quarta-feira, 20 de junho de 2012

Moçambique - Correio para o Cabo via Lisboa


           Este é mais um dos casos, de que é fértil a filatelia ultramarina, da má preparação dos agentes postais tendo em vista o cabal funcionamento do serviço prestado pelos correios coloniais.

            Em traços gerais, a estação postal de Quelimane na década de 80 do século XIX, processava o envio das malas postais com destino ao Cabo da Boa Esperança via Lisboa, quando era mais racional e rápido o seu envio via Lourenço Marques e Port Elizabeth. Este encaminhamento, que permitiria transportar uma carta em apenas 15 dias no máximo, era preterido por um outro (via Lisboa) em que as cartas demoravam cerca de 60 dias a chegarem aos destinatários.

            Os súbditos ingleses, residentes no Cabo da Boa Esperança, que normalmente recebiam correspondência remetida de Quelimane, não se conformavam com este tipo de encaminhamento. Reclamando da situação para o seu Director dos Correios, este oficiou, em 30.04.1887, a Repartição Central dos Correios em Lisboa expondo as suas razões nos seguintes termos:
Sir
Complaint has been made to his Department by the Rev.º Father Wel, St. Aidan’s College, Grahamstown, Cape Colony that letters addressed to him from Quelimane suffer Great delay through being sent for Lisbon instead of in direct mail for this Colony which is opened at Port Elizabeth.
I have the honour to enclose the envelope of a letter which has been forwarded in the manner stated and to request that you will be good enough to instruct the officer in charge of the Post Office at Quelimane in regard to the proper circulation of the letters for this Colony.

Em anexo, ao transcrito ofício, foi remetida a carta da figura 1 (da qual foram retirados os respectivos selos que a franquiavam), que é elucidativa do estranho encaminhamento das malas.
Fig. 1 – Carta remetida de Quelimane (data ilegível) para Grahamstown (17.04.1887) com trânsito por Lisboa (18.03.1887).

            Conforme se pode notar no canto superior esquerdo do ofício, o Chefe da Repartição dos Correios em Lisboa, lavrou em 28.05.1887 um despacho no sentido de ser oficiado o Chefe da Estação de Quelimane, para que passasse a remeter as malas para o Cabo via Lourenço Marques e Port Elizabeth.

            Não se sabe quais as disposições tomadas para a resolução deste problema, porém parece que elas não resultaram na prática, porque cerca de ano e meio após este episódio, o Director dos Correios do Cabo volta à carga sobre o assunto através do seu ofício n.º 41, datado de 14 de Janeiro de 1889 nos seguintes termos:

A very great number of complaints have been made to me of the Great delay which takes place in the transmission of letters to addressed to this Colony from places on the East Coast of Africa in consequence of the correspondence being included in the direct mails for Lisbon instead of the mails made up on offices in the Colony. So much inconvenience has been caused to the addresses through the irregular forwarding of the letters, that urgent appeals have repeatedly been made to the Directors of Posts at the various places to exercise more care in the treatment of correspondence for this Colony, but the irregularities still continue.
I have therefore the honour to ask that you will be good enough to represent to the Directors of Posts at those places that much annoyance is caused by their action in neglecting to make up direct mails for this Colony, and request them to send all correspondence addressed to this Colony in a mail to be made up and addressed to the Post Office Port Elizabeth except such as may be intended for Cape Town which should be included in a mail for the letter place.
I enclose two covers of letters posted at Quelimane which were sent to Lisbon and respecting which the addressee has complained very strongly of the detention to which they were subjected.
I have the honour to be,

            Em anexo ao citado ofício foram remetidas duas cartas, demonstrativas das queixas apresentadas, oriundas da Estação Postal de Quelimane, que teimava em encaminhar as cartas por Lisboa. Uma dessas cartas é a reproduzida na figura 2.

Fig. 2 – Carta remetida de Quelimane (20.10.1888) para Graaff (17.12.88) com trânsito por Lisboa (23.11.88) e Cape Town (14.12.88). Franquiada com 100 reis (1.º porte para cartas até 15 gramas).

            Como se pode notar, o remetente teve o cuidado de colocar a informação manuscrita de que a carta deveria ser encaminhada via Lourenço Marques / Delagoa Bay”. Efectivamente a carta foi encaminhada via Lourenço Marques, porém seguiu na mala com destino a Lisboa, em vez da mala com destino ao Cabo ou a Port Elizabeth.

            Desta vez o Chefe da Repartição dos Correios, em Lisboa, mandou oficiar em 08.02.1888, e remeter em anexo o ofício, para conhecimento do Director dos Correios em Moçambique, solicitando a este, que desse as ordens convenientes às repartições sob sua direcção para que se solucionasse o assunto exposto.

            Em resposta o Director dos Correios da Província de Moçambique informa pelo seu ofício n.º 24 de 01.04.1888 (a seguir reproduzido) que deu as instruções necessárias para que cessassem as irregularidades no encaminhamento das malas.

“Devolvendo o incluso officio da Direcção Geral dos Correios do Cabo da Boa Esperança, cumpre-me participar a V. Ex.ª que enviei n’esta data traduções do referido documento ás estações postais dependentes d’esta direcção e que expedem malas directas para o Cabo da Boa Esperança, esperando que cessarão as irregularidades de que, com justiça, se queixa o correio inglez.
Deus Guarde a V. Ex.ª

            O que na realidade se passava era que a Estação Postal de Quelimane por razões inexplicáveis remetia as correspondências destinadas ao Cabo da Boa Esperança na mala com destino a Lisboa, não formando mala de correio para aquela colónia inglesa. É provável que a falta de informação na Estação Postal de Quelimane sobre o encaminhamento das correspondências determinasse tal modo de operação.

Esta carta terá sido remetida na mala que seguiu pelo vapor COURLAND que fazia a ligação Moçambique a Port Elizabeth e que fez o seguinte percurso no mês de Outubro de 1888:

            Moçambique – saída                                     16.10.1888
            Quelimane – chegada                                   18.10.1888
            Quelimane – saída                                        20.10.1888
            Chiloane - chegada                                       22.10.1888
            Chiloane – saída                                            22.10.1888
            Inhambane – chegada                                   23.10.1888
            Inhambane – saída                                        24.10.1888
            Lourenço Marques – chegada                      25.10.1888
            Lourenço Marques – saída para Natal         27.10.1888

            Assim a data de saída do vapor Courland de Quelimane (20.10.1888) coincide exactamente com a data de dia da estação postal de Quelimane. Como é sabido, era hábito as correspondências serem todas obliteradas no dia da saída dos paquetes, independentemente da data em que eram lançadas no correio. Pela análise ao movimento marítimo na barra de Quelimane (Fig. 3) nota-se ter sido este o único paquete a escalar o porto de Quelimane no mês de Outubro de 1888 com saída para sul, resumindo-se o restante movimento a pequenas embarcações que faziam serviço de cabotagem e de outros dois vapores ingleses em rotas diferentes.
Fig. 2 - Movimento marítimo na Barra de Quelimane em Outubro de 1888

            Parece terem sortido efeito as medidas tomadas pela Administração dos Correios de Moçambique, porque não foram encontradas mais referências sobre este anormal encaminhamento das malas de correio de Quelimane para o Cabo da Boa Esperança.

Entretanto é de relevante interesse dar a conhecer aqui, pela panorâmica geral que nos dá sobre o funcionamento dos correios de Moçambique, e que de certa forma validam as apreciações feitas, excertos do relatório produzido em 29 de Julho de 1886 por António Augusto da Silveira e Costa, 1.º aspirante da Direcção Geral dos Correios e Telégrafos e Telefones.

Este funcionário foi nomeado por portaria de 12 de Dezembro de 1885 para se deslocar às províncias ultramarinas   no intuito de aquilatar das condições existentes, tendo como finalidade a instalação do serviço de vales postais.

No que respeita a Moçambique (capital da colónia) dizia o seguinte:
“No primeiro andar d’uma casa, pouco aceiada exteriormente, está instalada a repartição do correio. Na primeira salla, um balcão, creio que de pinho não pintado, separa o espaço destinado ao publico. Quasi sem mobília, e a pouca que tem ordinária, não offerecendo a mais pequena commodidade aos funcionários que alli trabalham, não tem siquer os moveis indispensáveis para a divisão e guarda da correspondência.
……..
E não é difficil demontrar quanto alli faltam as instrucções de serviço, e como, mesmo as irregularidades que ninguém aqui ignora se repetem d’um modo que não deve continuar. – Vou mostral-o com um exemplo.
Desde Janeiro de 1882 (circular da direcção geral do correio de 17 de Dezembro de 1881) o porte de cada carta simples é de 80 reis, quando mesmo se desconhecesse a circular, pelas cartas expedidas de Lisboa, desde aquella data se veria que é este (80 reis) o porte de cada carta; pois apezar das constantes queixas do publico, que se julga, com razão, lesado, as cartas de Moçambique dirigidas para a Europa, via Brindisi, pagam 100 reis por cada porte simples por isso que desde 1877 em que receberam n’aquella direcção um officio impresso, datado de Maio do mesmo anno, redigido em francez, e expedido pela direcção geral do ultramar, em que estabelece aquella tarifa, até hoje não receberam nenhuma ordem em contrario. – Por aqui parece-me se verá claro que não abundam as instrucções sobre serviço postal em Moçambique.
Alem da Direcção em Moçambique (capital) há direcções de correio em: Quilimane e Lourenço Marques; e estações em Inhambane, Chiloane e Ibo a cargo da Alfandega; Angoche, Tete, Sena e Sofalla, a cargo dos encarregados de Fazenda; e Bazaruto a cargo do Comandante Militar.
Não visitei nenhum destes pontos, mas vendo o que é a capital da província e pelas informações que colhi posso garantir que é muito pequeno, e nalguns pontos verdadeiramente insignificante o movimento postal.”

            Esta é uma pequena parte do que consta do citado relatório, porém dá-nos uma visão geral do que eram os correios nas nossas colónias, caracterizados principalmente por más instalações, falta de informação e pouco pessoal, que na sua grande maioria estava mal pago e preparado para exercer as suas funções. E são estas razões que levaram a que se tivessem cometido as irregularidades atrás descritas com o encaminhamento das malas de correio, e muitas outras que se vão conhecendo. Como agravante destas condições, há ainda a considerar aqueles funcionários oportunistas, que mercê dessas condicionantes, se aproveitavam para fazer as suas “trapaças”.


Bibliografia
·         Arquivo Histórico Ultramarino – Cota 2697 3.ª REP SEMU DGU 1885/1891
·         Boletim Oficial de Moçambique de 1888 e 1889



                                  

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