de que é diminuto o número de correspondências sinistradas circuladas desde Angola ou para aí remetidas. Raramente estas correspondências aparecem à venda e quando aparecem são muito requisitadas tendo em conta a sua invulgar raridade. Em Novembro do ano passado tive a oportunidade de obter mais um desses exemplares num leilão realizado no Porto e fiquei agradavelmente surpreendido pela módica quantia paga pelo exemplar. É certo que o exemplar em questão tem a marca alusiva ao acidente muito mal batida, porém é e será sempre um exemplar filatélico de extrema raridade. Enfim fiquei bastante agradado pela sua aquisição e principalmente por poder fazer parte da minha colecção de correio aéreo de Angola.

Marchetti S73 em reparação
            Trata-se de mais um acidente aéreo com um dos aviões da companhia de aviação belga SABENA que fazia a ligação do Congo Belga para a Bélgica. O avião na sua rota com destino a Bruxelas, levantou voo de Gao com destino a Oran em mais uma das diversas ligações previstas e, quando se preparava para a sua aterragem na pista desta última cidade despenhou-se 10 kms a sul do aeroporto tendo provocado a morte dos 4 membros da tripulação e dos 8 passageiros que transportava. Não conseguimos apurar quais as falhas técnicas ou erros humanos que determinaram a queda da aeronave.

            De seguida apresenta-se a ficha técnica sobre o acidente e das características da aeronave sinistrada:


Ficha técnica
Data: 26 de Janeiro de 1937
Interior do avião Marchetti S73
Hora: Cerca das 17H30
Local do acidente: Oran (Argélia)
Avião: Marchetti S73, construído pela Savoia-Marchetti
Companhia de bandeira: SABENA
Matrícula: OO-AGR
Carreira: Leopoldville – Bruxelas
Piloto: Comandante Closset Aug.
Tripulação: 3 pilotos e 1 assistentes de bordo – todos mortos
Passageiros: 8 – todos mortos
Motores: Três motores Alfa Romeo 126 RC.34, de 750cv cada um
Velocidade máxima: 325 kms/h
Velocidade cruzeiro: 280 kms/h
Capacidade máxima: 18 passageiros
Comprimento: 18,37 m
Envergadura: 24,00 m
Alcance: 1.000 Kms
1.º Voo de ensaio: 4 de Junho de 1934
Início de utilização comercial: 1935

O avião Marchetti S73 foi o primeiro da geração de trimotores fabricados por Alessandro Marchetti, cujo início teve lugar no ano de 1933, mas só em 4 de Junho de 1934 realizou o seu primeiro voo de ensaio desde a base situada em Cameri (Novara). A Sabena foi uma das empresas que maior número de aviões adquiriu desta série, num total de 12 aeronaves. Comercialmente este tipo de avião apenas começou a operar em 1935.
Mapa assinalando a rota e local do acidente

Do acidente foi recuperada uma grande parte da correspondência, alguma com grandes danos. A correspondência foi marcada com diversos tipo de carimbos e marcas alusivos ao acidente. A maioria dessas marcas foi colocada em França. No caso do exemplar que apresentamos foi usado um carimbo de borracha com o texto em três linhas batido a vermelho: Courrier aèrien SABENA / accidenté / ORAN 28 janvier 1937. Esta marca também aparece batida a preto.

Provavelmente esta marca já terá sido aposta em Bruxelas. Henri Nierinck na sua obra “Recovered Mail 1937/1988” não especifica em que local foi aplicada a marca, porém como a carta era dirigida a Bruxelas faz todo o sentido que a aplicação do carimbo tivesse lugar aí.

O sobrescrito da Fig.1 fez parte do correio sinistrado. Foi remetido registado do Dundo / Portugália (19.01.37) e por via terrestre para Tshikapa (20.01.1937), de onde foi transportado para Leopoldville por via aérea e pela Sabena. A mesma companhia aérea transportou-a de Leopoldville para Bruxelas, percurso em que se verificou o acidente aéreo.
Fig. 1 - Frente e pormenor
 
            Na frente do sobrescrito levou a franquia em selos postais de 5,80 Ags correspondente a: 2,00 Ags pelo prémio de registo + 1,75 Ags pelo primeiro porte do correio ordinário para países estrangeiros (cartas com peso até 20g) + 2,00 Ags pelos 2.º e 3.º portes do correio ordinário para cartas com o peso entre 41 a 60g + 0,05 Ags de excesso de porte (muito habitual nas correspondências de Angola neste período).
Fig. 1 - Verso
 
            No verso foi aplicada uma etiqueta Mod 264-A, com a inscrição manuscrita do peso da carta (45 grs), assim como a sobretaxa de correio aéreo no valor de 4,32 ff, correspondente ao 9.º porte da sobretaxa (0,48ff x 9 = 4,32 ff).

Bibliografia
·         Recovered mail (1937-1988), 1996, Henri L. Nierinck
·         Histoire du Service Postal au Congo Belge (1886-1960) – Tome I, 2002, Roger Gallant