quarta-feira, 27 de junho de 2012

S. Tomé e Príncipe - Sobretaxa de 5 sobre 10 reis



S. Tomé - Alfandega e Porto
            Num recente apontamento, aqui publicado, tive a oportunidade de dar a conhecer o caricato episódio, sobre a necessidade da utilização de selos bipartidos no Príncipe como recurso à falta generalizada de selos postais, na estação daquela localidade santomense.
            Pelo estudo que se tem feito sobre a actuação do Administrador dos Correios de São Tomé, Joaquim Augusto da Silva, podemos quase assegurar que esse episódio poderá terá sido o balão de ensaio para uma acção mercantilista generalizada, com base na produção de sobretaxas em selos de S. Tomé e Príncipe.
            A Portaria de 26 de Setembro de 1888 veio regulamentar a requisição de selos postais por parte das Repartições de Fazenda provinciais. Estipulava o artigo n.º 1 que no início de cada trimestre se deveria proceder à requisição dos selos necessários ao consumo de três. Porém o artigo n.º 2 previa a existência de um depósito de selos e outras fórmulas de franquia para um consumo provável de seis meses. A conjugação destes dois artigos determinava que houvesse sempre um depósito de garantia que permitisse suprir consumos extraordinários, tendo em vista a erradicação das medidas que se tomavam, com alguma regularidade, de se sobretaxar selos em situação de quebras de stocks.
            Dando cumprimento ao regulamentado na citada Portaria, a Repartição de Fazenda de S. Tomé e Príncipe requisitou no início do 1.º trimestre de 1889 (trimestre imediato à publicação da Portaria) as seguintes quantidades de selos:
            Porém no que concerne ao 2.º e 3.º trimestre não se procedeu à requisição de qualquer quantidades de selos, contrariando assim o espírito da citada portaria.
            É pois inexplicável o facto de através do Boletim Oficial do Governo da Província de S. Tomé e Príncipe n.º 34 de 24 de Agosto de 1899 se ter publicado um aviso da Administração dos Correios informando que por ordem superior tinha-se resolvido sobretaxar com 5 reis alguns selos de 10 reis para ocorrer a necessidades de serviço.
            Com este acto dá-se início a uma descarada sucessão de emissões especulativas de selos, tendo como seu mentor o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe. Com este tipo de actuação obteve proveitos chorudos, explorando a apetência dos filatelistas da época pelas variedades filatélicas. Os conceitos de coleccionismo filatélico eram muito diferenciados em relação aos da actualidade. A importância das colecções media-se pelo maior número de variedades filatélicas apresentadas.
A não requisição atempada dos selos, deu azo a que este funcionário pressionando o Governo-Geral se permitisse fazer as emissões que entendesse. A decisão de mandar sobretaxar os selos é da responsabilidade do Governador a pedido do Administrador. Só depois de consumado o facto é que era dado conhecimento ao Ministério do Ultramar, pedindo-se a seu acordo, tendo em conta a situação de emergência e o interesse do público.

            Normalmente, a comunicação desta ocorrência ás entidades superiores, era feita por duas vias. A primeira, e no caso apresentado, através do ofício n.º 96 de 23.08.1889 do Administrador dos Correios de S., Tomé e Príncipe para o Conselheiro Director Geral dos Correios Telégraphos e Pharoes, nos seguintes termos:
Tenho a honra de informar a V. Ex.ª que não havendo na província sellos postaes da taxa de 5 reis, e havendo um numero grande de sellos postaes da taxa de 10 reis, esta administração propoz ao Exm.º Governador da província para carimbar na imprensa nacional, e com a taxa de 5 reis, mil da taxa de 10 reis, para não prejudicar o publico e bem assim o regular andamento do serviço. Dos sellos referidos tenho a honra de passar às mãos de V. Ex.ª um exemplar.
Deus guarde a V. Ex.ª.
O Administrador
Joaquim Augusto da Silva
            A segunda pelo ofício n.º 169 de 26 de Agosto de 1899 do Governador-Geral da Província de S. Tomé e Príncipe para o Conselheiro Ministro e Secretario de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, com o seguinte teor:
Objecto: Communico que foram mandados carimbar com a taxa de 5 reis 1000 sellos de 10 reis.
Tenho a honra de communicar a V. Ex.ª que não havendo n’esta ilha sellos postaes da taxa de 5 reis, ordenei, conformando-me com a proposta do Administrador dos Correios da província, que 1.000 sellos da taxa de 10 reis fossem carimbados na imprensa nacional com a taxa de 5 reis.
Afim de occorrer de prompto a uma falta extremamente sensível e por me parecer que não havia inconveniente n’isso, adoptei este alvitre, esperando que V. Ex.ª se dignará de approvar a resolução que tomei.
A requisição dos sellos de que a província carece já tinha siso enviado ao competente destino, mas ainda não houve tempo de ser satisfeita; conto, porem, com a próxima remessa dos mesmos sellos, o que fará cessar esta situação anormal, que não é de suppor que se repita com as requisições trimestraes que superiormente me foi ordenado fazer.
Deus guarde a V. Ex.ª
Augusto Jesus Rodrigues Sarmento
Governador da Província
            Até esta momento confirma-se que:
  • A Administração dos Correios e a Repartição de Fazenda não deram cumprimento ao regulamentado na Portaria de 26 de Setembro de 1888, nem apresentam qualquer justificação para o facto.
  • A emissão de selos sobretaxados de 5 reis sobre 10 reis da emissão de D. Luís I foi de 1.000 sellos.
  • A sobretaxa desses selos se processou na Imprensa Nacional de S. Tomé e Príncipe.
  • Mandou-se sobretaxar primeiro os selos e só posteriormente se solicitou a competente autorização ministerial. Habitualmente solicitava-se a devida autorização, por via telegráfica, e só depois de procedia á sobretaxa.
  • A única e pobre justificação para a emissão fundamenta-se numa falta extremamente sensível de selos. Entende-se ser esta fundamentação muito pouco rigorosa.
  • Como curiosidade realça-se o delicioso pormenor do envio de um único selo ao Director Geral dos Correios em Lisboa, para seu conhecimento do que se havia produzido.
Entretanto a Repartição de Fazenda de S. Tomé tinha solicitado, com carácter de urgência, à Direcção Geral do Ultramar a remessa de 2.800 selos em requisição datada de 24 de Julho de 1889. Se havia a eminência de esgotamento dos selos da taxa de 5 reis porque não se fez o pedido por via telegráfica como era hábito nestas circunstâncias?
            Senão vejamos:
            A requisição datada de 24 de Julho seguiu por correio oficial no Paquete Portugal que passou por S. Tomé no dia 25 de Julho tendo chegado a Lisboa no dia 20 de Agosto de 1889. No dia 6 de Setembro pelo Paquete Angola a Casa da Moeda remeteu os 2.800 selos de 5 reis que chegaram a S. Tomé no dia 24 de Setembro de acordo com ofício n.º 23 de 24 de Setembro da Repartição de Fazenda.
            Se o pedido tivesse sido feito telegraficamente, tendo em conta a escassez de selos desta taxa, ele seria recepcionado nesse mesmo dia em Lisboa, o que permitia que a Casa da Moeda pudesse remeter os selos pelo Paquete S. Tomé que tendo saído de Lisboa a 6 de Agosto aportou a S, Tomé no dia 24 desse mesmo mês, ainda a tempo de se evitar a sobretaxa dos selos. O que se constata é que não havia muito interesse em receber com urgência esses selos.
            Na presença do ofício do Governador-Geral, a Direcção Geral do Ultramar aprova a decisão tomada por, porém não se satisfaz com as justificações apresentadas, que determinaram a necessidade de se sobretaxar os referidos selos. Entende que tal situação se fica a dever a falta de cumprimento do regulamentado na Portaria de 26 de Setembro de 1888 atrás referida, pelo que solicita que a Administração dos Correios se explique como deixou que a situação se arrastasse a um ponto em que se tivesse de tomar tais medidas de recurso. Assim é remetido o ofício n.º 317 datado de 27.09.1889 para o Governador-Geral de S. Tomé e Príncipe nos seguintes termos:
Sua Ex.ª o Ministro, a quem foi presente o officio de V. Ex.ª n.º 169 de 26 de Agosto ultimo, approva a resolução tomada, sobre a proposta da Administração dos Correios, de fazer carimbar alguns sellos de 10 reis em circulação nessa Província para accorrer ás necessidades de momento que se manifestaram na mesma Província.
Por ordem do mesmo Ex.º Sr. tenho a honra de dar conhecimento a V. Ex.ª do seguinte despacho que se lavrou no officio em que o Administrador dos Correios participou a adopção da providência que muito acertadamente foi tomada por motivo de força maior:
“As necessidades de momento, a que a Administração quis provar com a proposta que fez subir á presença do Ex.mº Sr. Governador não existiriam se a mesma administração tivesse pela sua parte concorrido para a execução da portaria de 26 de Setembro de 1888, informando superiormente dos sellos e outras formulas de franquia necessários para o consumo de seis meses e para o fornecimento periódico trimestral. Queira pois a mesma Administração explicar como é que as cousas chegaram ao extremo de ser necessário propor uma providencia a que pela citada portaria se teve em vista evitar que fosse mister recorrer. Com a informação será devolvido este officio.
2.ª Repartição em 27 de Setembro de 1889.
O Chefe da Repartição
A. Vidoeira”
            A este ofício respondeu a Administração dos Correios com o ofício n.º 124 de 11 de Novembro de 1889, que não se conseguiu encontrar no acervo do Arquivo Histórico Ultramarino. Seria de grande importância o acesso a esse documento. Porém, pela resposta da Direcção Geral do Ultramar podemos deduzir as razões apontadas pelo seu Administrador. Vejamos então o que relata, em resposta, o ofício n.º 393 da Direcção Geral do Ultramar datado de 14.12.1889 para o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe:
Exmº. Sr.
Quando esta Repartição lavrou o despacho de 27 de Setembro último de que também trata no seu ofício n.º 124 de 11 de Novembro seguinte, ignorava a causa determinante da crise que se deo de falta de sellos da taxa de 5 reis nessa Administração, aliás em vez da informação que pedio teria desde logo manifestado os inconvenientes que haveria em preterir os interesses públicos e particulares por uma simples especulação commercial que outra cousa não é a compra de avultada porção de fórmulas de franquia com o propósito declarado e tornado conhecido de os lançar num mercado estrangeiro.
A missão de V. Ex.ª nessa Província como Chefe Superior dos Correios seria de medíocre importância e de uma transitória responsabilidade se não tivesse de, a par do expediente corrente de todos os dias, prevenir por meio de um prudente tacto administrativo e de um superior critério, eventualidades que poderia comprometter o serviço, e para isso não é mister intrometter-se no serviço de repartições alheias e basta aproveitar bem os elementos de que dispõe a Administração a seu mui digno cargo para tornar productivas e efficazes as faculdades de que a Lei o investio.
São pois de um interesse secundário para esclarecimento do caso em questão os argumentos addusidos, os quaes, sem embargo d’isso a Direcção Geral há por bastantes para, em homenagem aos bons serviços prestados por V. Ex.ª, e ao seu reconhecido zelo, a pôr termo ao incidente que se deo e que a minha Direcção Geral espera não se repita.
            Pelo que se depreende deste ofício, o Administrador dos Correios ter-se-ia justificado com a venda de uma quantidade elevada de selos de 5 reis a um comerciante estrangeiro, ficando assim sem selos para o consumo corrente. Segundo Carlos George no artigo intitulado “Sobrecargas de S. Tomé de 1889 e 1892”, o Administrador terá vendido 2.500 selos de 5 reis a um tal súbdito inglês, Mister Burt. Porque permitiu esta venda? Será que não pôs em causa o normal funcionamento dos serviços, permitindo o esgotamento imediato dos selos?
O ofício é de facto muito contundente para com o Administrador e só o reconhecido zelo e em homenagem aos bons serviços prestados até então, a Direcção Geral entendeu pôr fim ao incidente sem mais consequências. Porém o Administrador estava determinado em prosseguir nos seus propósitos. Não demoraria muito em voltar a cometer os mesmos pecados. Num próximo apontamento voltaremos ao assunto.
Dupla sobrecarga
Sobrecarga invertida  
            Entretanto, porque não chegava apenas produzir uma emissão reduzida de 1000 selos, que no florescente mercado filatélico lhe renderia elevados proventos, em conivência com terceiros, ainda se “fabricaram” mais umas quantas variedades, tais como sobretaxas invertidas e duplas, assim como, com e sem acentuação da letra “e” de reis, conforme se constata pelos exemplares que reproduzimos.
Sem acento em “reis”
            Muitas vezes os leitores me questionam sobre como eram permitidas estas negociatas. Em meu entender, a razão de ser deste autêntico “regabofe” tinha como suporte a grande cumplicidade que existia entre os quadros superiores das repartições coloniais, adquirida durante os vários anos de convivência. Muitas das vezes estes funcionários superiores eram mandados em comissões de serviço para as colónias por questões disciplinares. Estes mesmos funcionários eram mal pagos e como tal tentavam sempre que houvesse oportunidade obter proventos acessórios, usando e abusando do seu poder local. Os Governadores-Gerais que chegavam às colónias, muitas vezes para aí nomeados também por razões disciplinares, não estavam para se incomodar, nem para interferir muito na gestão da colónia, pois a sua estadia era transitória (ou morriam pouco tempo depois da sua chegada, frutos das maleitas tropicais, ou eram enviados de volta para o Continente por padecerem de doença grave), pelo que eram facilmente influenciáveis pelos altos funcionários que aí residiam há muitos anos. Estes eram na realidade os “governantes” das colónias e raramente eram sancionados disciplinarmente pelos seus actos menos legais. Acobertavam-se uns aos outros e quando algum cometia uma falta muito grave, grande demais para ser escamoteada havia sempre uma aposentação para solucionar o problema.
            Voltando aos selos sobrecarregados, direi que eles foram utilizados num curto espaço de tempo de pouco mais de trinta dias, tempo este que medeia entre o dia 21 de Agosto, data do aviso da Administração dos Correios, e o dia 24 de Setembro, data da chegada do Paquete S. Tomé que transportou os 2.800 selos requisitados.
            Resta agradecer ao meu amigo Manuel Janz a cedência das imagens dos selos que ilustram este apontamento.

Bibliografia
·          Boletim Oficial da Província de S. Tomé e Príncipe
·          AHU – Cota 2639 1D SEMU DGU CX  1889 Processos correios
·          AHU – Cota 447 1N SEMU DGU LV 1889 Minutas
·          AHU – Cota 448 1N SEMU DGY LV 1889 Minutas
·          AHU – Cota 449 1N SEMU DGU LV 1889 Minutas
·          AHU – Cota 450 1N SEMU DGU LV 1889 Minutas
·          “As sobrecargas de S. Tomé de 1889 e 1892”, Carlos George, 1939, Portugal Filatélico


domingo, 24 de junho de 2012

Angola - Correio em tempo de guerra (2)

Porto de Luanda

            O substantivo “guerra” advêm da palavra gótica “wirro” equivalente ao termo “confusão” no nosso idioma. Efectivamente com o deflagrar de uma guerra é intrínseco o estado de confusão que se instala no quotidiano dos povos.

            Este estado de confusão determina grandes restrições nos serviços de transportes, por qualquer das vias utilizadas, quer sejam aéreas, terrestres ou marítimas. Reduzem-se as ligações porque o estado de guerra o não permite, ou porque esses meios estão ao serviço dos serviços militares.

            Com a escassez dos meios de transporte, o serviço postal é grandemente afectado, determinando uma redução significativa do volume de correspondências circuladas. Como agravante, a este estado de confusão nas comunicações e transportes, há que ter em conta a censura às correspondências que provocavam atrasos muito significativos na sua circulação, e de certa forma inibem os utentes, com receio de que a sua vida privada seja devassada pelos censores menos escrupulosos dos seus deveres.
Figura 1 - frente
           
            Porém as populações necessitavam de continuar a desenvolver as suas actividades quer comerciais ou profissionais, assim como tinham a necessidade imperiosa de contactar com os seus familiares. Por isso continuavam a escrever mesmo que em menor frequência. A avidez e necessidade de obter as notícias por que ansiavam obrigavam-nos a encontrar formas mais rápidas de fazer circular as suas correspondências.

            A partir do ano de 1940 as correspondências de ou para Angola eram obrigatoriamente censuradas pelos ingleses através dos seus serviços instalados na África do Sul. As correspondências para Norte tinham que ir obrigatoriamente seguir para Sul para voltarem ao seu destino a Norte.
Figura 1 - verso
           
            Como exemplo, apresenta-se na Fig. 1, uma carta remetida da Catumbela (17.09.41) para Lisboa (14.12.41) com trânsito pelo Lobito (17.09.41) e Cape Town (22.09.41). Pagou de porte 3$40 correspondente a: $80 pelo 1.º porte de correio ordinário para Portugal + $40 pelo prémio de registo (Decreto 20.317 de 14.09.1931, publicado no BO de Angola n.º 42 de 17.10.1931) + 2$20 pelo 2.º porte da sobretaxa de correio aéreo do Lobito para Cape Town (10 gramas de peso). Cinta de censura do Cabo tipo 1B1 (raridade 10 John Little), amarrada com carimbo de censura de Cape Town batido a preto tipo 7A. Como se pode verificar esta carta demorou cerca de 60 fias para ir da Catumbela a Lisboa, utilizando o meio aéreo de Angola para a África do Sul.
Figura 2 - frente
           
            Para obviar a esta demora, as populações procuraram encontrar formas de transportar a correspondência de modo mais célere, algumas vezes contornando os regulamentos postais, outras vezes encontrando nos meandros desses regulamentos formas de fazerem legalmente.
           
            É o caso da carta da figura 2. Redigida de Maquela do Zombo em 28 de Outubro de 1941 foi recepcionada em S João da Madeira em 30 de Novembro, com trânsito por Lisboa a 29 de Novembro. Trinta e um dias foi o tempo necessário para a fazer chegar ao destino, o que em tempo de guerra é uma preciosidade. A carta ostenta um selo de $80 correspondente ao 1.º porte do correio ordinário (peso até 15 gramas) de Angola para Portugal (Decreto n.º 20.317 de 14.09.1931). O selo encontra-se obliterado com o carimbo de denominação de origem “LISBOA 2.ª SECÇÃO / PAQUETE” (Hosking 537).
Figura 2 - verso
           
            O valor e interesse desta carta não se resume apenas aos seus pormenores exteriores, porque é no seu interior que encontramos um texto esplendoroso, porque nos dá a conhecer uma das expeditas formas de contornar a censura inglesa e permitir que a correspondência circulasse mais rapidamente. O texto que a seguir reproduzimos é autenticamente delicioso:
“Quando escrever para cá faça o seguinte: - meta o que escreveu dentro de um envelope e feche; o endereço para mim ou Helena. Depois ponha esse envelope dentro de um outro que envia para Lisboa, derigido aos Srs Diogo & C.ª Ltd, R. Áurea, 66, 1.º. O n/ amigo Snr António Diamantino, entrega a correspondência a bordo de todos os barcos que vem para África. A sua casa de Luanda, faz depois destribuição. Deste modo evitam-se censuras e ainda que as cartas vão a África do Sul para depois virem para cá. É a solução que há muito tempo adotamos nas cartas para a família e estas tem adotado o mesmo sistema, donde resulta que temos a correspondência quasi como em tempo normal.

            Perante este texto pouco temos a acrescentar, pois ele é elucidativo, sobre a forma como circulou a carta que reproduzimos, exactamente no sentido inverso daquilo que era sugerido. Apenas acrescentamos que as cartas iam franquiadas com os selos correspondentes os quais eram obliterados, pelos serviços postais, à chegada dos navios, entregues pelos respectivos comandantes dos navios.

            Para complementar esta “estória” sobre circulação de correspondências em tempo de guerra, mostra-se na figura 3 uma belíssima carta timbrada, também dita publicitária, (ora digam lá que as cartas publicitárias não servem a filatelia nas suas diferentes vertentes) da empresa que servia de ponte e prestava um serviço inestimável aos seus clientes.
Fig. 3 - Sobrescrito entregue a bordo do paquete alemão Usaramo (20.11.1921) da Deutsche Seepost / Linnie Hanburgo-WestAfrika com 3 selos de 200 reis D. Carlos I Mouchon com sobrecarga "REPUBLICA" local, perfazendo o porte equivalente a 60 ctvs (1.º porte para cartas até um peso de 20 gramas para países estrangeiros). Á chegada foi obliterado com carimbo de denominação de origem "PAQUEBOT" de Port Elizabeth (tipo 1278 Roger Hosking).

             Uma recomendação aos finalistas iniciantes. Numa carta, ou qualquer outro objecto postal, não nos podemos limitar à análise dos seus aspectos iminentemente filatélicos, pois os conteúdos são por vezes muito importantes para a sua interpretação. No exemplo apresentado, o acto de ignorar o seu interior ou desfazer-se dele para facilitar a sua arrumação, traduzir-se-ia na perda duma importante fonte de informação. Na ausência dessa informação teríamos hoje uma plêiade de teóricos a congeminar sobre a autenticidade ou não do exemplar filatélico.

            A todos os leitores, que fazem o favor de ler os meus escritos, um bom dia de S. João, porque a sardinha está óptima e aconselha-se………………


Bibliografia

·          British Empire Civil Censorship Devices World War II / Colonies and Occupied Territories in África, John Little, 2000
·          Paquebot Cancellations of The World (Second Edition) by Roger Hosking, 1987
·          Boletim Oficial de Angola

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Moçambique - Correio para o Cabo via Lisboa


           Este é mais um dos casos, de que é fértil a filatelia ultramarina, da má preparação dos agentes postais tendo em vista o cabal funcionamento do serviço prestado pelos correios coloniais.

            Em traços gerais, a estação postal de Quelimane na década de 80 do século XIX, processava o envio das malas postais com destino ao Cabo da Boa Esperança via Lisboa, quando era mais racional e rápido o seu envio via Lourenço Marques e Port Elizabeth. Este encaminhamento, que permitiria transportar uma carta em apenas 15 dias no máximo, era preterido por um outro (via Lisboa) em que as cartas demoravam cerca de 60 dias a chegarem aos destinatários.

            Os súbditos ingleses, residentes no Cabo da Boa Esperança, que normalmente recebiam correspondência remetida de Quelimane, não se conformavam com este tipo de encaminhamento. Reclamando da situação para o seu Director dos Correios, este oficiou, em 30.04.1887, a Repartição Central dos Correios em Lisboa expondo as suas razões nos seguintes termos:
Sir
Complaint has been made to his Department by the Rev.º Father Wel, St. Aidan’s College, Grahamstown, Cape Colony that letters addressed to him from Quelimane suffer Great delay through being sent for Lisbon instead of in direct mail for this Colony which is opened at Port Elizabeth.
I have the honour to enclose the envelope of a letter which has been forwarded in the manner stated and to request that you will be good enough to instruct the officer in charge of the Post Office at Quelimane in regard to the proper circulation of the letters for this Colony.

Em anexo, ao transcrito ofício, foi remetida a carta da figura 1 (da qual foram retirados os respectivos selos que a franquiavam), que é elucidativa do estranho encaminhamento das malas.
Fig. 1 – Carta remetida de Quelimane (data ilegível) para Grahamstown (17.04.1887) com trânsito por Lisboa (18.03.1887).

            Conforme se pode notar no canto superior esquerdo do ofício, o Chefe da Repartição dos Correios em Lisboa, lavrou em 28.05.1887 um despacho no sentido de ser oficiado o Chefe da Estação de Quelimane, para que passasse a remeter as malas para o Cabo via Lourenço Marques e Port Elizabeth.

            Não se sabe quais as disposições tomadas para a resolução deste problema, porém parece que elas não resultaram na prática, porque cerca de ano e meio após este episódio, o Director dos Correios do Cabo volta à carga sobre o assunto através do seu ofício n.º 41, datado de 14 de Janeiro de 1889 nos seguintes termos:

A very great number of complaints have been made to me of the Great delay which takes place in the transmission of letters to addressed to this Colony from places on the East Coast of Africa in consequence of the correspondence being included in the direct mails for Lisbon instead of the mails made up on offices in the Colony. So much inconvenience has been caused to the addresses through the irregular forwarding of the letters, that urgent appeals have repeatedly been made to the Directors of Posts at the various places to exercise more care in the treatment of correspondence for this Colony, but the irregularities still continue.
I have therefore the honour to ask that you will be good enough to represent to the Directors of Posts at those places that much annoyance is caused by their action in neglecting to make up direct mails for this Colony, and request them to send all correspondence addressed to this Colony in a mail to be made up and addressed to the Post Office Port Elizabeth except such as may be intended for Cape Town which should be included in a mail for the letter place.
I enclose two covers of letters posted at Quelimane which were sent to Lisbon and respecting which the addressee has complained very strongly of the detention to which they were subjected.
I have the honour to be,

            Em anexo ao citado ofício foram remetidas duas cartas, demonstrativas das queixas apresentadas, oriundas da Estação Postal de Quelimane, que teimava em encaminhar as cartas por Lisboa. Uma dessas cartas é a reproduzida na figura 2.

Fig. 2 – Carta remetida de Quelimane (20.10.1888) para Graaff (17.12.88) com trânsito por Lisboa (23.11.88) e Cape Town (14.12.88). Franquiada com 100 reis (1.º porte para cartas até 15 gramas).

            Como se pode notar, o remetente teve o cuidado de colocar a informação manuscrita de que a carta deveria ser encaminhada via Lourenço Marques / Delagoa Bay”. Efectivamente a carta foi encaminhada via Lourenço Marques, porém seguiu na mala com destino a Lisboa, em vez da mala com destino ao Cabo ou a Port Elizabeth.

            Desta vez o Chefe da Repartição dos Correios, em Lisboa, mandou oficiar em 08.02.1888, e remeter em anexo o ofício, para conhecimento do Director dos Correios em Moçambique, solicitando a este, que desse as ordens convenientes às repartições sob sua direcção para que se solucionasse o assunto exposto.

            Em resposta o Director dos Correios da Província de Moçambique informa pelo seu ofício n.º 24 de 01.04.1888 (a seguir reproduzido) que deu as instruções necessárias para que cessassem as irregularidades no encaminhamento das malas.

“Devolvendo o incluso officio da Direcção Geral dos Correios do Cabo da Boa Esperança, cumpre-me participar a V. Ex.ª que enviei n’esta data traduções do referido documento ás estações postais dependentes d’esta direcção e que expedem malas directas para o Cabo da Boa Esperança, esperando que cessarão as irregularidades de que, com justiça, se queixa o correio inglez.
Deus Guarde a V. Ex.ª

            O que na realidade se passava era que a Estação Postal de Quelimane por razões inexplicáveis remetia as correspondências destinadas ao Cabo da Boa Esperança na mala com destino a Lisboa, não formando mala de correio para aquela colónia inglesa. É provável que a falta de informação na Estação Postal de Quelimane sobre o encaminhamento das correspondências determinasse tal modo de operação.

Esta carta terá sido remetida na mala que seguiu pelo vapor COURLAND que fazia a ligação Moçambique a Port Elizabeth e que fez o seguinte percurso no mês de Outubro de 1888:

            Moçambique – saída                                     16.10.1888
            Quelimane – chegada                                   18.10.1888
            Quelimane – saída                                        20.10.1888
            Chiloane - chegada                                       22.10.1888
            Chiloane – saída                                            22.10.1888
            Inhambane – chegada                                   23.10.1888
            Inhambane – saída                                        24.10.1888
            Lourenço Marques – chegada                      25.10.1888
            Lourenço Marques – saída para Natal         27.10.1888

            Assim a data de saída do vapor Courland de Quelimane (20.10.1888) coincide exactamente com a data de dia da estação postal de Quelimane. Como é sabido, era hábito as correspondências serem todas obliteradas no dia da saída dos paquetes, independentemente da data em que eram lançadas no correio. Pela análise ao movimento marítimo na barra de Quelimane (Fig. 3) nota-se ter sido este o único paquete a escalar o porto de Quelimane no mês de Outubro de 1888 com saída para sul, resumindo-se o restante movimento a pequenas embarcações que faziam serviço de cabotagem e de outros dois vapores ingleses em rotas diferentes.
Fig. 2 - Movimento marítimo na Barra de Quelimane em Outubro de 1888

            Parece terem sortido efeito as medidas tomadas pela Administração dos Correios de Moçambique, porque não foram encontradas mais referências sobre este anormal encaminhamento das malas de correio de Quelimane para o Cabo da Boa Esperança.

Entretanto é de relevante interesse dar a conhecer aqui, pela panorâmica geral que nos dá sobre o funcionamento dos correios de Moçambique, e que de certa forma validam as apreciações feitas, excertos do relatório produzido em 29 de Julho de 1886 por António Augusto da Silveira e Costa, 1.º aspirante da Direcção Geral dos Correios e Telégrafos e Telefones.

Este funcionário foi nomeado por portaria de 12 de Dezembro de 1885 para se deslocar às províncias ultramarinas   no intuito de aquilatar das condições existentes, tendo como finalidade a instalação do serviço de vales postais.

No que respeita a Moçambique (capital da colónia) dizia o seguinte:
“No primeiro andar d’uma casa, pouco aceiada exteriormente, está instalada a repartição do correio. Na primeira salla, um balcão, creio que de pinho não pintado, separa o espaço destinado ao publico. Quasi sem mobília, e a pouca que tem ordinária, não offerecendo a mais pequena commodidade aos funcionários que alli trabalham, não tem siquer os moveis indispensáveis para a divisão e guarda da correspondência.
……..
E não é difficil demontrar quanto alli faltam as instrucções de serviço, e como, mesmo as irregularidades que ninguém aqui ignora se repetem d’um modo que não deve continuar. – Vou mostral-o com um exemplo.
Desde Janeiro de 1882 (circular da direcção geral do correio de 17 de Dezembro de 1881) o porte de cada carta simples é de 80 reis, quando mesmo se desconhecesse a circular, pelas cartas expedidas de Lisboa, desde aquella data se veria que é este (80 reis) o porte de cada carta; pois apezar das constantes queixas do publico, que se julga, com razão, lesado, as cartas de Moçambique dirigidas para a Europa, via Brindisi, pagam 100 reis por cada porte simples por isso que desde 1877 em que receberam n’aquella direcção um officio impresso, datado de Maio do mesmo anno, redigido em francez, e expedido pela direcção geral do ultramar, em que estabelece aquella tarifa, até hoje não receberam nenhuma ordem em contrario. – Por aqui parece-me se verá claro que não abundam as instrucções sobre serviço postal em Moçambique.
Alem da Direcção em Moçambique (capital) há direcções de correio em: Quilimane e Lourenço Marques; e estações em Inhambane, Chiloane e Ibo a cargo da Alfandega; Angoche, Tete, Sena e Sofalla, a cargo dos encarregados de Fazenda; e Bazaruto a cargo do Comandante Militar.
Não visitei nenhum destes pontos, mas vendo o que é a capital da província e pelas informações que colhi posso garantir que é muito pequeno, e nalguns pontos verdadeiramente insignificante o movimento postal.”

            Esta é uma pequena parte do que consta do citado relatório, porém dá-nos uma visão geral do que eram os correios nas nossas colónias, caracterizados principalmente por más instalações, falta de informação e pouco pessoal, que na sua grande maioria estava mal pago e preparado para exercer as suas funções. E são estas razões que levaram a que se tivessem cometido as irregularidades atrás descritas com o encaminhamento das malas de correio, e muitas outras que se vão conhecendo. Como agravante destas condições, há ainda a considerar aqueles funcionários oportunistas, que mercê dessas condicionantes, se aproveitavam para fazer as suas “trapaças”.


Bibliografia
·         Arquivo Histórico Ultramarino – Cota 2697 3.ª REP SEMU DGU 1885/1891
·         Boletim Oficial de Moçambique de 1888 e 1889



                                  

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Selos bipartidos em S. Tomé e Príncipe

            Já são por demais conhecidas, principalmente dos filatelistas, as “negociatas” em que se meteu o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe, Joaquim Augusto da Silva, durante o período em que esteve a super-intender aos correios santomenses. Na verdade as suas “trapalhadas” tiveram início no ano de 1889 com as célebres sobretaxas de 5 reis sobre selos de 10, 20 e 40 reis de D. Luís tipo fita direita (catálogo Afinsa n.ºs 24 a 26) e as não menos célebres sobretaxas de 2 ½ reis sobre selos de 5, 10, 20 e 25 reis também da emissão de D. Luís.
            Porém o primeiro episódio rocambolesco dá-se em 1888, tendo como sua génese a falta, muito oportuna, de selos de determinadas taxas na Ilha do Príncipe. O Director dos Correios da Ilha, António da Silva Bizarro, solicita telegraficamente ao Administrados dos Correios que se digne tomar as providências necessárias, pois os selos que possuía de algumas taxas, não eram suficientes para franquiar as correspondências a serem enviadas pelo Paquete Portugal da Empresa Nacional de Navegação, que dali saía a 24 de Agosto rumo a Lisboa.

            Perante tal situação, a decisão tomada pelo Administrador dos Correios foi no sentido de se utilizarem selos de valor mais elevado, cortá-los ao meio pela diagonal, e assim completar a franquia das correspondências a expedir. Para evitar que essas correspondências fossem porteadas em Lisboa o Director dos Correios da Ilha do Príncipe, a pedido do Administrador, remeteu juntamente com a respectiva mala o ofício n.º 105 de 24 de Agosto de 1888 dirigido ao Director Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes do Reino, que a seguir se transcreve:

“Conforme o que me foi ordenado em telegrama de hoje da administração dos correios d’esta província, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que n’esta malla que segue hoje para Lisboa pelo vapor”Portugal” da empreza Nacional, são remettidas oitenta quatro cartas e um maço de impressos, correspondência ordinária, que por absoluta falta de estampilhas vão as mesmas cartas franqueadas com metade de estampilha, representando dezassete no valor de 100 reis cada uma e sessenta sete o valor de cincoenta reis também cada uma, assim como também o maço de impressos que apresenta a importância de cem reis.
Deos Guarde a V. Ex.ª
Direcção do Correio da Ilha do Príncipe 24 de Agosto de 1888
            Pelo que se depreende do texto deste ofício podemos concluir que:

            1 – Só em última hora foi constatada a falta eminente de selos para franquiar as correspondências. Porém parece ter havido desleixo evidente do Director dos Correios da Ilha do Príncipe. Com antecedência poderia ter requisitado para S. Tomé os selos necessários, podendo estes selos ter sido enviados, pelo mesmo Paquete Portugal que passou pela Ilha de S. Tomé a 23 de Agosto, portanto véspera da sua chegada ao Príncipe. Assim se evitaria esta franquia de recurso.

            2 – Pelo texto do ofício é-se permitido deduzir que foram franquiadas 17 cartas com selos de 200 reis bipartidos, perfazendo o porte de 100 reis (1.º porte para cartas com o peso até 15 gramas para países estrangeiros pertencentes à UPU) e 67 cartas com selos de 100 reis bipartidos, perfazendo o porte de 50 reis (1.º porte para cartas com o peso até 15 gramas com destino a Portugal, Ilhas Adjacentes e Províncias Ultramarinas).

            O Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe como já não tinha hipótese de remeter um ofício para o Reino, justificando as razões da posição tomada em bipartir os selos, pois o Paquete Portugal já havia zarpado de S. Tomé, resolveu fazê-lo no correio imediato. Remeteu o seu ofício (também) n.º 105 de 7 de Setembro de 1888 ao Conselheiro Director Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes com o seguinte teor:
Tenso a direcção do Correios de ilha do Príncipe pedido telegraphicamente a esta administração, providencias, porque os sellos postaes que tinha não eram sufficientes para a franquia da correspondência a expedir pelo vapor do Sul ali fundeado, e não tendo havido tempo para a Fazenda satisfazer uma requisição d’ali enviada, e que chegou pouco antes do vapor sahir para aquella ilha, esta administração ordenou, que se cortassem ao meio os sellos postaes necessários para franquia das correspondências, sem prejuiso para a fazenda, dando conta a esta administração da quantidade dos sellos de que se servisse para este fim, sendo a correspondência franquiada com metade de um sello, acompanhada de guia para a administração dos correios de Lisboa e que participasse esse facto a V. Ex.ª.«
Esta administração fez sentir ao respectivo Director, que deverá ter sempre como deposito, sellos postaes para as vendas prováveis de dois mezes, e que esperava se não repetissem taes faltas, que esta administração se veria obrigada a reprimir em harmonia com a sua gravidade.
Creia V. Ex.ª que este facto é uma das consequências das vendas de sellos de imposto, letras selladas, papel sellado, etc., nas repartições postaes da província, que são obrigados a cuidar mais nestes artigos do que n’aquelles a que as obriga.
Esta administração espera que lhe seja relevado por V. Ex.ª se por ventura andou mal nas providencias que deu, ou se não foram acertadas, mas como é o primeiro caso que aqui se dá desta naturesa, não soube proceder mais em harmonia com o serviço publico e com os interesses da fazenda.
Deus Guarde V. Ex.ª
Administração dos correios de S. Thomé e Príncipe, 7 de Setembro de 1888.
            Deste ofício, para além das razões que levaram o Correio do Príncipe a utilizar os selos bipartidos, realço o facto de aquela estação postal também estar encarregue da venda de valores de natureza fiscal.

            Entretanto o Paquete Portugal chegou a Lisboa a 12 de Setembro trazendo a bordo as 84 cartas e um maço de impressos com selos bipartidos, acompanhados com o ofício do Director dos Correios do Príncipe. Perante este ofício a Direcção Geral dos Correios Telegraphos e Pharoes solicitou nesse mesmo dia, o parecer da Administração dos Correios e Telegraphos e Pharoes de Lisboa sobre o assunto. Esta produziu o seguinte parecer constante do ofício n.º 4050 de 13 de Setembro que transcrevo:
 
Acerca do assumpto do officio, que devolvo, da Direcção do Correio da ilha do Príncipe, que V. Ex.ª me enviou, com um despacho de hontem, tenho a honra de informar, que hontem mesmo, e antes de ter chegado às minhas mãos o mesmo officio, foram recebidas as correspondências a que elle se refere, as quaes vinham franqueadas como no mesmo officio se acha indicado.
Sobre o modo de proceder acerca destas correspondências não hesitei em determinar que fossem entregues isenta de qualquer porte, servindo-me para isso de base o processo que acabava de receber da 1.ª Repartição d’essa Direcção Geral referente a uns jornaes recebidos da estação postal de Lagôa (Ilha de S. Miguel), franqueados cada um d’elles com metade de um sello de 5 reis, os quês, em virtude do despacho lançado no alludido processo foram entregues franco de porte aos respectivos destinatários.
Deus Guarde a V. Ex.ª
Fig. 1 - Cortesia M. Janz
            Deste parecer foi dado conhecimento ao Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe por ofício datado de 02.10.1888, bem como ao Director dos Correios da Ilha do Príncipe, também por ofício, este datado de 22.09.1888.
Fig. 2
            Ficou assim aberto um precedente para a utilização, noutras ocasiões, deste processo de franquiar as correspondências com selos bipartidos. Isso mesmo se pode confirmar pelo fragmento que apresentamos na figura 1, onde podemos ver um selo de 20 reis bipartido. Esse fragmento está obliterado com marca de dia da Ilha do Príncipe de 24.03.1889. Esta datada é coincidente com a passagem do Paquete Angola por esta ilha.
Fig. 3
            Segundo minha opinião, e com toda a probabilidade de ser uma afirmação peremptória, só podem existir nesta época selos bipartidos da emissão de D. Luís I, tipo fita direita.

            A razão de ser desta afirmação baseia-se no facto de, embora muitas colónias tenham utilizado os selos tipo Coroa para franquiar correspondências até 15 de Março de 1889, utilização essa que cessou com uma P. Circular daquela data (Fig.2), os Correios de S. Tomé já no primeiro trimestre de 1888 havia retirado de circulação esses selos.

            As últimas taxas foram retiradas por aviso de 7 de Janeiro de 1888 da Administração dos Correios de S. Tomé e Príncipe.

            Esta forma peculiar de franquia das correspondências foi o primeiro caso, de uma série de trapalhadas e negociatas que o Administrador dos Correios de S. Tomé e Príncipe realizou durante os 6 anos em que esteve a chefiar aquele serviço.





Bibliografia
·         Arquivo Histórico Ultramarino, cota 664 UM SEMU DGU
·         Repertório Alphabetico e Chronologico ou Índice Remissivo da Legislação Ultramarina de J.J. da Silva – Typographia de J. F. Pinheiro, Lisboa 1904
·         Boletim Oficial de S. Tomé e Príncipe