No último artigo aqui publicado sob
o título “Angola – Sobretaxa aérea interna” dei conta da inauguração oficial da
ligação aérea entre Luanda – Ponta Negra realizada pelos aviões do Aero Clube
de Angola. Esta ligação essencialmente direccionada para o transporte de
correspondências permitia que em conexão com a ligação da Air-Afrique, via
Niamey – Marselha, essa correspondência tivesse um percurso totalmente aéreo
para a Europa. Ultrapassava-se assim um problema que há anos subsistia em
Angola que o era o do transporte para o exterior por via aérea das suas
correspondências postais.
Nesse mesmo artigo focamos a
problemática da tarifação das correspondências tendo-se notado a característica
“sui generis” do estabelecimento de uma sobretaxa aérea extraordinária com a
finalidade de custear o transporte dessas correspondências no percurso entre
Luanda e Ponta Negra. A tarifação era mista, com os portes ordinários e os
serviços acessórios a serem pagos por meio de selos postais e a sobretaxa aérea
a ser liquidada em dinheiro, sendo apensas aos sobrescritos etiquetas Mod 264-A
com a inscrição manuscrita do porte em francos-ouro.
Porém, este tipo de tarifação,
depressa foi alterado porque para além de ser mais morosa exigia aos
funcionários postais conhecimentos de ordem geral que a maioria não possuía.
Um dos grandes problemas com que me
tenho deparado no estudo que vou fazendo do desenvolvimento do correio aéreo em
Angola, é o da inexistência de fontes primárias de onde se possa obter as
tabelas de porte das sobretaxas do correio aéreo. Enigmaticamente, nem nos
Boletins Oficiais de Angola, nem em quaisquer outras publicações dos CTT de
Angola conhecidas, essas tabelas estão publicadas. Apenas nos jornais da época
e de forma avulsa vamos encontrando pequenas referências à sobretaxa aérea
devida para destinos muito restritos, na maioria dos casos para o correio com
destino a Europa. E é fazendo fé nas notícias dos periódicos que vou tentando
montar um puzzle muito difícil e que em muitos casos notamos a falta de várias
peças.
E é navegando um pouco “à vista” que
agora trago ao conhecimento a notícia inserta do jornal “A Província de Angola”
de 18 de Março de 1939 que abaixo reproduzo:
Figura 1 |
A notícia em questão permite-nos
tirar algumas informações importantes sobre o encaminhamento das
correspondências por via aérea e sobre a sua tarifação. Assim segundo a
informação prestada pela Repartição Central dos Correios e Telégrafos
percebemos que:
- A partir dessa data passam a existir duas vias de encaminhamento das correspondências: uma via Ponta Negra – Niamey – Marselha e outra via Ponta Negra – Dakar – Casablanca – Tanger, com conexão à ligação Tanger – Lisboa pela Aero Portuguesa (Mapa 1).
Mapa 1 |
- Na primeira via
de encaminhamento as cartas pagariam uma sobretaxa aérea de 4,00 Ags por
cada 5 gramas ou fracção, e na segunda via pagariam 5,00 Ags por cada 5
gramas ou fracção.
- Embora mais
onerosa a ligação via Tanger era aquela que melhor servia os interesses da
população angolana, porque permitia que as correspondências chegassem ao
seu destino (Portugal) de forma mais célere.
- As tarifas
apresentadas apenas dizem respeito às correspondências permutadas entre
Angola e a Europa e continuamos no desconhecimento das reais tabelas de portes
para outros destinos que não aquele.
- Pela comunicação
da Repartição dos Correios e Telégrafos permite-nos afirmar que a partir
dessa data, no mínimo, deixou-se se aplicar a tarifação mista “selos
postais / etiquetas Mod. 264-A” sendo os portes ordinários, serviços
acessórios e sobretaxa aérea integralmente pagos por selos postais a
afixar nos sobrescritos.
Passarei agora a apresentar algumas cartas
permutadas durante o período em análise procurando elencar um conjunto de
situações em que os regulamentos e as comunicações foram respeitados ou não.
No primeiro caso (Fig. 2) temos uma carta registada
circulada do Lucala (17.01.39) para a Bélgica com trânsito por Luanda e por
Ponta Negra (19.01.39). Em manuscrito e a tinta preta apresenta a indicação do
registo n.º 1 daquela estação. Por conhecimento de outros casos este poderá ter
sido o primeiro registo de correio aéreo desta estação postal. Embora sem fonte
primária que permita uma afirmação categórica temos verificado que sempre que
numa estação é estabelecido o serviço de permutas de cartas por via aérea é
estabelecida uma numeração autónoma para os registos remetidos por essa via. A
carta pesando 5g (manuscrito a lápis) foi franquiada com 7,40 Ags
correspondente a:
Porte
ordinário (cartas até 20g) 1,75
Ags
Prémio
de registo 2,00
Ags
1.º
porte sobretaxa aérea (até 5g) 3,60
Ags
Total 7,35
Ags
Figura 2 |
Se verificarmos o verso do
sobrescrito notamos que a lápis se encontra inscrito o porte a pagar de 7,35
Ags. Era do conhecimento dos funcionários postais do montante do porte a pagar
de 7,35 Ags e se foram aplicados na carta selos no valor de 7,40 Ags a única
razão que explica o diferencial prende-se com o facto de não haver na estação
postal selos de 0,05 Ags para perfazer o porte. A etiqueta Mod. 264-A aplicada
apenas serve como indicação de que a correspondência seguirá por via aérea não
tendo sido manuscrito qualquer porte em francos-ouro.
Esta carta permite-nos tirar duas
ilações principais: Em 17 de Janeiro de 1939 ainda estava em vigor a sobretaxa
aérea determinada em Outubro de 1938, porém a franquia de todos os serviços
assim como a sobretaxa passou a ser paga em selos postais, abandonando-se o
sistema de franquia mista.
A segunda carta (Fig. 3) é remetida
de Luanda (22.03.39) para a Alemanha, com trânsito por Ponta Negra (25.03.39)
com a franquia total de 16,75 Ags e peso manuscrito de 13g correspondente a:
Porte ordinário (cartas
até 20g) 1,75 Ags
3.º porte da sobretaxa aérea
via Tânger 15,00 Ags
Total 16,75
Ags
Figura 3 |
Inicialmente a carta tinha a
inscrição dactilografada “Via Pointe Noire / Marseille” e posteriormente
alterada a manuscrito para “Tanger”.
A terceira carta (Fig. 4) é remetida
registada de Luanda (17.05.39) para Lisboa (25.05.39) com trânsito por Ponta
Negra (18.05.39) com o peso de 5g, inscrição manuscrita “Via Tanger” e com o
porte total de 8,75 Ags correspondente a:
Porte ordinário (cartas
até 20g) 1,75 Ags
Prémio de registo 2,00
Ags
1.º porte sobretaxa
aérea via Tânger 5,00 Ags
Total 8,75 Ags
Figura 4 |
Da análise destas três cartas permite-nos alguns
considerandos pertinentes:
- A partir de
Janeiro ter-se-á iniciado a franquia das cartas apenas com selos postais
em detrimento da franquia mista com recurso às etiquetas Mod. 264-A.
- A sobretaxa aérea
a cobrar para os países europeus era igual para qualquer deles. Tanto se
pagava 5,00 Ags para a Alemanha (Fig. 3) como para Portugal (Fig.4)
- Entende-se que as
cartas remetidas para Portugal pudessem utilizar a via de Tânger por ser a
mais directa, pois usufruíam da ligação da Aero Portuguesa de Tânger para
Lisboa, embora mais cara em termos de franquia. Suportava-se um custo mais
oneroso com proveito no tempo de trânsito das correspondências. O mesmo já
não se percebe que a carta da Fig. 3 tivesse circulado via Tânger quando a
via Niamey-Marselha significativamente mais económica também era mais
aconselhável quanto à duração da ligação aérea.
A carta da Figura 5 com a inscrição manuscrita
“Pelo avião / Via: Ponta Negra – Marseille”, circulou do Lobito (03.04.39) para
a Alemanha com trânsito por Ponta Negra (07.04.39), com o peso manuscrito de 8g
e com a franquia total de 9,80 Ags correspondente:
Porte
ordinário (cartas até 20g) 1,75
Ags
2.º
porte sobretaxa aérea via Marselha
(peso
até 10g) 2x4.00 Ags 8,00 Ags
Total 9,75
Ags
Figura 5 |
Verificamos que a carta tem um excesso de franquia
de 0,05 Ags que como temos vindo a afirmar é despicienda na análise e que
resulta do facto da falta de selos de valores inferiores nas estações postais.
Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A (aparada) apenas como etiqueta
informativa da via em que seguia a carta.
No seguinte exemplo da figura 6 temos uma carta
registada, com o peso de 22g remetida de Nova Lisboa (25.02.39) para a
Checoslováquia / Praga (16.03.39) com trânsito pelo Lobito (29.02.39), Ponta
Negra (02.03.39). Não aparece inscrita qualquer menção da via a seguir e
apresenta uma franquia total em selos postais de 22,75 Ags correspondente a:
1.º
porte ordinário (cartas até 20g) 1,75 Ags
2.º
porte ordinário (de 21 a 40g)
1,00 Ags
Prémio
de registo 2,00 Ags
5.º
porte da sobretaxa aérea 3,60x5 18,00
Ags
Total 22,75
Ags
Figura 6 |
Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A apenas como
informativa da via em que seguia a correspondência. Este exemplar á apresentado
como prova de que tendo-se abandonado a franquia mista no correio aéreo em
finais de Fevereiro apenas existia uma via de encaminhamento da correspondência
(por Marselha) e que a tabela de portes a aplicar na sobretaxa aérea ainda era
a aprovada em Outubro de 1938 e que portanto temos que aceitar como fidedigna a
notícia do jornal “A Província de Angola” de 18.03.1939 atrás reproduzida como
data provável do início do encaminhamento das correspondências pelas duas vias
e com a nova tabela de portes para a sobretaxa aérea.
Na figura 7 apresenta-se um dos casos de má
aplicação dos regulamentos e da falta de conhecimentos e capacidade
profissional dos funcionários postais de algumas das estações postais
angolanas. A carta, com o peso de 3g, é remetida de Silva Porto (14.04.39) para
Paris (27.04.39) com trânsito pelo Lobito (16.04.39) e por Ponta Negra
(20.04.39), estando portanto dentro do período de vigência da tabela de portes
apresentada na figura 1. Apresenta no verso a franquia de 4,00 Ags em selos
postais e no frontispício uma etiqueta Mod. 264-A com o porte inicialmente
manuscrito de 0,49 franco-ouro e depois emendado a vermelho para 0,45
franco-ouro, assim como um selo no valor de 1,75 Ags. No total temos uma
franquia mista composta por 5,75 Ags em selos postais e de 0,45 franco-ouro em
etiqueta Mod. 264-A que cumulativamente poderiam pagariam os seguintes
serviços.
Franquia
em selos
Porte
ordinário (cartas até 20g) 1,75
Ags
1.º
porte sobretaxa aérea via Marselha 4,00 Ags
Total 5,75 Ags
Franquia da etiqueta Mod. 264-A
1.º
porte da sobretaxa aérea P. Negra-Paris 0,32f
1.º
porte da sobretaxa aérea Luanda-P. Negra 0,08f
Excesso
de porte 0,05f
Tota 0,45
f
Figura 7 |
Este exercício é meramente académico e especulativo
porque o que temos na realidade é um caso de mau profissionalismo e
desconhecimentos das regras elementares do bom exercício da actividade. Embora
a carta não mencione ela foi encaminhada por via aérea para Paris via Ponta
Negra – Marselha, o que faz sentido por ser a via mais directa, e como tal
pagou de sobretaxa aérea o primeiro porte correspondente ao seu peso de 3g no valor
de 4,00 Ags acrescendo o primeiro porte do correio ordinário para cartas
remetidas para países estrangeiros (peso até 20g) no valor de 1$75, de acordo
com a tabela de portes da figura 1. Atendendo à franquia em selos a carta está
correctamente franquiada para o destino e via aconselhável. O que não se
compreende á aplicação da etiqueta Mod. 264-A com o porte correspondente à
sobretaxa aérea de 0,45f. Este porte era o devido na vigência da anterior
tabela de portes e correspondia ao primeiro porte da sobretaxa aérea (peso até
5g) para países da Europa com excepção de França e Córsega e para o percurso de
Ponta Negra a Paris no valor de 0,37f ao qual acrescia o primeiro porte (peso
até 5g) da sobretaxa aérea pelo percurso de Luanda a Ponta Negra no valor de
0,08f.
Provavelmente nunca saberemos se foi cobrada a
sobretaxa aérea em duplicado ou se apenas se tratou de afixação inócua da
etiqueta Mod. 264-A. Na verdade é que, num caso ou no outro, tal erro acaba por
nos tempos actuais vir a suscitar dúvidas aos acérrimos defensores dos
regulamentos postais, que não entendem, nem querem muitas vezes entenderem, que
os serviços postais coloniais funcionavam com enormes carências no que respeita
a ao seu pessoal, que na maioria eram quase que iletrados, e mal sabiam fazer
uma interpretação correcta da mais singular circular.
Porém Silva Porto na época era uma pequena e
recém-criada (1935) cidade do interior e como tal mal servida no que respeita a
repartições pública, mas o mesmo já não se pode aceitar no caso da carta que se
apresenta na figura 8 oriunda de Luanda. A carta circulou registada de Luanda
(01.02.1939) para Lisboa (10.02.39) com trânsito por Ponta Negra (02.02.39) e
com o peso de 7g manuscrito no frontispício, portanto enquadrada pela tabela
aprovada em Outubro de 1938 e teria de ser franquiada do seguinte modo:
Porte
ordinário (peso até 20g) 1,75
Prémio
de registo 2,00
Sobretaxa
do correio aéreo (dois portes)
Trajecto
interno 2x0,08fx8,00Ag 1,28
Trajecto
exterior 2x0,37x8,00Ag 5,92
Total 10,95
Figura 8 |
Porém a
carta apenas foi franquiada com 6,95 Ags estando em falta o valor de 4,00 Ags.
Pelo
que relatei, e em resumo, direi que estudo do correio aéreo de Angola implica
doses elevadas de paciência na pesquisa das fontes primárias, porque não são
fáceis de se encontrar ou porque simplesmente não existem. É um trabalho
moroso. É um edifício para ser construído lentamente, pedra a pedra em local
onde apenas existe o quase “nada”. Este é mais um contributo para a sua
edificação.
Bibliografia
Jornal
“A Província de Angola”
Angola
– Sobretaxa aérea interna, in mala-posta1.blogspot.com
Intercontinental
Airmails * Volume Three * África de Edward B. Proud
Notas
sobre o Correio Aéreo Português de João Manuel Lopes Soeiro
Informações sus-generis e que merecem elogios, Parabéns também pelo material exposto.JOSE RODRIGUES
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