Há um pequeno grupo de amigos filatelistas, a quem dedico este apontamento, que são uns inveterados legalistas, no que diz respeito ao serviço postal. Analisam qualquer espécime filatélico à lupa e com rigores tais que o mais pequeno desvio aos regulamentos os mandam logo para o departamento dos “forjados filatélicos”. Aqui vai este delicioso apontamento para sua “tortura”.
O caso em apreço relaciona-se com uma sobretaxa de 50 reis, executada em Junho de 1891, sobre selos de 40 reis D. Luís I, fita direita, da emissão de S. Tomé e Príncipe, com o n.º 26 do Catálogo Afinsa.
Antes de entrar na real “estória”, vou relatar o “modus operandi” das repartições de Fazenda e dos Correios, sobre a requisição de selos para as estações postais de S. Tomé e Príncipe. Em 1890 o então Administrador dos Correios, Joaquim Augusto da Silva, estabeleceu regulamentarmente que as estações postais requisitassem os selos à sua Administração, que por sua vez os solicitava à Repartição de Fazenda, e quando satisfeita a requisição por esta entidade as encaminhava para as estações à sua responsabilidade. Era portanto um processo simples e linear. Acontece que em finais de 1890 é autorizada a deslocação deste Administrador a Lisboa por motivos de saúde.
De regresso a S. Tomé dá-se conta que este sistema por si implementado tinha sido alterado por ordens do Inspector de Fazenda da Província de S. Tomé, José Dionizio Cardoso de Souza. Pelo novo regulamento, por exemplo, a Estação do Príncipe requisitava os selos postais à Repartição de Fazenda do Príncipe, que por sua vez a passava à Repartição de Fazenda de S. Tomé, que a enviava ao Administrador dos Correios, para este abrir uma conta corrente com a estação do Príncipe e por sua vez solicitar à Repartição da Fazenda de S. Tomé a satisfação da requisição. Os selos eram enviados ao Administrador dos Correios para os remeter à estação postal do Príncipe. Uma burocracia estarrecedora.
O que relatei foi o que se passou exactamente em Maio de 1891. Uma requisição de selos do Príncipe, que estava na eminência de ruptura de stock, feita a 9 de Maio de 1891 para seguir no Paquete Ambaca que em viagem para Angola passou por S. Tomé em 31 de Maio e fazia escala no Príncipe, não seguiu, justificando-se o Administrador dos Correios pela burocracia instalada que determinou que a requisição só chegasse às suas mãos em 25 de Maio, e também pelo excesso de trabalho pois desde o dia 25 de Maio até ao dia 31 desse mês entrou todos os dias um paquete com malas de correio.
E o inevitável aconteceu quando dia 8 de Junho a Administração dos Correios de S. Tomé recebe o seguinte telegrama da estação postal do Príncipe:
Só há sellos de 40-200-300 reis providencias
Desenho da sobretaxa |
No dia imediato por ofício o Administrador dos Correios dá conhecimento ao Governador-Geral da situação de ruptura no stock de selos de 25 e 50 reis no Príncipe, e que é do seu conhecimento que o Director Geral dos Correios é avesso ao uso de sobretaxas nos selos, solicitando ao mesmo tempo que disponibilize a canhoneira para ir levar os selos ao Príncipe. Mais informa que o actual director dos Correios do Príncipe é o farmacêutico Dinis d’Abreu que foi nomeado interinamente para o cargo há cerca de um mês.
Pelo ofício n.º 422 de 12.06.1891 em nome do Governador, o Secretário do Governo informa que é impossível ser dispensada a canhoneira para levar os selos ao Príncipe, e que o Administrador deve propor qualquer outro alvitre para resolver o assunto.
Quadra usada |
Pelo ofício n.º 60 do dia 15 de Junho o Administrador reconhecendo a dificuldade na dispensa da canhoneira, não encontra outra solução que não seja a de sobretaxar selos de 40 reis para 50 reis, devendo a sobretaxa ser feita na estação postal do Príncipe. Para que não haja lugar a abusos, preconiza que os selos apenas sejam sobretaxados depois de afixados na correspondência, e uma vez que no Príncipe não há imprensa, esta sobretaxa deve ser feita com um carimbo, e repete mais uma vez que este carimbo só deve ser aplicado depois dos selos colados na correspondência. Uma vez que o que estava em causa eram os selos de 50 reis para franquiar a correspondência a remeter para sul (Angola) no paquete seguinte (Angola) só aí seriam aplicados. Nos portes simples de 25 reis para a correspondência para S. Tomé, as cartas eram enviadas à Administração de S. Tomé, com uma guia e a sua importância em dinheiro, para ali serem franquiadas antes de serem entregues.
Selo novo |
Pelo ofício n.º 434 de 19 de Junho, o Secretário em nome do Governador informa que se conforma com o alvitre, devendo expedir um telegrama para o Príncipe nesse sentido, visado pelo Secretaria do Governo.
Nesse mesmo dia (19.06.1891) segue através da “The West African Telegraph Company, Limited o seguinte telegrama:
Governador determina altere valor sellos 40 para 50 depois de affixar. Correspondência S. Thomé porte 25 mande acompanhada guia e dinheiro para aqui ser sellada. Participe que fizer. Administrador
Dupla sobretaxa |
Para minimamente regularizar a emissão foi esta decisão publicada em Portaria publicada no Boletim Oficial n.º 26 de 27.06.1891, sem o conhecimento ou autorização do Ministério da Marinha e Ultramar.
O movimento médio mensal de objectos postais do Príncipe para Angola no ano de 1891 foi de 52 repartidos em dois paquetes mensais o que dá uma media de 26 por paquete. Terá sido o que, mais ou menos, transportou o Angola. Como destes selos nenhum foi remetido para Secretaria Internacional de Berne, teríamos uma emissão irrisória, no pressuposto de que foram aplicadas as instruções consignadas no telegrama de 19 de Maio. É certo que não se conhece nenhuma carta circulada com estes selos.
Sobretaxa invertida |
Não deveriam existir, nem ser cotados, estes selos em novo pois a sua emissão não os contemplava nesse estado. Porém a verdade é que aparecem selos novos e usados, alguns com duplas sobretaxas e sobretaxas invertidas. Pelos vistos o farmacêutico do Príncipe de nome completo António Diniz d’Abreu, resolveu montar um negócio filatélico, para além de ser director da estação do Príncipe. Um homem de sete ofícios. É caso para dizer “Oh Abreu dá cá o meu………”.
Ora digam lá se não é inédito a Ilha do Príncipe ter tido uma emissão própria de selos? E esta hem………. Cada um tire as suas ilações.
Em tempo: para uma melhor aquilatação do que estava em causa, aqui fica a transcrição da requisição de selos do Príncipe para 3 meses de consumo.
Requisição n.º 7
Requisita-se da Fazenda para a Direcção dos Correios do Príncipe o seguinte
Sellos postaes de 10 reis mil 1.000
Sellos posraes de 25 reis duzentos 200
Sellos postaes de 50 reis mil 1.000
Sellos postaes de 100 reis mil 1.000
Sellos postaes de 200 reis duzentos 200
Direcção do Correio no Príncipe, 9 de Maio de 1891
a) António Diniz d'Abreu
Agradecimentos
· Manuel Janz pela cedência das imagens dos selos
Bibliografia
· Catálogo Afinsa
· Cota 2653 2G SEMU DGU Cx 1891 Correios Ultramarinos – 2º Semestre