quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Carimbos numéricos volantes (36) * Mona Quimbundo / Saurimo


Vista aérea de Saurimo
            Voltamos neste artigo aos já conhecidos carimbos numéricos volantes, desta vez para historiar o percurso e o período de utilização do carimbo com o número 36, de uma série de 40 carimbos, mandados executar para prover as estações postais recentemente abertas de marcas de dia, ou as estações que por qualquer razão se encontravam impossibilitadas de utilizar as suas marcas próprias. Este carimbo é do tipo 3, semelhante a todos os que tiveram a numeração de 31 a 40, e caracteriza-se principalmente por ter um diâmetro maior (31 mm) em relação aos dos tipos 1 e 2.
Fig. 1 – Desenho do carimbo e selos obliterados com a marca
 
            O carimbo numérico 36 e o respectivo lacre foram inicialmente atribuídos à estação postal de 3.ª classe de Mona Quimbundo, no Distrito da Lunda. Essa atribuição foi feita pela Ordem de Serviço n.º 8 da Repartição Superior dos Correios de Angola e datada de 15 de Janeiro de 1917.
Fig. 2 – Ordem de Serviço n.º 8 da Repartição Superior dos Correios de Angola
 
            A estação de Mona Quimbundo foi criada pela Portaria Provincial n.º 47 de 21 de Janeiro de 1915, e resultou da transferência para a sede da Capitania-Mor de Mona Quimbundo da estação postal de 3.ª classe de Minungo, tendo ficando a cargo do sargento da referida Capitania.
Fig. 3 – Portaria Provincial n.º 47
 
            É interessante constatar que a atribuição do carimbo numérico volante à estação postal de Mona Quimbundo ter sido feita seis dias antes da sua criação oficial por portaria provincial.
            Mona Quimbundo era um antigo posto militar, criado em 1912, sendo convertido em Capitania-Mor por Portaria n.º 239 de 08.12.1914, tendo passado a Posto Civil em 03.03.1919. A região era propícia à fixação de europeus mercê de um bom clima temperado onde as temperaturas nunca ultrapassavam os 30.º.
            Porém esta estação postal não estaria aberta por muito tempo porque por Portaria Provincial n.º 71 de 14.04.1917, foi transferida para a povoação de Saurimo, tendo esta transferência determinado que o respectivo carimbo numérico também transitasse para a nova estação postal. Assim o carimbo esteve pouco mais de dois meses em uso na estação postal de Mona Quimbundo.
Fig. 4 - Portaria Provincial n.º 71
 
            O período coincidente com a duração da Grande Guerra foi caracterizado em Angola por sucessivas aberturas e encerramento de estações postais, provavelmente em função das diversas operações militares que se desenrolaram. E assim não é de espantar que volvidos cinco meses após o seu encerramento se voltasse a criar nova estação postal em Mona Quimbundo de acordo com a Portaria Provincial n.º 144 de 15.09.17.
Fig. 5 – Portaria Provincial n.º 144
 
            Como a carimbo foi transferido para Saurimo em Abril por lá ficou não tendo retornado a esta recriada estação postal.
            Saurimo foi inicialmente um posto militar criado pela Portaria Provincial n.º 238 de 08.12.1916, derivando o seu nome do topónimo local Sá-Urimo. Em 1918 foi nomeada para sede do Distrito da Lunda, passando posteriormente a denominar-se Vila Henrique de Carvalho e apenas por Henrique de Carvalho quando por Decreto-Lei n.º 2757 de 28.05.1956 foi elevada à categoria de cidade.
Fig. 6 - Mapa com a localização de Saurimo e Mona Quimbungo
 
Datam do ano de 1624 as primeira relações de europeus com os habitantes da Lunda, quando a denominada Feira de Cassange estava no seu apogeu, porém só a partir de 1895 é que se começou a ocupar militarmente a região, mercê das campanhas capitaneadas por grandes oficiais como o foram Utra Machado, Henrique de Carvalho, Bento Roma ou Veríssimo Sarmento. Nesse mesmo ano de 1895 foi criado o Distrito da Lunda sendo a sua primeira capital a povoação de Capenda Camulemba.
Fig. 7 - Vista de Henrique de Carvalho
 
Como sede do Distrito da Lunda, Henrique de Carvalho atingiu uma certa notoriedade económica, pois é neste Distrito que se encontravam situadas as minas de diamantes, exploradas pela poderosa Diamang. Embora a exploração mineira fosse o grande motor de desenvolvimento da região não eram despiciendas actividades como por exemplo a agricultura de onde sobressaía a cultura do arroz, do amendoim e do milho.
            Oriunda da estação postal de Saurimo, pertence à minha colecção, uma carta datada de 1928 com o carimbo numérico volante 36 (Fig. 8), não sendo conhecido nenhum exemplar filatélico (carta ou selo) do período de pouco mais de 2 meses em que o carimbo esteve em uso em Mona Quimbundo.
Fig. 8 – Sobrescrito circulado registado de Saurimo (11.08.28) para Lisboa (19.09.28) com trânsito por Luanda. Franquiado com 1$60 correspondente a: 0$80 pelo primeiro porte para cartas remetidas para Portugal com o peso até 20g + 0$40 pelo segundo porte (peso de 21 a 40g) + $040 pelo prémio de registo.
 
            Na década de 30 esta marca foi substituída por uma marca privativa da estação postal que entretanto tinha passado a telégrafo-postal (Fig. 9). Esta marca manter-se-ia em uso até 1939.
Fig. 9 – Sobrescrito circulado do Dundo (23.08.1931) para Nova York com trânsito por Saurimo. Franquiada no Dundo com 1$30 foi-lhe acrescido ao porte em Saurimo selos no valor de 0$10, perfazendo o porte de 1$40 correspondente ao primeiro porte para países estrangeiros (cartas com o peso até 20g).
 
            Em 1939 com a reforma das marcas de dia em Angola a estação foi dotada com um carimbo da nova tipologia (Fig. 10) assumindo já o novo topónimo de HENRIQUE DE CARVALHO em vez da anterior designação de SAURIMO.
Fig. 10 – Sobrescrito circulado de Vila Henrique de Carvalho (19.09.1952) para Lisboa, com trânsito por Vila Luso (21.09.1952). Pagou de sobretaxa aérea 4$00.
 
 
Bibliografia
·         Índice Histórico-Corográfico de Angola, 1972, Mário Milheiros, IICA
·         Boletim Oficial de Angola
·         Boletim dos CTT de Angola, 1917
·         Dicionário Corográfico-Conercial – Antonito, 1959 4.ª edição
 

domingo, 26 de agosto de 2012

1887 - Macau * "Não tenho estampilhas que fazer"


            Como já tenho vindo a afirmar, o que há de mais apaixonante na investigação filatélica e não só, quando trabalhamos em arquivos não sistematizados, é a surpresa que nos transmite determinados documentos que encontramos dispersos, num qualquer processo e que nos leva “à posteriori” a um trabalho fascinante de investigação, procurando encontrar a razão de ser desse documento.
            Estas premissas são válidas para um telegrama que encontrei num pequeno processo referente a Macau e que a seguir reproduzimos. Trata-se de um telegrama remetido pelo Governador-Geral de Macau para o Ministério da Marinha e Ultramar, datado de 27.09.1887 e que laconicamente transmite esta simples mensagem:
“Não tenho estampilhas que fazer”
Figura 1
 
            Fomos à procura da resposta a este telegrama e no livro de minutas da 3.ª Repartição referente ao 4.º trimestre de 1887 encontramos o rascunho do telegrama remetido pelo Ministro do Ultramar em 29 de Setembro, dando assim resposta ao do Governador de Macau. E sucintamente o Ministro afirma que os selos serão remetidos em 11 de Outubro, e que até à recepção dos selos, tome as providências extraordinárias como em situações análogas.
Figura 2
 
            Pelos documentos em causa foi fácil entender que estávamos perante mais uma falta de selos como era habitual. Porém esta falta de selos nada tinha a ver com a também crónica falta de requisição de selos por parte das Repartições de Fazenda das distintas colónias. Esta situação era bem diferenciada e também se estendeu à Índia, Macau e Timor. Por agora vamos ficar com este interessante caso de Macau.
            Na presença deste telegrama o Governador-Geral de Macau, Firmino José da Costa, apressou-se a responder ao Ministro pelo ofício n.º 372 de 5 de Outubro de 1887, cujo teor é o seguinte:
Confirmando o meu telegrama de 27 de setembro findo e do teor seguinte “Não tenho sellos que fazer”apresso-me a participar a V. Ex.ª que recebi a seguinte resposta: Expedição sellos 11 Outubro. Até sua recepção tome providencias extroordinárias como casos análogos (a) Pelo Ministro – Pelo Director Correios – O Inspector Geral Correios – Alfredo Pereira.
A não se julgarem menos sãs as minhas faculdades intellectuaes, eu não encontro explicação ao conselho que naquele telegramma se me dá.
Nunca houve casos análogos a providenciar e, se os tivesse havido V. Ex.ª far-me-á a justiça, accreditará que eu não fazia uma pergunta tão inepta quanto desnecessária. A falta de estampilhas dá-se agora, pela primeira vez, e é a sua falta que eu vou remediar.
Permitta-me V. Ex.ª que não creio na veracidade da promettida expedição de estampilhas em 11 de Outubro, por isso que por mais de uma vez se me tem feito promessas idênticas em Officios e telegrammas sem que ainda até hoje mas tenham cumpridas.
Vou auctorizar a transformação de um determinado numero de sellos de verba em estampilhas de correio, e oxalá a remessa agora promettida venha antes de se consumirem os sellos transformados para que não me veja mais tarde impossibilitado de poder prover do remédio, faltos então de todos os meios de franquia.

            Antes de outros considerandos que iremos abordar, esta autorização concedida pelo Ministro do Ultramar, levou à sobrecarga de selos fiscais para serem utilizados no serviço postal de acordo com a Portaria Provincial n.º 133 de 17 de Outubro de 1887, que mandou sobrecarregar 57.000 estampilhas fiscais de 10, 20, 30 e 60 reis, sendo 30.000 para 5 reis, 20.000 para 10 reis e 7.000 para 40 reis.
 
Figura 3 – Portaria Provincial n.º 133 e alguns dos selos sobrecarregados
 
            Não percebemos a razão da crispação do Governo-Geral quando o mandam tomar as medidas extraordinárias como em casos análogos, quando é certo que já em 1 de Abril de 1887 na falta de selos de 5, 10 e 20 reis mandou sobrecarregar 30.000 selos de 80 reis, tipo Coroa, pela Portaria Provincial n.º 50 e posteriormente em 9 de Agosto de 1887 pela Portaria n.º 109 mandou também sobrecarregar 5.725 selos de 80 reis com 5 reis, 6.000 selos de 100 reis com 5 reis e 4.000 selos de 200 reis com 10 reis, todos do tipo Coroa. O que o Governador deveria ter informado pelo seu telegrama é que já não tinha selos de taxas superiores para aplicar novas sobrecargas com as taxas em falta.
Figura 4 - Portarias Provinciais n.º 50 e n.º 109

Figura 5 – Selos sobrecarregados da Portaria n.º 50

Figura 6 – Selos sobrecarregados da Portaria n.º 109
 
            Vejamos agora o que aconteceu para se chegar a esta situação caótica no abastecimento de selos a Macau. Em 3 de Janeiro e 7 de Maio de 1887 a Junta de Fazenda de Macau enviou duas requisições de selos e bilhetes-postais (Tabela 1), solicitando o envio de avultadas quantidades de selos para suprir as suas necessidades de consumo. Em 9 de Julho como ainda não tinha recebido qualquer quantidade dos selos requisitados, solicitou telegraficamente que fosse dada satisfação aos pedidos. Em resposta a este telegrama foi a Junta de Fazenda de Macau informada que a requisição de 3 de Janeiro já havia sido remetida e que os selos da requisição de 7 de Maio seriam enviados no dia 27 de Julho. Como verificamos pelo telegrama de 27 de Setembro nenhum dos selos chegaram a Macau.

Requisições
 
Requisições
Taxas
 
03.01.1887
07.05.1887
5 reis
30.000
100.000
10 reis
30.000
100.000
20 reis
30.000
100.000
25 reis
5.000
10.000
40 reis
30.000
100.000
50 reis
5.000
10.000
80 reis
-
100.000
100 reis
5.000
10.000
200 reis
-
-
300 reis
2.000
5.000
BP 10 reis
15.000
15.000
BP 20 reis
15.000
15.000
BP 30 reis
15.000
15.000

Tabela 1
 
            Tinha razão o Governador em reclamar sobre as vãs promessas feitas pelo Ministério do Ultramar pois as suas requisições ainda não tinham sido satisfeitas.
            O que aconteceu então aos selos requisitados e tão ansiosamente esperados por Macau? A justificação foi transmitida para o Governador de Macau pelo Ofício n.º 533 da 2.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar (DGU) datado de 7 de Outubro de 1887. Eis as justificações:
  1. Logo que deu entrada em 8 de Fevereiro a primeira requisição de 3 de Janeiro a DGU passou-a à Casa da Moeda como era habitual, que satisfez parte dela em 4 de Abril e nesse mesmo dia remeteu os selos e bilhetes-postais para a 7.ª Repartição da Direcção Geral de Contabilidade a fim de os remeter para Macau.
  2. O mesmo se passou com a segunda requisição datada de 7 de Maio, que tendo dado entrada na DGU a 1 de Julho foi satisfeita pela Casa da Moeda em 27 de Julho e enviada à dita 7.ª Repartição para envio.
  3. Que mais tarde tendo-se perguntado à 7.ª Repartição em que data haviam sido enviada uma remessa de blihetes-postais para a Índia, que para ali haviam sido remetidos em 27 de Julho com os selos de Macau e Timor, soube-se que nem uns nem outros, nem ainda os selos da primeira requisição de 3 de Janeiro haviam sido enviados para os seus destinos.
  4. Que a responsabilidade desse atraso não cabia a nenhuma repartição mas tão só à falta de meios de transporte, que eram raros nas condições ordinárias (carga convencional) em que se faziam tais expedições.
  5. Que para obviar a que tais situações não voltassem a acontecer o Ministério do Ultramar em combinação com o correio estrangeiro, responsável pelo transporte, acordaram que de futuro as expedições se fariam directamente pelas vias postais em caixas de pequenos formatos.
  6. Que a Casa da Moeda se apressou a desdobrar os fornecimentos já preparados em duas caixas de grande formato, para envios parcelares.
  7. Que estas eram as causas por que se tinham atrasado as remessas de selos, e que conforme se afirmava no telegrama de 29 de Setembro (Fig. 2) serão enviados no dia 11 de Outubro de 1887 os selos e outras fórmulas de franquia por conta da requisição de 3 de Janeiro.
  8. Que nas subsequentes quinzenas se completará a primeira requisição e se tratará de ir satisfazendo a de 7 de Maio.
Uma das razões que pode justificar esta situação anárquica prende-se com o facto de que pela remodelação verificada na Secretaria de Estado dos Negócios das Obras Públicas, Comércio e Indústria, determinada pela Lei de 28 de Julho de 1886, todos os assuntos inerentes às colónias terem passado para a esfera do Ministério da Marinha e Ultramar, nomeadamente os que respeitavam à requisição de selos que deixou de ser feita à Direcção Geral dos Correios, Telegraphos e Pharoes e passou para a 2.ª Repartição da Direcção Geral do Ultramar.

Esta falta de selos em Macau pode parecer à primeira vista um simples e inconsequente lapso das repartições governamentais, porém ela teve implicações muito interessantes para os filatelistas. Primeiro porque provocou a execução de sobrecargas de selos em três ocasiões e em segundo lugar porque influenciou a entrada em circulação dos selos de D. Luís I recentemente mandados emitir para Macau.
Figura 7 – Carta datada de 09.04.1888
 
Luís Frazão na sua excelente obra sobre a história dos Correios de Macau intitulada “História e Desenvolvimento dos Correios e das Telecomunicações de Macau – Vol. II – História Postal de Macau (1884-1999) tentou precisar uma data para a entrada em circulação em Macau dos selos de D. Luís I, fita direita. Porque provavelmente Luís Frazão não teve acesso a este pequeno processo do Arquivo Histórico Ultramarino baseou o seu estudo nos registos da Casa da Moeda e como percebemos do que acabamos de descrever as datas de satisfação das requisições por esta entidade nada têm a ver com a realidade dos factos.
Vejamos o que escreveu Luís Frazão na sua obra:
O nosso principal objectivo é definir quais as emissões que em 1987 foram enviadas para Macau, assim como a data de chegada das estampilhas àquele território.
Quanto ao primeiro ponto, parece-nos poder afirmar que a saída de 4 de Abril de 1887 é da emissão Coroa, cores substituídas, enquanto para a de 26 de Julho é da emissão de D. Luís I de relevo. Mas há que ter em atenção, pois estas datas referem-se às saídas da Casa da Moeda, e não às datas de expedição ou de chegada a Macau. De outro modo como seria possível explicar o recurso às sobretaxas em Abril, Agosto e Outubro, assim como às notícias indignadas dos jornais locais, motivadas pela falta de selos?
Para fundamentar o que acabamos de dizer, e no que respeita à data de chegada das mesmas a Macau, pode-se afirmar o seguinte:
  1. No relatório do ano de 1887, R. de Sousa afirma, a determinado momento, “a chegada das novas estampilhas com a efígie do soberano em relevo…”, confirmando assim, que estas chegaram a Macau ainda em 1887.
  2. Conhece-se uma carta de 29 de Dezembro de 1887, com selos de D. Luís. Tudo parece indicar que as estampilhas de D. Luís chegaram na mala de 20 de Dezembro.
Figura 8 - Carta registada datada de 29.12.1887 de Macau para S. Francisco, utilizando na sua franquia selos de D. Luís I, fita direita

  1. A tentativa de datar com rigor a entrada em circulação de D. Luís, referidos no relatório de Ricardo Sousa, fez-nos procurar nos jornais de Macau, onde encontramos a seguinte notícia, publicada em “O Independente” de 17 de Janeiro de 1888.
Figura 9

  1. A notícia de 17 de Janeiro de 1888, pela maneira como está redigida não deixa dúvidas que foi na mala anterior que “finalmente” chegou a remessa de estampilhas.
  2. A notícia antes transcrita no “Correio Macaense” de 21 de Outubro refere ainda não terem chegado os selos pedidos a Lisboa.
Figura 10
 
Numa primeira abordagem fomos tentados a aceitar a opinião de Luís Frazão quando afirma que a primeira requisição ainda era composta por selos tipo Coroa e que a segunda requisição já seria de selos tipo D. Luís I. Porém depois da consulta a variada informação disponível, preferimos outra abordagem pelas razões seguintes:
Em 31 de Janeiro de 1887 na sua habitual requisição de selos para venda no seu estabelecimento (Fig.11), Faustino Martins só encomendou selos tipo Coroa para Macau e Timor, o que prova que ainda não tinham sido emitidos os selos do tipo D. Luís I o mesmo acontecendo para S. Tomé e Príncipe. Verifica-se que os selos tipo D. Luís para Moçambique já estavam emitidos.
Figura 11 – Requisição de selos para venda, de Faustino Martins, datada de 31.01.1887, ao abrigo do despacho ministerial de 03.07.1886

            Consultado o jornal “O Philatelista” n.º 1 de Abril de 1887, propriedade de Faustino Martins, é anunciado como novidade a emissão dos selos de D. Luís I para Macau. Portanto estes selos foram disponibilizados entre Fevereiro e Abril de 1887.
            Tendo a requisição se selos de Macau, datada de 3 de Janeiro de 1887, sido recebida em 8 de Fevereiro, a única justificação para que a mesma só fosse satisfeita pela Casa da Moeda em 4 de Abril (cerca de dois meses depois) prende-se com o facto de se estar a aguardar o termino da impressão dos novos selos. Assim é meu entendimento que na primeira remessa de selos já seguiram os do tipo de D. Luís I, fita direita.
            Luís Frazão baseou como dissemos o seu estudo nos registos da saída de estampilhas da Casa da Moeda, porém vamos ver em função do que encontramos no Arquivo Histórico Ultramarino como se processou o envio dos selos das duas requisições, através de duas tabelas esquemáticas, onde constam as datas de envio para os correios e os números de ofícios da 2.ª Repartição da DGU para a Junta de Fazenda de Macau, informando do seu envio.

Requisição de 03.01.1887 (Saída de Lisboa)
Taxas
07.10.1887
Ofício 535
08.11.1887
Ofício 568
5 reis
30.000
-
10 reis
30.000
-
20 reis
30.000
-
25 reis
5.000
-
40 reis
30.000
-
50 reis
5.000
-
80 reis
-
-
100 reis
5.000
-
200 reis
-
-
300 reis
2.000
-
BP 10 reis
15.000
-
BP 20 reis
3.000
12.000
BP 30 reis
7.000
8.000

Tabela 2

Requisição de 07.05.1887 (Saída de Lisboa)
Taxas
06.12.87
Ofício 594
03.01.88
Ofício 1
17.01.88
Ofício 5
31.01.88
Ofício 19
5 reis
84.000
-
16.000
-
10 reis
100.000
-
-
-
20 reis
56.000
-
44.000
-
25 reis
10.000
-
-
-
40 reis
56.000
-
44.000
-
50 reis
10.000
-
-
-
80 reis
20.000
-
80.000
-
100 reis
10.000
-
-
-
200 reis
-
-
-
-
300 reis
5.000
-
-
-
BP 10 reis
-
15.000
-
-
BP 20 reis
3.000
-
12.000
-
BP 30 reis
7.000
-
-
8.000

Tabela 3

            No que respeita à primeira encomenda de selos (03.01.1887) todos eles foram remetidos a coberto do ofício n.º 535 da DGU e despachados em 7 de Outubro de 1887 por correio (Tabela 2). A Junta de Fazenda de Macau acusa a sua recepção através do seu ofício n.º 3 datado de 26.12.1887.
Figura 12 -  Ofício n.º 3 da Junta de Fazenda de Macau, acusando a recepção dos selos remetidos em 7 e 24 de Outubro (Os selos remetidos em 24 de Outubro dizem respeito a Timor)
 
            Portanto terá sido esta a encomenda de selos que Luís Frazão de refere e afirma ter chegado a Macau na mala de 20 de Dezembro. São os selos da primeira requisição e não da segunda os que chegaram nessa mala.
            De acordo com as tabelas acima, a grande maioria dos selos da segunda requisição apenas foram enviados para Macau em 6 de Dezembro de 1887 a coberto do ofício n.º 594 datado de 5 de Dezembro de 1887 e despachados pelo correio a 6 de Dezembro do mesmo ano (Tabela 3).
Figura 13 – Lista dos selos remetidos em 6 de Dezembro e nota de recepção dos mesmos por parte da Direcção Geral dos Correios.
 
            A Junta de Fazenda de Macau pelo seu ofício n.º 1 de 14 de Janeiro de 1888 apressa-se a notificar a Direcção Geral dos Correios que recebeu os selos do ofício 594 da DGU. A razão de ser da notícia publicada no jornal “O Independente” de 18 de Janeiro tem a ver com esta remessa, porém ela apenas foi recebida na mala de 10 de Janeiro de 1888 e não na mala de 20 de Dezembro de 1887.
Figura 14 - Ofício n.º 1 da Junta de fazenda de Macau, datado de 14.01.1888, acusando a recepção dos selos remetidos pelo ofício n.º 594 da DGU
 
            Perante o que foi exposto, tudo aponta para que os selos de D. Luís I tenham começado a circular em Macau na última semana de Dezembro de 1887, se efectivamente os selos da primeira requisição (03.01.1887) já eram os da nova tipologia, e tudo aponta para tal facto. Porém existe uma forte probabilidade de os selos de D. Luís I só terem começado a circular em Janeiro de 1888, até porque a composição da 2.ª requisição (pelas avultadas quantidades requisitadas) configurarem a estrutura de um primeiro pedido de uma nova emissão. Acresce o facto de em Janeiro de 1887 aquando da primeira encomenda a Junta de Fazenda de Macau ainda não ter conhecimento de que já estariam prontos os selos de D. Luís.

Figura 15 -  Carta expedida de Macau (10.01.1886) para o mesmo destinatário da carta da figura 8
 
            Pode-se questionar a razão da existência de uma carta datada de 29 de Dezembro de 1887 com selos de D. Luís I em desfavor desta tese. Porém não seria a primeira vez que em Macau circularam cartas com selos que ainda não estavam aí à venda. Os selos em questão já eram vendidos na Casa da Moeda desde Abril de 1887 e era habitual filatelistas e comerciantes ai obterem os selos e enviá-los para as colónias para daí os fazerem circula
Figura 16 – Carta registada remetida de Macau (17.01.1887) para o mesmo destinatário da carta da figura 8
 
            Folheando o livro de Luís Frazão podemos encontrar várias cartas dirigidas ao mesmo indivíduo da citada carta de 29 de Dezembro, apresentando todos os indícios de serem cartas preparadas para fazerem circular determinadas espécies de selos, conforme se pode apreciar pelas figuras n.ºs 15 e 16.
            Em resumo, e neste momento podemos balizar o início da circulação dos selos de D. Luís I em Macau entre os dias 26 de Dezembro de 1887 e 14 de Janeiro de 1888. Só quando se puder provar inequivocamente em qual das remessas (7 de Outubro ou 6 de Dezembro) foram remetidos os primeiros selos do tipo D. Luís I, fita direita, poderemos afirmar exactamente se foi em 26 de Dezembro de 1887 ou em 14 de Janeiro de 1888 que se iniciou a venda em Macau dos selos em causa.

Bibliografia
·         História e Desenvolvimento dos Correios e das Telecomunicações de Macau – Vol. II – História Postal de Macau (1884-1999), Luís Frazão, Outubro 2006
·         AHU – Cota 438 1N SEMU DGU LV 1886 * Minutas Agosto a Dezembro
·         AHU – Cota 439 1N SEMU DGU LV 1887 * Minutas Janeiro - Março
·         AHU – Cota 440 1N SEMU DGU LV 1887 * Minutas Abril - Junho
·         AHU – Cota 441 1N SEMU DGU LV 1887 * Minutas Julho - Setembro
·         AHU – Cota 442 1N SEMU DGU LV 1887 * Minutas Outubro - Dezembro
·         AHU – Cota 443 1N SEMU DGU LV 1888 * Minutas Janeiro-Março
·         AHU – Cota 2634 2G SEMU DGU Cx 1887 – Serviços Ultramarinos * 1.º semestre
·         AHU – Cota 2635 2G SEMU DGU Cx 1887 – Serviços Ultramarinos * 2.º semestre
·         AHU – Cota 2636 2G SEMU DGU Cx 1888 – Serviços Ultramarinos * 1.º semestre