domingo, 3 de março de 2013

Angola - Subsídios para o estudo do correio aéreo (1)

            No último artigo aqui publicado sob o título “Angola – Sobretaxa aérea interna” dei conta da inauguração oficial da ligação aérea entre Luanda – Ponta Negra realizada pelos aviões do Aero Clube de Angola. Esta ligação essencialmente direccionada para o transporte de correspondências permitia que em conexão com a ligação da Air-Afrique, via Niamey – Marselha, essa correspondência tivesse um percurso totalmente aéreo para a Europa. Ultrapassava-se assim um problema que há anos subsistia em Angola que o era o do transporte para o exterior por via aérea das suas correspondências postais.
            Nesse mesmo artigo focamos a problemática da tarifação das correspondências tendo-se notado a característica “sui generis” do estabelecimento de uma sobretaxa aérea extraordinária com a finalidade de custear o transporte dessas correspondências no percurso entre Luanda e Ponta Negra. A tarifação era mista, com os portes ordinários e os serviços acessórios a serem pagos por meio de selos postais e a sobretaxa aérea a ser liquidada em dinheiro, sendo apensas aos sobrescritos etiquetas Mod 264-A com a inscrição manuscrita do porte em francos-ouro.

            Porém, este tipo de tarifação, depressa foi alterado porque para além de ser mais morosa exigia aos funcionários postais conhecimentos de ordem geral que a maioria não possuía.

            Um dos grandes problemas com que me tenho deparado no estudo que vou fazendo do desenvolvimento do correio aéreo em Angola, é o da inexistência de fontes primárias de onde se possa obter as tabelas de porte das sobretaxas do correio aéreo. Enigmaticamente, nem nos Boletins Oficiais de Angola, nem em quaisquer outras publicações dos CTT de Angola conhecidas, essas tabelas estão publicadas. Apenas nos jornais da época e de forma avulsa vamos encontrando pequenas referências à sobretaxa aérea devida para destinos muito restritos, na maioria dos casos para o correio com destino a Europa. E é fazendo fé nas notícias dos periódicos que vou tentando montar um puzzle muito difícil e que em muitos casos notamos a falta de várias peças.

            E é navegando um pouco “à vista” que agora trago ao conhecimento a notícia inserta do jornal “A Província de Angola” de 18 de Março de 1939 que abaixo reproduzo:

Figura 1
            A notícia em questão permite-nos tirar algumas informações importantes sobre o encaminhamento das correspondências por via aérea e sobre a sua tarifação. Assim segundo a informação prestada pela Repartição Central dos Correios e Telégrafos percebemos que:
  • A partir dessa data passam a existir duas vias de encaminhamento das correspondências: uma via Ponta Negra – Niamey – Marselha e outra via Ponta Negra – Dakar – Casablanca – Tanger, com conexão à ligação Tanger – Lisboa pela Aero Portuguesa (Mapa 1).
Mapa 1
 
  • Na primeira via de encaminhamento as cartas pagariam uma sobretaxa aérea de 4,00 Ags por cada 5 gramas ou fracção, e na segunda via pagariam 5,00 Ags por cada 5 gramas ou fracção.
  • Embora mais onerosa a ligação via Tanger era aquela que melhor servia os interesses da população angolana, porque permitia que as correspondências chegassem ao seu destino (Portugal) de forma mais célere.
  • As tarifas apresentadas apenas dizem respeito às correspondências permutadas entre Angola e a Europa e continuamos no desconhecimento das reais tabelas de portes para outros destinos que não aquele.
  • Pela comunicação da Repartição dos Correios e Telégrafos permite-nos afirmar que a partir dessa data, no mínimo, deixou-se se aplicar a tarifação mista “selos postais / etiquetas Mod. 264-A” sendo os portes ordinários, serviços acessórios e sobretaxa aérea integralmente pagos por selos postais a afixar nos sobrescritos.

Passarei agora a apresentar algumas cartas permutadas durante o período em análise procurando elencar um conjunto de situações em que os regulamentos e as comunicações foram respeitados ou não.

No primeiro caso (Fig. 2) temos uma carta registada circulada do Lucala (17.01.39) para a Bélgica com trânsito por Luanda e por Ponta Negra (19.01.39). Em manuscrito e a tinta preta apresenta a indicação do registo n.º 1 daquela estação. Por conhecimento de outros casos este poderá ter sido o primeiro registo de correio aéreo desta estação postal. Embora sem fonte primária que permita uma afirmação categórica temos verificado que sempre que numa estação é estabelecido o serviço de permutas de cartas por via aérea é estabelecida uma numeração autónoma para os registos remetidos por essa via. A carta pesando 5g (manuscrito a lápis) foi franquiada com 7,40 Ags correspondente a:
            Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
            Prémio de registo                                            2,00 Ags
            1.º porte sobretaxa aérea (até 5g)               3,60 Ags
                                   Total                                                  7,35 Ags
Figura 2

            Se verificarmos o verso do sobrescrito notamos que a lápis se encontra inscrito o porte a pagar de 7,35 Ags. Era do conhecimento dos funcionários postais do montante do porte a pagar de 7,35 Ags e se foram aplicados na carta selos no valor de 7,40 Ags a única razão que explica o diferencial prende-se com o facto de não haver na estação postal selos de 0,05 Ags para perfazer o porte. A etiqueta Mod. 264-A aplicada apenas serve como indicação de que a correspondência seguirá por via aérea não tendo sido manuscrito qualquer porte em francos-ouro.

            Esta carta permite-nos tirar duas ilações principais: Em 17 de Janeiro de 1939 ainda estava em vigor a sobretaxa aérea determinada em Outubro de 1938, porém a franquia de todos os serviços assim como a sobretaxa passou a ser paga em selos postais, abandonando-se o sistema de franquia mista.

            A segunda carta (Fig. 3) é remetida de Luanda (22.03.39) para a Alemanha, com trânsito por Ponta Negra (25.03.39) com a franquia total de 16,75 Ags e peso manuscrito de 13g correspondente a:

                        Porte ordinário (cartas até 20g)                      1,75 Ags
                        3.º porte da sobretaxa aérea via Tânger     15,00 Ags
                                               Total                                                  16,75 Ags
Figura 3

            Inicialmente a carta tinha a inscrição dactilografada “Via Pointe Noire / Marseille” e posteriormente alterada a manuscrito para “Tanger”.
            A terceira carta (Fig. 4) é remetida registada de Luanda (17.05.39) para Lisboa (25.05.39) com trânsito por Ponta Negra (18.05.39) com o peso de 5g, inscrição manuscrita “Via Tanger” e com o porte total de 8,75 Ags correspondente a:
                        Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
                        Prémio de registo                                             2,00 Ags
                        1.º porte sobretaxa aérea via Tânger           5,00 Ags
                                               Total                                                    8,75 Ags
Figura 4

            Da análise destas três cartas permite-nos alguns considerandos pertinentes:
  • A partir de Janeiro ter-se-á iniciado a franquia das cartas apenas com selos postais em detrimento da franquia mista com recurso às etiquetas Mod. 264-A.
  • A sobretaxa aérea a cobrar para os países europeus era igual para qualquer deles. Tanto se pagava 5,00 Ags para a Alemanha (Fig. 3) como para Portugal (Fig.4)
  • Entende-se que as cartas remetidas para Portugal pudessem utilizar a via de Tânger por ser a mais directa, pois usufruíam da ligação da Aero Portuguesa de Tânger para Lisboa, embora mais cara em termos de franquia. Suportava-se um custo mais oneroso com proveito no tempo de trânsito das correspondências. O mesmo já não se percebe que a carta da Fig. 3 tivesse circulado via Tânger quando a via Niamey-Marselha significativamente mais económica também era mais aconselhável quanto à duração da ligação aérea.

A carta da Figura 5 com a inscrição manuscrita “Pelo avião / Via: Ponta Negra – Marseille”, circulou do Lobito (03.04.39) para a Alemanha com trânsito por Ponta Negra (07.04.39), com o peso manuscrito de 8g e com a franquia total de 9,80 Ags correspondente:
            Porte ordinário (cartas até 20g)                   1,75 Ags
            2.º porte sobretaxa aérea via Marselha
            (peso até 10g)            2x4.00 Ags                   8,00 Ags
                                   Total                                                  9,75 Ags
Figura 5

Verificamos que a carta tem um excesso de franquia de 0,05 Ags que como temos vindo a afirmar é despicienda na análise e que resulta do facto da falta de selos de valores inferiores nas estações postais. Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A (aparada) apenas como etiqueta informativa da via em que seguia a carta.

No seguinte exemplo da figura 6 temos uma carta registada, com o peso de 22g remetida de Nova Lisboa (25.02.39) para a Checoslováquia / Praga (16.03.39) com trânsito pelo Lobito (29.02.39), Ponta Negra (02.03.39). Não aparece inscrita qualquer menção da via a seguir e apresenta uma franquia total em selos postais de 22,75 Ags correspondente a:
            1.º porte ordinário (cartas até 20g)                1,75 Ags
            2.º porte ordinário (de 21 a 40g)                     1,00 Ags
            Prémio de registo                                                2,00 Ags
            5.º porte da sobretaxa aérea 3,60x5             18,00 Ags
                                   Total                                                  22,75 Ags
Figura 6

Foi utilizada uma etiqueta Mod. 264-A apenas como informativa da via em que seguia a correspondência. Este exemplar á apresentado como prova de que tendo-se abandonado a franquia mista no correio aéreo em finais de Fevereiro apenas existia uma via de encaminhamento da correspondência (por Marselha) e que a tabela de portes a aplicar na sobretaxa aérea ainda era a aprovada em Outubro de 1938 e que portanto temos que aceitar como fidedigna a notícia do jornal “A Província de Angola” de 18.03.1939 atrás reproduzida como data provável do início do encaminhamento das correspondências pelas duas vias e com a nova tabela de portes para a sobretaxa aérea.

Na figura 7 apresenta-se um dos casos de má aplicação dos regulamentos e da falta de conhecimentos e capacidade profissional dos funcionários postais de algumas das estações postais angolanas. A carta, com o peso de 3g, é remetida de Silva Porto (14.04.39) para Paris (27.04.39) com trânsito pelo Lobito (16.04.39) e por Ponta Negra (20.04.39), estando portanto dentro do período de vigência da tabela de portes apresentada na figura 1. Apresenta no verso a franquia de 4,00 Ags em selos postais e no frontispício uma etiqueta Mod. 264-A com o porte inicialmente manuscrito de 0,49 franco-ouro e depois emendado a vermelho para 0,45 franco-ouro, assim como um selo no valor de 1,75 Ags. No total temos uma franquia mista composta por 5,75 Ags em selos postais e de 0,45 franco-ouro em etiqueta Mod. 264-A que cumulativamente poderiam pagariam os seguintes serviços.
            Franquia em selos
            Porte ordinário (cartas até 20g)                                1,75 Ags
            1.º porte sobretaxa aérea via Marselha                  4,00 Ags
                                   Total                                                              5,75 Ags
            Franquia da etiqueta Mod. 264-A
            1.º porte da sobretaxa aérea P. Negra-Paris            0,32f
            1.º porte da sobretaxa aérea Luanda-P. Negra        0,08f
            Excesso de porte                                                            0,05f
                                   Tota                                                               0,45 f
Figura 7

Este exercício é meramente académico e especulativo porque o que temos na realidade é um caso de mau profissionalismo e desconhecimentos das regras elementares do bom exercício da actividade. Embora a carta não mencione ela foi encaminhada por via aérea para Paris via Ponta Negra – Marselha, o que faz sentido por ser a via mais directa, e como tal pagou de sobretaxa aérea o primeiro porte correspondente ao seu peso de 3g no valor de 4,00 Ags acrescendo o primeiro porte do correio ordinário para cartas remetidas para países estrangeiros (peso até 20g) no valor de 1$75, de acordo com a tabela de portes da figura 1. Atendendo à franquia em selos a carta está correctamente franquiada para o destino e via aconselhável. O que não se compreende á aplicação da etiqueta Mod. 264-A com o porte correspondente à sobretaxa aérea de 0,45f. Este porte era o devido na vigência da anterior tabela de portes e correspondia ao primeiro porte da sobretaxa aérea (peso até 5g) para países da Europa com excepção de França e Córsega e para o percurso de Ponta Negra a Paris no valor de 0,37f ao qual acrescia o primeiro porte (peso até 5g) da sobretaxa aérea pelo percurso de Luanda a Ponta Negra no valor de 0,08f.

Provavelmente nunca saberemos se foi cobrada a sobretaxa aérea em duplicado ou se apenas se tratou de afixação inócua da etiqueta Mod. 264-A. Na verdade é que, num caso ou no outro, tal erro acaba por nos tempos actuais vir a suscitar dúvidas aos acérrimos defensores dos regulamentos postais, que não entendem, nem querem muitas vezes entenderem, que os serviços postais coloniais funcionavam com enormes carências no que respeita a ao seu pessoal, que na maioria eram quase que iletrados, e mal sabiam fazer uma interpretação correcta da mais singular circular.

Porém Silva Porto na época era uma pequena e recém-criada (1935) cidade do interior e como tal mal servida no que respeita a repartições pública, mas o mesmo já não se pode aceitar no caso da carta que se apresenta na figura 8 oriunda de Luanda. A carta circulou registada de Luanda (01.02.1939) para Lisboa (10.02.39) com trânsito por Ponta Negra (02.02.39) e com o peso de 7g manuscrito no frontispício, portanto enquadrada pela tabela aprovada em Outubro de 1938 e teria de ser franquiada do seguinte modo:
                Porte ordinário (peso até 20g)                                    1,75
                        Prémio de registo                                                    2,00
                        Sobretaxa do correio aéreo (dois portes)
                                   Trajecto interno 2x0,08fx8,00Ag                  1,28
                                   Trajecto exterior 2x0,37x8,00Ag                  5,92
                                                           Total                                                  10,95
Figura 8

            Porém a carta apenas foi franquiada com 6,95 Ags estando em falta o valor de 4,00 Ags.

            Pelo que relatei, e em resumo, direi que estudo do correio aéreo de Angola implica doses elevadas de paciência na pesquisa das fontes primárias, porque não são fáceis de se encontrar ou porque simplesmente não existem. É um trabalho moroso. É um edifício para ser construído lentamente, pedra a pedra em local onde apenas existe o quase “nada”. Este é mais um contributo para a sua edificação.

 
Bibliografia
                        Jornal “A Província de Angola”
                        Angola – Sobretaxa aérea interna, in mala-posta1.blogspot.com
                        Intercontinental Airmails * Volume Three * África de Edward B. Proud
                        Notas sobre o Correio Aéreo Português de João Manuel Lopes Soeiro
 

1 comentário:

  1. Informações sus-generis e que merecem elogios, Parabéns também pelo material exposto.JOSE RODRIGUES

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